Ministro Padilha responde ao blog sobre a polêmica MP 557
Antes de mais nada, devo agradecer ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pela atenção que deu a pedido de entrevista que lhe fiz e, sobretudo, pelo espírito democrático que demonstra ao dar respostas aos questionamentos que este blog tem feito à Medida Provisória 557. A convivência serena com as críticas é a melhor qualidade em um homem público.
Na última segunda-feira, o ministro me enviou mensagem direta pelo Twitter referente ao post “Reação às críticas à MP 557”. De tal mensagem decorreu a entrevista que você lerá a seguir.
Aproveitando o gancho da mensagem do ministro, pedi uma entrevista e ele aceitou prontamente. Concentrei-me nos pontos polêmicos dessa retumbante medida provisória. Em sete questões, creio que foi possível sintetizar as queixas e os temores que a medida gerou entre os diversos setores da sociedade que manifestaram preocupação.
O resultado da entrevista você confere abaixo:
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Blog da Cidadania – O senhor avalia que há exagero nas críticas que a MP 557 tem recebido, apesar de estarem sendo feitas por movimentos de mulheres, juristas e especialistas em saúde reprodutiva? Será que pessoas que conhecem tão bem questões como essa não sabem o que dizem?
Alexandre Padilha – Respeito profundamente as pessoas, especialistas e os movimentos que fizeram essas críticas. Entendo suas preocupações, mas a MP e sua regulamentação não criam e nem criarão as situações pelas quais a Medida está sendo criticada. O que há de novo na MP, motivo pelo qual teve de ser promulgada pela força da lei e não por apenas mais uma Portaria do Ministério da Saúde, são as seguintes:
a) A MP obriga a todos os serviços de saúde – públicos ou privados e que atendam a gestantes – a terem comissões presididas pelo diretor técnico responsável por esse serviço e a registrarem no já existente SISPrenatal (cadastro) o atendimento a gestantes de alto risco (conceito de gestação que pode ter complicações para a gestante, para o parto ou para a criança) e o plano de cuidado a essa gestante. Com essa obrigação, estamos estabelecendo que cuidar da vida dessas mulheres deve ser uma preocupação do mais alto nível hierárquico dos serviços de saúde. Com a informação registrada, os gestores municipais, estaduais e o Ministério da Saúde poderão tomar medidas que evitem complicações no parto ou mesmo a morte dessa gestante. Os comitês de mortalidade materna agem na investigação após a morte ocorrida. Essas comissões contribuirão para agirmos e evitarmos a morte de milhares de mulheres. Essa obrigação só poderia ser estabelecida em lei.
b) Garante o direito da gestante a ter acompanhante durante o pré-parto, parto e puerpério. Esse direito já era estabelecido em lei, mas a redação anterior suscitava questionamentos por parte dos serviços públicos e privados.
c) A lei, que é mais forte que uma Portaria, obriga serviços públicos e privados a colaborarem nas informações para os comitês de investigação de mortalidade materna, fundamentais para o desenvolvimento de políticas de redução da mortalidade materna.
d) Inspirado em experiências bem sucedidas de alguns municípios de incentivo ao pré-natal, cria um auxílio-deslocamento para a realização das consultas vinculado à adesão voluntária da gestante e do município ao programa Rede Cegonha. As experiências de auxílio ao transporte contribuíram para adesão das gestantes a um pré-natal completo, diminuindo o risco de mortalidade materna.
Essas quatro mudanças motivaram a necessidade de um instrumento com força de lei (MP). Elas se somam a outras ações do Ministério da Saúde na busca de um parto humanizado e seguro, que vem desde o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal no governo Lula, e que, inicialmente, acompanhei como profissional de saúde e, depois, como membro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI/PR).
Optamos pela Medida Provisória porque ela permite que as regulamentações e mecanismos para adoção dessas novas ações aconteçam já a partir da sua edição. Poderia citar o exemplo de várias leis que nunca foram aprovadas e que atrasariam essas medidas. As taxas brasileiras inaceitáveis de mortalidade materna e o desrespeito ao direito da gestante de ter um acompanhante não podem esperar uma tramitação prolongada, no esforço de atingirmos o Objetivo do Milênio 2015.
Blog da Cidadania – A MP diz que as gestantes que receberem o auxílio-transporte de R$ 50 terão seus nomes divulgados publicamente. O senhor diz que é necessário divulgá-los porque elas estarão recebendo dinheiro público. Essa divulgação será feita através do Portal da Transparência?
Alexandre Padilha – É importante separar as duas coisas. Uma é o SISPrenatal (cadastro,) em que estarão registrados dados de gestantes que fazem o pré-natal no SUS e os dados de gestantes de alto risco informados pelas comissões de todos os serviços de saúde, sejam públicos ou privados. No SISPrenatal, assim como os outros sistemas do SUS que já existem, ninguém acessa as informações para constranger as pessoas.
Por exemplo: as informações das mulheres, que foram submetidas a 200 mil curetagens por ano no SUS estão em sistemas como esse (SIH) e nem por isso essas mulheres são perseguidas.
Outra coisa é a transparência que a MP estabelece em relação a quem aderiu ao benefício de auxílio-deslocamento. Esses dados, assim como outros dados do Ministério da Saúde, estarão no Portal da Transparência por se tratarem de recursos públicos, mas não irão expor essas gestantes.
Blog da Cidadania – Se houver divulgação no Portal da Transparência dos nomes das gestantes que receberem o auxílio-transporte, essa divulgação ocorrerá assim que for liberada a primeira parcela de R$ 25, no início da gravidez, ou após o pagamento da segunda parcela, ao fim da gravidez?
Alexandre Padilha – Na regulamentação que cabe ao Ministério da Saúde não haverá divulgação do nome das gestantes, assim como acontece com alguns benefícios específicos. E o dado será divulgado uma vez por ano, em um prazo que será sempre após o parto e sem ferir a privacidade da gestante.
Blog da Cidadania – Se for o caso, por quanto tempo o nome das gestantes permanecerá constando no Portal da Transparência?
Alexandre Padilha – Não será divulgado o nome e nenhum dado que tire a privacidade das gestantes.
Blog da Cidadania – Se a mulher engravidou e seu filho não nasceu, ou ela perdeu a criança naturalmente ou fez aborto. As igrejas que combatem o aborto ou as empresas que não contratam mulheres com filhos (oficiosamente, claro) não podem começar a vasculhar o cadastro público e depois constrangerem quem figura nele?
Alexandre Padilha – Não serão divulgados os nomes das beneficiárias, assim como em outros benefícios específicos.
Blog da Cidadania – A MP 557, no artigo 19J, cita o nascituro, uma figura jurídica que não existe na Constituição. Os opositores da MP dizem que, ao reconhecer a figura jurídica do nascituro, ela criminaliza ainda mais a mulher que aborta e a expõe ainda mais às penas da lei. O senhor concorda?
Alexandre Padilha – Essa preocupação vem de um debate que existe no Congresso Nacional sobre o Projeto de Lei do Estatuto do Nascituro. O texto da MP não estabelece nenhuma das medidas propostas nesse Projeto de Lei e nem muda a figura jurídica desse termo presente no Código Civil. A MP e suas ações não entram no debate deste PL.
Blog da Cidadania – A lei brasileira criminaliza o aborto. A proibição apenas impede que mulheres carentes tenham acesso a abortos seguros – as que têm condições vão a clínicas especializadas, que funcionam ao arrepio da lei, e as pobres vão a “açougueiros”. Por conta disso, mulheres morrem ou sofrem sequelas graves. O que o Estado pode fazer para salvar vidas e tornar a lei menos hipócrita?
Alexandre Padilha – O Estado, por meio do SUS, tem o dever de acolher e buscar salvar a vida de qualquer mulher que tenha qualquer tipo de intercorrência durante sua gravidez, sem qualquer julgamento ético ou moral sobre esta mulher. Sempre defendi isso. E sempre reafirmei essa posição em qualquer entrevista ou fórum de debates antes ou depois de ser ministro da Saúde.
Precisamos avançar muito mais na estruturação de uma rede de saúde para assegurar esse direito das mulheres e reduzir o acesso desigual à saúde. Falo não só pela assistência ao parto humanizado, mas pelas outras ações lançadas por este Ministério da Saúde que buscam avanços importantes estabelecidos na Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher.
Tivemos várias iniciativas lançadas nos doze meses da minha gestão para avançar nesta política: o estabelecimento da notificação compulsória pelos serviços de saúde de atos de violência contra a mulher (fevereiro/2011); o foco na mulher jovem na última campanha de carnaval, reforçando a autonomia da mulher na exigência da camisinha (março/2011); o programa nacional de combate aos cânceres que mais matam mulheres no Brasil (março/2011); a criação da Rede Cegonha (março/2011); a saúde da trabalhadora rural, na Marcha das Margaridas; e indicadores de saúde integral da mulher nos incentivos de qualidade da atenção básica.
O debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher e sobre o aborto continuará no Brasil. Torço para que seja um debate, de lado a lado, menos agressivo, mais tolerante e mais respeitoso. Mas essa MP não entra nesse debate, nem em outros temas que afetam a mortalidade materna. E este governo já afirmou que não terá nenhum Projeto de Lei, de iniciativa do Executivo, que mude as regras atuais do aborto no Brasil.
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Comentário:
Antes de me enviar respostas, o ministro me telefonou e conversamos bastante. Fiquei satisfeito ao saber de sua aprovação ao tratamento que venho dando ao assunto. E a impressão que me deixou foi a de que é sincero em suas colocações, apesar de isso não significar concordância com tudo o que respondeu.
Conforme disse ao ministro em nossa conversa telefônica na noite de ontem, cumpre-me elencar aqui, sempre de forma serena e respeitosa, as dúvidas ou discordâncias que possa ter na ânsia de obter maiores esclarecimentos, de forma que o leitor desta página sinta-se perfeitamente esclarecido quanto ao assunto.
Sobre a primeira questão, restou-me a dúvida sobre se o ministro considera ou não que ocorreram exageros, ainda que essa seja uma questão lateral.
Sobre a segunda, a quarta e a quinta questões (se haverá divulgação no Portal da Transparência dos nomes das gestantes que aderirem ao auxílio-transporte, por quanto tempo e se essa divulgação não irá gerar constrangimentos), não consegui entender de que forma serão relacionadas as gestantes às quais serão pagos os benefícios sem que seus nomes sejam citados. Será usado algum código ou o quê? Tampouco foi informado o tempo durante o qual a informação permanecerá pública.
Sobre a sexta questão, referente à jurisprudência, por assim dizer, que o uso do termo “nascituro” poderia criar em relação ao Projeto de Lei do Estatuto do Nascituro, devo registrar que juristas especializados nessa área têm dito o contrário do que diz o ministro, ou seja, que a inserção do termo na MP 557 pavimentaria o caminho daquele Projeto de Lei. Com a palavra, pois, os juristas e legisladores.
Sobre a sétima questão, pelo que pude entender o governo Dilma Rousseff não tem o que fazer para elidir os defeitos insuperáveis contidos no que o ministro chama de “atuais regras do aborto no Brasil”, já que esse governo se elegeu prometendo não promover alterações. Esta conclusão talvez requeira algum comentário adicional do ministro.
De resto, devo relatar que eu e o doutor Padilha conversamos bastante e juntos lamentamos que o debate tenha saído de controle e se transformado em uma verdadeira guerra entre os que aprovam e os que não aprovam a MP 557. Juntos, consideramos que dessa forma será difícil o país alcançar os objetivos que são de todos nós. E que é dever de todo cidadão consciente tentar contribuir para que os debates se intensifiquem, mas em bases muito mais serenas.
Reitero cumprimentos ao ministro Padilha por dar explicações aos leitores deste blog, agradeço a confiança e a atenção dispensadas a este blogueiro e recomendo aos descontentes com a MP que se lembrem de que o assunto não está esgotado, pois terá que ser discutido no Congresso, onde se espera que eventuais defeitos sejam corrigidos.