Leia entrevista com o advogado dos flagelados do Pinheirinho
De domingo (22.01.2012) passado para cá, temos visto a grande imprensa se dedicar a desmentir denúncias que vêm sendo feitas por moradores do bairro do Pinheirinho que foram expulsos de dentro de suas casas por bombas de gás, balas de borracha e, segundo inúmeros relatos, através do uso de violência física.
Desde então, boa parte dos principais jornais, revistas, televisões, rádios e páginas na internet têm se dedicado a criminalizar partidos políticos, movimentos sociais e, sobretudo, os moradores da área invadida que agora, de forma inédita, estão tendo uma mídia para questionar os procedimentos da Polícia Militar.
O fato concreto que se pode extrair desse processo de defesa que meios de comunicação vêm fazendo dos governos tucanos do Estado de São Paulo e de São José dos Campos sugere que estão todos assustados com a repercussão que o caso vem tomando.
O que se vê, repito, é uma situação inédita. Talvez pela primeira vez uma ação repressora como a que se viu no Pinheirinho está sendo discutida em grande profundidade na mídia e, mais do que isso, na internet.
Nesse processo, cabe às redes sociais e à blogosfera repercutirem tudo que for denunciado, mesmo que seja uma repercussão em tom condicional, pois denúncias que não se confirmem causarão muito menos prejuízos que a costumeira supressão da versão dos mais fracos.
Após o Pinheirinho, esse tipo de ação de desocupação de áreas via mandatos de reintegração de posse terá que ocorrer de forma diversa. Os questionamentos surgidos exclusivamente na internet estão impondo um custo político ao Estado por tentar calar os mais pobres e indefesos vitimados por suas ações em defesa dos mais ricos.
O ataque ao Pinheirinho foi uma tragédia, mas desse limão a sociedade brasileira saberá fazer uma limonada, ou seja, criará uma jurisprudência política contra ações desumanas do Estado, o que poderá impedir que novos pinheirinhos continuem acontecendo no Brasil.
A entrevista que o doutor Aristeu Cesar Pinto Neto, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB e advogado dos flagelados do Pinheirinho concedeu ao Blog da Cidadania é mais um passo nessa importante nova realidade que pretende dar voz a quem nunca teve. Leia abaixo, pois, a íntegra da entrevista.
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Blog da Cidadania – Na quinta-feira, o portal Terra anunciou que ONGs haviam divulgado relação de 5 pessoas desaparecidas. Um blog da revista Veja afirma que dessas pessoas, ao menos 3 apareceram. O senhor confirma essa informação?
Aristeu Cesar Pinto Neto – A divulgação desses nomes tem por objetivo localizar essas pessoas. O Movimento e as organizações de direitos humanos aguardam confirmações de parentes sobre a localização dos desaparecidos e informações de um blog ainda são insuficientes para esclarecer o que ocorreu.
Blog da Cidadania – Há um boato de que os senhores teriam outros nomes de desaparecidos, além dos já divulgados. O senhor confirma essa informação?
Aristeu Cesar Pinto Neto – Uma população de milhares de pessoas foi obrigada ao êxodo por uma tragédia desejada, arquitetada e executada pelo Governo Estadual, pelo Tribunal de Justiça, e pela Polícia Militar, em uma operação de guerra contra cidadãos indefesos. Não foi possível estabelecer comunicação com toda essa população, que está amontoada em depósitos em condições subumanas. Os relatos de problemas serão tornados públicos, sempre no interesse de defesa dos direitos humanos.
Blog da Cidadania – Há denúncias de que o IML de São José dos Campos ainda não teria divulgado a lista que os senhores teriam pedido de entrada de cadáveres desde o dia da desocupação do Pinheirinho até hoje. O senhor confirma essa informação?
Aristeu Cesar Pinto Neto – Houve uma solicitação nesse sentido por parte da Ouvidoria da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Não tenho registro acerca da entrega da informação.
Blog da Cidadania – Até o momento não há divulgação de quantos feridos houve durante a desocupação do Pinheirinho e quais os níveis de gravidade dos ferimentos. O senhor tem alguma informação sobre isso?
Aristeu Cesar Pinto Neto – Peritos estão visitando os depósitos que a Prefeitura teima em denominar “abrigos”. Além dos laudos que estão sendo produzidos, há um grande número de vídeos provando a existência de violências policiais, tanto por parte da polícia militar como pela guarda civil municipal.
Blog da Cidadania – Haverá uma audiência na Câmara Municipal de São José dos Campos sobre os fatos no Pinheirinho. Em declarações recentes o senhor afirmou que se os desaparecidos não aparecessem, por assim dizer, as autoridades seriam responsabilizadas. Isso se mantém?
Aristeu Cesar Pinto Neto – As autoridades serão responsabilizadas por tudo o que ocorreu até agora. Houve uma desocupação violenta, contrária a tudo que está estabelecido no Protocolo Habitat, no âmbito da ONU, em tratado ratificado pelo país. Os moradores que estavam naquela área desde oito anos atrás tinham recebido promessas das três esferas de governo sobre a possibilidade de regularização. O Ministério das Cidades enviou técnicos, o próprio Secretário de Habitação do Estado de São Paulo, Sílvio Torres, esteve no bairro. Também o prefeito Eduardo Cury visitou o Pinheirinho e determinou o cadastramento das famílias. O Tribunal de Justiça havia chancelado a suspensão da ordem de reintegração, como consequência da suspensão do processo de falência, em reunião da qual participaram parlamentares do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa. Tudo isso vai gerar, sem sombra de dúvida, responsabilidades ao governantes.
Blog da Cidadania – Se não houver desaparecidos, haverá ainda pedido de responsabilização de autoridades pelos feridos e pelos diversos dramas causados por conta da forma como se deu a desocupação do Pinheirinho?
Aristeu Cesar Pinto Neto – A Defensoria Pública do Estado de São Paulo já ajuizou ação civil pública com esse objetivo. Outras ações ainda poderão ser ajuizadas, afinal o rescaldo dessa tragédia planejada pelo governo estadual ainda não terminou.
Blog da Cidadania – Um blog da revista Veja está pedindo que os movimentos sociais e até mesmo o senhor sejam responsabilizados por “difamação” da Polícia Militar e do governo do Estado de São Paulo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Aristeu Cesar Pinto Neto – Eu estive no campo de guerra montado pelo governo estadual e pela polícia militar durante dois dias. Vi a violência com meus próprios olhos, sou testemunha do massacre. É a conduta dos próprios governantes que faz a fama do governo e da sua polícia. Isso é internacionalmente conhecido e beira a infâmia qualquer tentativa de intimidação.
Blog da Cidadania – Como o senhor avalia, neste momento, a situação das famílias desabrigadas? Que providências as autoridades estaduais e municipais estão tomando diante das cenas dramáticas que têm sido vistas?
Aristeu Cesar Pinto Neto – Acabo de sair de um dos depósitos, junto com representantes da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e da Defensoria Pública. A situação é de barbárie, com completo abandono daquelas pessoas, amontoadas em condições sub-humanas, como já disse. Aguardamos os laudos da SNDH para pedir providências imediatas por parte do Governo Federal, que deve agir e não apenas lamentar. Os governos estadual e municipal agem como se a ordem de reintegração fosse “desintegrar” essas pessoas. É um drama de grandes proporções, algo que se imaginava impossível em pleno século 21.
Blog da Cidadania – Há notícias de que os flagelados pretendem pedir desapropriação do terreno do Pinheirinho para que para lá possam retornar. O senhor confirma essa informação?
Aristeu Cesar Pinto Neto – A desapropriação da área seria uma forma de resgatar os milhões devidos aos cofres públicos pela empresa que reivindica a posse, a Selecta, pertencente a Naji Nahas. Mas a desapropriação, sempre adiada, hoje é insuficiente para resolver o problema, pois as casas foram demolidas. Seria preciso, além da desapropriação, uma indenização para as famílias, que não podem seguir amontoadas nos depósitos. É um flagelo social às barbas das autoridades.
Blog da Cidadania – Essas famílias sofreram danos materiais, morais e físicos por conta da ação da PM. Que ações estão sendo tomadas para ressarci-las juridicamente?
Aristeu Cesar Pinto Neto – Como já informei, existe ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública. Um habeas corpus coletivo também foi impetrado, para permitir o livre trânsito da comunidade do Pinheirinho. Hoje eles estão marcados com pulseiras e sofrem represálias quando saem dos depósitos. São alvos de uma discriminação que foi destilada pela prefeitura municipal durante os oito anos de resistência.
Blog da Cidadania – Jornalistas da grande imprensa vêm fazendo acusações de que o senhor e outras lideranças de movimentos sociais e partidos teriam objetivos político-eleitorais. Como o senhor responde a tais críticas.
Aristeu Cesar Pinto Neto – A cobertura da grande imprensa somente abriu os olhos depois da repercussão do massacre pelas redes sociais, replicado pelos maiores jornais do mundo. O The Guardian criticou a grande imprensa brasileira pela subserviência a certos interesses, comprometendo a idoneidade da notícia. Os movimentos sociais lutam por transformação social. Eu acredito na necessidade dessa transformação.
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Veja, também, reportagem da Record News sobre o caso