Palocci, Strauss-Kahn e a presunção da culpa
O domingo amanheceu com uma notícia surpreendente garimpada pelo blogueiro Mello em um site noticioso português: o ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) Dominique Strauss-Kahn, o DSK, dera entrevista, meses antes de ser acusado de estupro, dizendo temer que sua fama de mulherengo estimulasse algum adversário político a armar um flagrante de estupro contra si.
No dia em que estourou o escândalo sexual em que se meteu o então chefe do famigerado FMI, de triste memória para os brasileiros, publiquei post em que, apesar de relevar a injusta dificuldade que as mulheres vítimas de estupro têm para conseguir justiça contra os agressores, estranhava o caso.
Como um homem com tanto a perder, como DSK, cometeria um desatino de tal monta, ao tentar estuprar uma camareira de hotel que facilmente poderia denunciá-lo ao terminar o ato de agressão?
Não tardou para que chovessem agressões nos comentários do post. A maioria tive que bloquear porque não apenas me faziam acusações injustas como, também, agrediam até a minha família. Publiquei só as discordâncias respeitosas. E, no Twitter, perdi pelo menos uma dezena de seguidores que, ao lerem que eu não condenava o diretor do FMI in limine, julgaram-me quase um seu cúmplice.
Não é demais, ainda que os mais renitentes venham a discordar, dizer que a mesma situação se aplica ao ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Não que, contra ele, pesem indícios tão fortes quanto os que pesaram contra DSK. Muito pelo contrário. O “furo” que a Folha de São Paulo diz que deu ao noticiar o crescimento patrimonial dele foi obtido sabem onde? Em suas declarações de imposto de renda.
Pois é…
Enfim, o que se nota é que, cada vez mais, os brasileiros vão perdendo a noção de um dos princípios mais edificantes da humanidade, oriundo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, formulada em 1791, na França, no âmbito da Revolução Francesa: o princípio de presunção da inocência, que preconiza que todo homem seja considerado inocente até a decisão de um julgamento justo, que contemple amplo direito de defesa e recursos.
A indústria jornalística, em seu afã de produzir espetáculo ou de demonstrar poder ou de destruir adversários político-ideológicos ou de tudo isso junto, vem liderando, desde sempre, a relativização da presunção da inocência. Que o digam os donos da Escola Base.
Aliás, o próprio Palocci vive um processo mais incrível do que o de relativização do preceito constitucional brasileiro (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal) de presunção da inocência. Contra ele, pratica-se a afirmação da culpa à revelia de ter sido inocentado pela Justiça da acusação de ter violado o sigilo do “pobre caseiro” que recebeu quase 40 mil reais “do pai” uma semana após se reunir com o DEM e pouco antes de denunciar o mesmo Palocci.
O caso Palocci é tão incrível que ontem (sábado) coloquei uma pergunta simples no Twitter e no Facebook que mais de cem pessoas que tentaram responder, não conseguiram: “Qual é a acusação contra Palocci?”.
Pois é, simples assim: ninguém conseguiu responder qual é a acusação que se faz a alguém que já pedem para ser demitido do cargo. Simplesmente não há acusação, há só suspeita com base em informações que ele mesmo forneceu em sua declaração de imposto de renda. Suspeitam de que o crescimento de seu patrimônio não seja legal por ter ocorrido logo depois de ocupar o cargo de ministro da Fazenda, que, como todos sabem, enriquece a todos que o exercem.
E por que o cargo de ministro da Fazenda enriquece? Porque quem o exerce tem acesso a informações valiosíssimas sobretudo sobre o mercado futuro, sobre tendências de câmbio, inflação etc. E como a lei só impõe 120 dias de “quarentena” para membros da equipe econômica dos governos, eles podem, após míseros quatro meses, usar as informações que amealharam nos cargos.
É errado, mas como é que se vai condenar só Palocci pelo que todos os outros que ocuparam o mesmo cargo também fizeram? Um dos muitos seguidores no Twitter que pensam o oposto do que pensam os que querem condenar Palocci (sem dizer sob que acusação), sentenciou: “Você obterá mais de 40 milhões de mensagens e nenhuma resposta”. Outro propôs: “Palocci é culpado porque é gordo, feio e bobo”.
O que preocupa, pois, não é Palocci, mas o princípio constitucional de presunção da inocência. Sobretudo quando a realidade é falseada para condizer com a acusação.
Vejam, por exemplo, a notícia que a mídia espalhou de que o procurador-geral da República, doutor Roberto Gurgel, teria intimado Palocci a dar explicações. Dito assim, é uma grosseira mentira. O que o PGR fez foi seguir o rito processual decorrente de duas representações que a oposição protocolou no Ministério Público Federal contra o chefe da Casa Civil.
Pouco antes, vale ressaltar, Gurgel já havia declarado que não havia nada que incriminasse Palocci e que não fora oferecido nenhum indício relevante para abrir inquérito contra ele. Isso significa que a Procuradoria não iria propor nenhuma ação contra o principal ministro do governo Dilma Rousseff. Contudo, o noticiário induz à crença de que foi isso o que ocorreu.
Não é por outra razão que, no Brasil, está quase que vigendo a presunção da culpa, ou seja, o que mais se vê e ouve é que Palocci tem que provar que não fez nada de errado, mesmo que ninguém saiba exatamente o que seria. Afinal, assim como no caso Dominique Strauss-Kahn, parece que o ministro brasileiro é culpado e, assim, há que puni-lo antes (com perda do cargo) para só depois provarem-lhe a culpa, quando (ou se) acharem alguma prova.
Sabem o que me move? Se um ministro de Estado está sujeito a ser acusado e condenado sem provas ou meros indícios que não tenham sido oferecidos por ele mesmo, você, antipetista, ou você, simpatizante do governo que está cedendo à gritaria, estão agindo contra um dos principais princípios da civilização, consagrado há mais de duzentos anos, de que todo cidadão é inocente até prova em contrário.
Cuidado. Ninguém está livre de ser acusado injustamente. Só então entenderá quão valiosa é a presunção da inocência e por que todos devemos ser seus guardiões.