A “intolerância” da Senzala
Ontem foi um daqueles dias em que é requerida ao extremo dos extremos a experiência que ganhei nesses anos todos como blogueiro. Nesse período, aprendi a conviver com chuvas de elogios e de insultos simultâneos, sabedor de que amor e ódio fazem parte do pacote que se compra ao criar um fórum de discussões políticas como este.
Aliás, a experiência deste blogueiro no trato com centenas e até milhares de comentaristas de seus textos vem de longe, mais precisamente do fim do século XX, no início dos anos 1990, quando passei a escrever cartas para jornais, mais especificamente ainda para o jornal O Estado de São Paulo.
Desde aquela época, há quase vinte anos, aprendi que, na política – ou meramente no debate sobre ela –, para cada elogio há um insulto. Então, ainda enviava cartas por fax para o jornal. Como já tinha as opiniões que tenho hoje, em vez de os descontentes virem me “trollar” na internet ligavam para minha casa – e não, não havia identificador de chamadas naquele tempo.
Criticava a direita ou defendia idéias de esquerda em minhas cartas ao Estadão e, ao serem publicadas, leitores que divergiam procuravam meu nome na lista telefônica e ligavam para a minha casa fazendo até ameaças de morte. Acredite quem quiser.
Em 1992, aliás, ocorreu um fato do qual jamais esquecerei. A minha filha do meio, então com seis anos, ficou vários minutos ouvindo palavrões ao telefone, pois minha mulher não a viu atender à ligação de um desses dementes que, ao perceber que uma criança atendera, decidiu desforrar nela a raiva que meu texto lhe causara.
A menina chorou um tempão, assustada. E minha mulher, indignada, exigiu que eu parasse com aquela “idiotice” de escrever naquele “jornal de doentes mentais”. Como se sabe hoje, não consegui atendê-la.
Era um tempo novo para o Brasil. A direita ainda não estava acostumada a que “comunistas” se expressassem livremente como hoje. Naquele tempo, os donos da comunicação – os barões da mídia e os que pensavam como eles – escandalizavam-se com opiniões divergentes, após os longos anos da ditadura em que só eles podiam se manifestar na mídia ou em qualquer parte.
Sabemos que não é fácil entabular diálogo com a reação brasileira – aliás, com a de qualquer parte –, de sorte que não é raro que aquela relação político-ideológica de Casa Grande e Senzala se manifeste ainda hoje, com reacionários escandalizados ao verem “comunistas” dizerem o que pensam como se tivessem o direito à mesma liberdade de expressão.
A mera leitura da caixa de comentários deste blog dá uma idéia de como, a cada dia, a corrente de centro-esquerda que apóia o projeto de país em vigência ainda tem que se afirmar em uma sociedade em que alguns pensam ser mais iguais do que outros até no debate político. Isso sem falar nos maníacos que encasquetam com a gente e não nos largam mais do pé.
Esquerda e direita, no Brasil, emulam o conceito de Casa Grande e Senzala político-ideológicas, pois a direita, que oprimiu pela força a esquerda ontem, ainda hoje acredita que pode engrossar a voz e cerrar os punhos com quem pensa diferente. E a esquerda, que ainda traz no corpo as cicatrizes do reinado de terror destro, pode passar do ponto ao reagir.
Nesse aspecto, dois textos que publico a seguir merecem reflexão. Apesar de, a meu ver, ambos conterem certa dose de injustiça, contêm algo de verdade. Nessa luta renhida contra o tacão desses setores da sociedade que a dominaram como quiseram por tanto tempo – calando, prendendo, torturando e matando –, pode-se cometer excessos, sim.
Leiam, a seguir, comentário que o eminente filósofo professor Renato Janine Ribeiro postou ontem neste blog, no post em que reporto a “marcha contra a corrupção” que aconteceu em São Paulo quarta-feira. Em seguida, reproduzo post do blog de Luis Nassif em que um seu leitor acusa este blogueiro e outros de “intolerância”. Após os textos, um comentário final.
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Caro Eduardo,
parabéns pelo trabalho de campo. Mas acho que não podemos deixar uma importante causa, a da luta contra a corrupção, em mãos da direita. É praticamente tudo o que lhe restou (veja a declaração praticamente vazia de Aécio, domingo, no Estadão: nenhuma ideia!).
Se a direita tivesse uma proposta para o Brasil, não precisava difamar. Agora, há muita gente boa, decente, que viu no PT – até 2003 – uma esperança para o Brasil e se decepcionou com uma certa leniência do presidente Lula com os corruptos.
Sei que ninguém governa o Brasil sem se aliar com o joio. Sei que os mesmos nomes se aliaram a Collor, FHC e Lula. Portanto, não é uma culpa só do PT nem de Lula. Mas, se não fizermos uma luta clara contra a corrupção, entraremos na mesma Realpolitik que o PT jovem, ingênuo, puro, puritano (chame-se como se quiser), rejeitava.
Creio que recuperar essas qualidades, agora com o amadurecimento que o tempo no poder permite, é importante. Isso se chama lutar no campo do adversário. Recusar-se a deixar-lhe bandeiras, como a da luta contra a corrupção, que não podem ser só deles.
Um abraço,
Renato Janine Ribeiro
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Do blog de Luis Nassif
A Intolerância na Blogosfera
Por Adjutor Alvim
Os veículos de comunicação, também incluídos os blogs independentes, tem feito críticas às passeatas contra a corrupção. Neste momento, não quero entrar no mérito das passeadas em si, mas gostaria de analisar alguns outros aspectos dessas críticas.
Um dos aspectos é a intolerância que também está tomando força nos blogs de esquerda. Isto seria de se esperar nos blogs do Azenha, PH Amorim, Edu Guimarães que se proclamam de esquerda e, mesmo que involuntariamente, incentivam os comentaristas a se sentirem participantes de um time que vê quem não pensa igual como adversário.
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Qual é o problema deste clima de Fla-Flu? Primeiro, torna-se impossível discutir em torno de idéias quando os argumentos governistas e a visão de esquerda tornam-se dogmas que não devem ser questionados, mas simplesmente apoiados. Não há troca de conhecimento, mas simplesmente discussões estéreis que não alteram o pensar de quem participa. Para que discutir se eu não estou disposto a mudar meu pensamento? Qual o sentido de discutir se martelarei minhas idéias sem abrir espaço para, quem sabe, uma troca de paradigma
Segundo, cai-se no erro que a oposição tem cometido desde 2002 e pode render ao PT mais alguns mandatos no governo federal. Passa-se a ignorar o ponto de vista do outro lado e, principalmente, desconsidera-se o contexto que leva determinados grupos sociais a apoiarem uma causa ou corrente de pensamento. Cega-se aos méritos das propostas e realizações concretas do outro lado.
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Acho que este é o erro em que os governistas do executivo, dos partidos da base ou simplesmente simpatizantes não podem incorrer. Esses agentes devem entender que sim, a corrupção no Brasil é um problema sério, lutar para entender suas causas e propor ações concretas para sua diminuição. Não podem menosprezar as manifestações contra a corrupção por que elas significam um extravasar de sentimentos de segmentos da sociedade.
Neste momento, este sentimento pode estar sendo ofuscado pelo progresso econômico e deixado de lado pelo eleitorado, mas quando houver uma retração econômica, esta bandeira pode tornar-se diferencial eleitoral e os governistas podem a ter deixado bem plantada no campo da oposição
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Se o professor Renato e o comentarista Adjutor tivessem visto o que vi, o discurso virulento daquelas pessoas que se manifestaram na quarta-feira pelas ruas de São Paulo, saberiam que se a esquerda tivesse ido lá protestar contra o escândalo das emendas parlamentares na Assembléia Legislativa de São Paulo, por exemplo, poderia haver até violência.
São atos políticos. Vejam que em um momento em que eclode um escândalo envolvendo o PSDB e o governo de São Paulo que pode facilmente ser equiparado ao escândalo do mensalão, em vez de os marchadores “contra a corrupção” irem para diante da Assembléia Legislativa paulista optaram por ir para diante do Teatro Municipal…
Que diálogo pode haver com essa gente?
Claro que, no meio de tudo isso, há, sim, bem-intencionados que estão sendo usados. Na quarta-feira, quando estive na tal “marcha contra a corrupção”, conversei com gente que está absolutamente convencida de que só há corrupção de um lado. Não são como os criadores dessa farsa, que sabem muito bem que selecionam só a corrupção dos adversários.
Todavia, não há forma de diálogo possível. A sincronia entre a oposição demo-tucana, os meios de comunicação e os marchadores contra a corrupção mostra que não darão essa colher de chá para que a esquerda divida consigo a bandeira do combate à corrupção. Essas marchas têm um objetivo, como os próprios autores dos textos supra reproduzidos reconhecem.
No entanto, devo reconhecer que o nível dos debates está muito ruim. Estamos nos deixando levar. É fácil xingar na internet e penso que os dois lados estão perdendo o controle. De minha parte, portanto, tentarei levar o debate para um campo mais produtivo e ignorando provocações, pois estas visam desmoralizar quem cai nelas.