Mais Médicos despiu a elite, a oposição e a mídia
No bairro de Vila Mariana, em São Paulo, a umas cinco quadras do meu escritório há um “botecão” daqueles bem ao estilo pé-sujo em que homens de classe e idade médias se reúnem nos fins de tarde dos dias úteis para encherem a cara de cerveja e falarem sobre futebol, sobre bonitas estudantes pós-adolescentes que passam por ali e, o que é pior, sobre política.
Não gastemos tempo com o que falam sobre futebol. Sobre as meninas, vovôs ficarem babando por garotas das quais “não dariam conta”, se lhes dessem bola, fala por si. Mas, sobre política, vale comentar no âmbito de pesquisa de opinião recém-divulgada que revela que o programa Mais Médicos atingiu 74% de aprovação entre a opinião pública.
Há pelo menos uns 15 anos que conheço o tal boteco. Ao longo desse tempo, estive o quê, umas 30 vezes, lá? Talvez mais, talvez menos. Mas, toda vez que fui, nunca deixei de sair irritado com aquele bando de coroas da minha idade dos quais garanto que difiro bastante por serem desinformados, arrogantes, bebuns e, ao contrário do que tentam aparentar, provavelmente meio brochas – ainda mais bebendo daquele jeito.
Mas não é só nisso que difiro deles. São mais ricos… Ou melhor, eles são ricos e eu, remediado. Contudo, vivem doentes e eu nem ficar doente posso, por isso não fico. Já eles, têm tido de câncer a problemas cardíacos com suas barrigonas que fazem a minha parecer um “tanquinho” – e, para quem não me conhece, minha barriga está mais para máquina-de-lavar.
Só o que parece levantá-los da lassidão etílica em que mergulham à tarde, é a política. E, mais do que a política, Lula. Ah, como odeiam Lula… Ficam vermelhos como pimentões quando falam nele. E eles sempre falam nele. Possivelmente, todo dia. Se não babassem tanto pelas “netinhas” que passam por ali, acharia que pensam “demais” no ex-presidente.
Por uma razão que não vem ao caso, tive que ir àquele pé-sujo para “senhores de fino trato” há mais ou menos um mês. Os beberrões estavam exultantes. E, quando me viram, parecia que tinham encontrado a presa de uma caçada. Foi uma artilharia. Quase tinha que me desviar dos petardos verbais, das ironias, das bocarras escancaradas recendendo a cerveja.
Estavam animados mesmo, porém, era com o Mais Médicos. Contudo, após meses de preconceito e ignorância de todo tipo que se viu quanto ao tema, pouparei o leitor dos detalhes do que diziam sobre a cor da pele e sobre a nacionalidade dos médicos cubanos. Não foi muito diferente do que saiu tantas vezes na imprensa e nas redes sociais.
Um teve um câncer na garganta. Tratou-se em um hospital grã-fino, claro. Saiu de lá com uma traqueostomia e até hoje ostenta o furo na garganta, enlaçada por uma cinta de material que não imagino qual seja. Todos vivem no médico e em hospital. São muito bem tratados. O preço de seus planos de saúde daria para sustentar famílias inteiras.
Naquela ocasião, “garantiram” tudo o que os médicos brasileiros também “garantiram” sobre por que o Mais Médicos não passaria de “enganação de mensaleiros”. Isso sem falar na felicidade por estarem prestes a se verem “livres dessa raça no ano que vem”.
Argumentos sobre os que precisam do programa? Argumentos sobre como ter médicos por perto, com ou sem estrutura, será sempre mil vezes melhor do que não ter? Bobagem. Tão “preocupados” que estavam com o “bem-estar” daqueles que querem que se danem – pois vivem dizendo isso –, nem se Jesus Cristo baixasse ali e dissesse tais coisas eles dariam bola.
O interessante, quando se conversa com beberrões, é que eles falam tão alto que qualquer um, em um raio de vários metros, escuta cada palavra que dizem como se as estivessem lhe sussurrando na orelha. Muita gente do entorno que ali vai para ganhar o pão em vez de se encachaçar, porém, não tem o dinheiro, os planos de saúde e as panças dos bebuns endinheirados. E ouvia tudo o que diziam.
Vi, não só ali mas em toda parte, ao longo de semanas e semanas, as pessoas humildes – ou seja, a maioria que precisa de médico – enojarem-se com a postura dos médicos e daqueles para os quais esses profissionais querem trabalhar não só porque se matam aos poucos com quantidades pornográficas de comida e com o que bebem, mas pelo que podem pagar.
O triste dessa história é que a maioria esmagadora de pessoas humildes no entorno desses médicos e de seus clientes cretinos costuma até acolher as suas opiniões políticas e, muitas vezes, as repete. Os serviçais chegam a votar em quem os “bem-sucedidos” (?) beberrões indicam. Isso, porém, deverá mudar.
Os que não têm contas bancárias do tamanho das barrigas dos ricaços ficaram espantados com a insensibilidade deles quanto à falta de médicos nas periferias, onde reside quem não tem planos de saúde de mil, dois mil, três mil reais.
Os barrigudos bebuns e todos os que disseram o mesmo que eles sobre um problema que maltrata tanto a população mais pobre, deram-se mal pelo que disseram com rara honestidade. Mas só por não fazerem ideia de que estavam tratando de um problema que os mais pobres conhecem muito melhor do que podiam imaginar – do contrário, não diriam aquelas coisas.
Quem foi que fez coro aos cachaceiros do bar pé-sujo? Ora, o PSDB, por declarações como a de Geraldo Alckmin de que “não faltam médicos”, endossada pelo PSDB e até pelo PSTU, que disse coisa semelhante. E por grande parte da mídia, no começo. É por isso que essa gente toda vai tomar… Um baita prejuízo político, pois quem a ouviu não esquecerá.
Garanto.