O sociopata mora ao lado

Crônica

Sabe aquele internauta que o deixou horrorizado com o comentário desumano que fez sobre aquele assunto triste? Lembra-se de como se chocou com comemoração que o viu fazer quando foi divulgada a doença ou a morte de alguma figura pública? Você já refletiu se aquela pessoa – provavelmente anônima – não pode ser seu vizinho, parente ou colega de trabalho?

Ainda está sendo avaliada a interminável revelação que a internet vai fazendo sobre a natureza humana, para o bem ou para o mal. Estudiosos vêm se surpreendendo com a quantidade de sociopatas clássicos que existe por aí. Estão descobrindo que essa é uma ameaça maior do que se imaginava.

Essa é a tese, por exemplo, de um membro da Associação Brasileira de Psiquiatra, o doutor Helio Laudar, que afirma que “A internet favorece o engano em qualquer situação” por ser “Um mundo paralelo, distorcido da realidade, no qual o sujeito está livre para assumir qualquer identidade e escolher as suas vítimas”.

Isso, porém, não significa que a tecnologia crie psicopatas – ela apenas os faz sair das sombras.

Estimativas sobre a incidência de sociopatia, assim, vêm sendo revistas, por mais que seja difícil mensurar que percentual da humanidade tende ao comportamento sociopata, que nada mais é do que um estágio do comportamento psicótico clássico, ainda que o psicopata em potencial nem sempre acabe sendo tomado pela doença.

Vai ganhando força, pois, a teoria de que todos devem ter algum sociopata fazendo parte de suas vidas, independentemente do grau de relação social. Pode ser um colega de trabalho, seu chefe, seu subordinado, um cunhado, um primo, um vizinho e até um irmão, pai ou mãe. Você pode ter relação próxima com ele sem imaginar que aquele comportamento reprovável que exibe de vez em quando é mais do que mera falha de caráter.

O que isso muda nas relações sociais? Elas mudam para pior porque as pessoas estão sendo obrigadas a refletir cada vez mais sobre os cuidados que se deve ter não só com estranhos, mas com seu próprio entorno social.

Todavia, outra tese que vai ganhando força serve de alento. A internet pode estar funcionando como uma válvula de escape para a necessidade do sociopata de praticar o mal contra aqueles que lhe despertam a fúria pelas próprias idéias, pela aparência física, pela etnia ou até pela sexualidade. Fartando-se na internet, portanto, pode diminuir a pressão para agir no mundo real.

Recentemente, com a exposição da doença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os comentários de leitores sobre as matérias que trataram do assunto nos portais de internet, em blogs, sites ou nas redes sociais deixaram ver um nível de ódio inexplicável por ser dirigido a quem a quase totalidade de tais comentaristas jamais viu de perto.

O nível de ódio que o ex-presidente desperta, assim, não se deve exatamente ao indivíduo Lula. É ódio a uma classe social ou até a pessoas específicas do entorno social do sociopata. Há uma transferência de ódios reais, portanto.

Contudo, sempre é bom esclarecer que sociopatia não tem ideologia, religião, preferência sexual ou política. Eventual doença ou o sofrimento da antítese de Lula, que hoje é José Serra, possivelmente despertaria reações análogas. A compulsão do sociopata é a de tripudiar contra aquele objeto de ódio imaginário em um momento em que imagina que pode lhe infligir maior sofrimento ao demonstrar insensibilidade.

Por que, então, é importante abordar a sociopatia latente da sociedade? Não porque esteja crescendo, mas por ir se mostrando mais comum do que se supunha e pelo efetivo potencial que tem de provocar tragédias ou dramas sociais terríveis.

É assustador imaginar que exista tanta gente por aí que extrai prazer de provocar sofrimento, e que essa ânsia por fazer sofrer muitas vezes não se contenta com o sofrimento emocional.

Mas o aspecto mais aterrador do sociopata pode nem ser esse. O que o torna perigoso é o seu egoísmo psicótico e a total ignorância da própria doença. Essas pessoas nem sonham que estão doentes e estão convencidas de que buscar o próprio bem-estar e prazer em detrimento de qualquer valor humanista, é perfeitamente justificável.

E é nesse ponto que a internet vem contribuindo para desnudar o comportamento sociopata devido ao seu poder de unir os que pensam da mesma forma. Estimulados por assistirem congêneres dando vazão aos mais baixos sentimentos, outros sociopatas perdem os últimos freios e se entregam ao vício na maldade.

Vai passando da hora, pois, de o Estado se aprofundar na questão criando grupos de trabalho para planejarem políticas públicas que estimulem o sociopata a buscar tratamento. Poderiam ser feitas campanhas de conscientização daquele que está doente, campanhas que demonstrassem que extrair prazer ao agir das formas aqui descritas, não é normal.

Assim, os crimes de ódio e intolerância que vêm ocorrendo mais amiúde, com agressões a homossexuais e a nordestinos, entre outras minorias, decorrem da banalização do comportamento sociopata que a internet vem expondo e que estimula os mentalmente enfermos a “sair do armário”, por assim dizer.

Seria impróprio, no entanto, afirmar que a sociedade brasileira está doente. Mas é mais do que apropriado dizer que a doença que aflige qualquer sociedade ameaça sair do controle no Brasil. Não só pela banalização desses comportamentos semipsicóticos que se vê na internet cada vez mais amiúde, mas por não haver uma  ampla reprovação pública a eles.

Nesse aspecto, meios de comunicação e classe política só colaboram para o agravamento do surto de sociopatia que vem ocorrendo, pois, no calor das disputas políticas e ideológicas, aquele que agride inimigos políticos e ideológicos torna-se aliado dos que não odeiam e que apenas têm objetivos que se vêem favorecidos pelo fanatismo.

Fanatismo político, ideológico, sexual, étnico ou de classe social, portanto, é apenas um pretexto para aqueles que têm necessidade de agredir os semelhantes de uma ou de todas as formas possíveis e imagináveis. Dessa maneira, enquanto não surge uma política pública para enfrentar esse problema é bom que você se cuide, pois o sociopata mora ao lado.