Roda histérica
Ao fim da edição desta semana do programa Roda Viva, da TV Cultura, fiquei sem saber quem me provocou o maior sentimento de que joguei fora mais de uma hora da minha vida, se a roda de jornalistas emocionalmente descontrolados ou o entrevistado pelo programa, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, do PT gaúcho, que, à diferença do show que deu José Dirceu no mesmo programa no mês passado, poderia ter se poupado, e ao público, daquela perda de tempo.
Para entrevistar Maia, a tevê estatal tucana escalou jornalistas que continuam em campanha eleitoral, acorrentados ao discurso anti-Lula de José Serra e Fernando Henrique Cardoso. Quem adivinhar do que trataram Augusto Nunes (Veja), Eliane Cantanhêde (Folha de São Paulo), Marília Gabriela (Globo News e TV Cultura), Paulo Moreira Leite (Época) e Delmo Moreira (IstoÉ), ganha um fim de semana inteirinho ao lado dos dois tucanos que fazem a cabeça desse grupelho pseudojornalístico.
Se você disser que, basicamente, se limitaram a abordar o “mensalão” e as picuinhas com o Irã, acertará em cheio. Por incrível que pareça.
No início do programa, a “mediadora”, Marília Gabriela, anunciou que o presidente da Câmara estava lá “para falar de política, de seus planos, dos compromissos assumidos, de corporativismo e de governabilidade”. Não foi o que se viu. Maia foi levado até lá apenas para servir de saco de pancadas, para ouvir insultos ao governo Lula e a si mesmo e para atuar como coadjuvante das cenas de verdadeira histeria de Nunes, Cantanhêde e Gabriela, que disputavam entre si o troféu descontrole emocional.
Alguns que possam ter assistido ao programa ou que clicarem neste link e tiverem paciência de assisti-lo dirão que Maia se comportou da única forma que lhe cabia diante de cinco entrevistadores que nada mais faziam além de insultar o partido do entrevistado, ele próprio e, sobretudo, o ex-presidente Lula, e que, quando lhe era concedida a palavra, era impedido de falar, aos berros, pelo grupo de “entrevistadores”.
O presidente da Câmara passou os quatro blocos do programa fugindo do confronto, até que, a certa altura, refugiou-se em um mantra de que os jornalistas deveriam olhar também para o “lado positivo” do que acontece no Brasil, recitando os exemplos de tudo que melhorou. Como a cada vez que respondia assim os entrevistadores ficavam mais belicosos, o mantra foi se tornando robotizado, o que deve ter produzido no telespectador a sensação de estar assistindo a um teatro do absurdo.
Aliás, Cantanhêde e Gabriela, a certa altura, pensei que sofreriam uma síncope em meio a uma teatralização patética em suas intervenções, gesticulando muito, modulando o tom de voz de uma forma que chegava ao ponto de fazê-las quase berrar com os olhos postos no nada e os membros superiores se agitando descontroladamente.
Descreviam Lula como defensor de corruptos e de ditadores e inimigo dos direitos humanos, repisando o mesmo discurso sobre Delúbio Soares, Silvio Pereira, Land Rover, dólar na cueca etc., etc., etc. Por alguns momentos, voltei a 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, tempo durante o qual esses assuntos estiveram todo santo dia nos veículos dos patrões daquela bancada de paus-mandados.
O único momento um pouco melhor de Maia, quando saiu um pouco do mantra sobre a mídia dever também mostrar o lado positivo do Brasil, foi quando começaram a questionar que ele ocupasse a residência oficial do presidente de uma das Casas do Congresso e ele explicou que, na verdade, precisava de uma residência adequada a receber até chefes de Estado em jantares ou reuniões, e que a Casa que passa a ocupar se pareceria mais com uma “repartição pública”.
O absurdo programa nada teve de jornalismo. Mais pareceu uma exibição de telecatch (luta livre quase sem regras), não passando de um bate-boca, ou melhor, de espancamento de um membro de uma facção por um grupo de outra.
Duvido que alguém saiba dizer o que foi que conseguiu extrair de novo ou de relevante daquele programa. Mesmo os que odeiam Lula – o alvo primordial de tudo – apenas ouviram, pela putilionézima vez, os mesmos ataques ao ex-presidente repetidos à exaustão nos últimos seis anos, ao menos.
Para coroar aquela atração patética, o golpe de misericórdia foi a fala final a que cada integrante daquela roda histérica teve direito para, pela última vez, insultar um entrevistado que não conseguiu completar duas frases sem ser interrompido durante um programa que parecia que não acabaria nunca.
Reproduzirei apenas a fala final de Eliane Cantanhêde, que, numa cartada desesperada, tentou o insulto pessoal visando que Maia perdesse o controle, o que não fez claramente por medo, pois é óbvio que, se tivesse reagido, a mídia empreenderia uma campanha para derrubá-lo da presidência da Câmara, logo arrumando algum escândalo para si. Então, dispôs-se a aturar isso que vai a seguir, um ataque pequeno, condizente com alguém que nada tinha a dizer e disse assim mesmo.
— Fiquei surpresa porque, como o senhor não é um deputado de primeiro time – passou a ser agora, porque o senhor era um deputado de segundo time, desculpa dizer isso –, saiu muito bem (sic) no programa e foi muito esperto ao defender, principalmente, o governo Lula. Mas não foi muito esperto ao defender a instituição Câmara.