A herança dos meus filhos

Crônica

Não sei quanto tempo me resta no mundo físico – entenda-se, pois, que creio em um mundo espiritual –, mas hoje falei por telefone com uma filha sobre a herança que lhe deixarei, apesar de seus protestos contra assunto que, para ela, será sempre inoportuno, mas que, para mim, é sobre uma realidade que já diviso no horizonte.

Na verdade, quem levantou o assunto foi sua mãe, querendo transmitir segurança à filha que está do outro lado do globo terrestre há dois anos e onde deve permanecer por mais três, até concluir seus estudos. Disse que lhe deixaria uma “herança”. Foi quando interferi, dizendo que não esperasse uma herança de bens materiais, mas que tal herança será muito mais valiosa.

Eu e minha mulher não deixaremos dinheiro ou propriedades a nenhum dos quatro filhos. Além disso, a herança já foi transmitida. Uma herança composta de exemplos de coragem, de idealismo, de generosidade, de respeito ao semelhante e aos valores mais elevados do ser humano. Criamos filhos que podemos garantir que serão úteis à sociedade.

Esses filhos jamais contribuirão para engrossar as fileiras do ódio, da intolerância, da desonestidade, da ambição desmedida, da arrogância e muito menos da ignorância. São jovens que acreditam em valores como os dessa moça da foto abaixo, que, apesar da beleza, não aceita que o namorado, a única pessoa mais próxima que tem na Austrália, pague para si um mero jantar no bom restaurante a que irão no próximo fim de semana.

Para fazê-la ver quão valiosa é a herança que recebeu de seus pais ainda na infância e na adolescência, lembrei  frase que ela acabara de dizer, de que se sustenta com o seu trabalho e que, assim, não quer depender jamais de homem nenhum, mesmo que venha a ser o pai dos seus filhos.

Isso depois de discutirmos a ampliação para a Austrália de meu trabalho de representação internacional, valendo-me da fiilha como representante preposta, pois ela me relatava os preparativos que está fazendo para atacar,  em meu nome e no das empresas que represento, o mercado australiano de autopeças.

No mesmo dia, descubro que meu filho, a duras penas, economizou uma soma formidável de seu modesto salário, do qual retira o preço salgado da mensalidade da universidade que cursa, já tendo como garantir o pagamento à vista do total do curso de pós-graduação que fará quando se formar, ano que vem. Essa economia está lhe custando o que jovens de sua idade consideram imprescindível, o lazer.

Já a filha primogênita, casada, recusou, há poucos dias, oferta da sogra para pagar para a minha neta uma escola bem mais cara do que aquela em que estuda. Agradeceu efusivamente, mas deixou claro que a filha será criada dentro das possibilidades de seus pais, de forma a não se acostumar a uma realidade que até pode vir a ser a sua, um dia, mas que ainda não é.

Dirão que criamos filhos orgulhosos. Parentes que estimulam os filhos a agarrarem tudo o que lhes seja oferecido criticam a mim e à minha mulher, pois estaríamos ensinando “burrice” aos nossos filhos, pois, na visão dessas pessoas, seria preciso aproveitar tais “dádivas”. Entre elas, está incluída a de uma moça aceitar que um simples namorado a financie.

Eu e a minha Cristina sempre fomos criticados por esses mesmos parentes por não darmos valor aos bens materiais, sem os quais não teríamos como deixar uma boa herança aos nossos filhos. Discordo. Penso que este texto explica por que a herança dos meus filhos jamais será dissipada, pois eles a terão bem guardada em suas almas até o fim dos seus dias.