Nenhum país desenvolvido impõe gestação de anencéfalo à mulher
Como pai de uma menina especial que hoje tem 13 anos e é portadora de Síndrome de Rett, mal correlato à paralisia cerebral que lhe furtou totalmente a capacidade de uso intencional dos membros, a fala e até o exercício autônomo das funções biológicas básicas, e como cristão, educado no seio da Igreja Católica, sinto-me à vontade para opinar sobre o julgamento que o Superior Tribunal Federal fará amanhã (11 de abril) do aborto de anencéfalos.
Tenho quatro filhos – três garotas (uma de 29, outra de 26 e a terceira de 13 anos) e um rapaz (24 anos). O aborto não foi recurso para minha mulher e eu nem quando não tínhamos condição de ter a primeira filha por sermos muito jovens e despreparados, ou quando já tínhamos três filhos crescidos e engravidarmos novamente, ainda mais com a minha mulher não sendo mais tão jovem, era visto por amigos e parentes como “loucura”.
Todavia, minha posição sobre o aborto foi mudando ao longo da vida conforme fui entendendo o mal irreparável que o fundamentalismo religioso e a violação do preceito constitucional sobre o Estado ser laico causam ao Terceiro Mundo ao produzirem milhões de famílias desestruturadas e cheias de filhos que não podem criar. Desde então, passei a considerar o aborto como um direito de quem quer, ainda que, para minha mulher e eu, continue não valendo, pois jamais nos arrependemos da quarta gravidez mesmo com todas as dificuldades…
Vá lá que o aborto puro e simples ainda seja polêmico até em alguns países desenvolvidos. Agora, obrigar uma mulher a levar até o fim a gravidez de um feto anencéfalo – que nascerá sem cérebro e, portanto, condenado a morte em minutos, dias, semanas ou, no máximo, 1 ou 2 anos após ser dado à luz – não deveria ser questão polêmica, pois se trata de uma violência, de uma imposição medieval que já foi ultrapassada e extinta em TODOS, absolutamente TODOS os países desenvolvidos.
Estados Unidos, Canadá, Cuba, Inglaterra, Suíça, França, Alemanha, Noruega (melhor IDH do mundo), Espanha, Portugal, Itália, Rússia, Austrália, China e vários outros países já ultrapassaram a Idade Média e hoje não apenas permitem o aborto de fetos sem cérebro como oferecem o procedimento nos seus sistemas públicos de saúde. E o que é mais: aborto legal feito pelo Estado para quem quer e precisa é considerado uma conquista dessas sociedades.
Minha mulher e a filha mais velha são terminantemente contrárias ao aborto de fetos normais e entendem que deva ser assim para elas e para os outros. A segunda filha, que pensava como a mãe e a irmã e que reside na Austrália há quase três anos, onde faz faculdade, com a experiência de conhecer de perto um país desenvolvido em que o aborto seguro se comprova uma conquista para quem quiser enxergar, mudou de opinião.
Agora, nem esposa nem filhas sequer cogitam apoiar que uma mulher seja obrigada a levar até o fim uma gravidez só para ver seu bebê morrer pouco depois do parto. Nesse caso, todas elas entendem que não há o que discutir. Interromper uma gravidez como essa, dizem ser um ato de piedade não só para com a mãe – que se arrisca a perecer em uma gravidez desse tipo –, mas para com o próprio filho.
Enquanto isso, igrejas se mobilizam para obrigar o Brasil a continuar no clube da América Latina e da África, regiões que vivem em um período da história obscurecido por dogmas religiosos medievais que obrigam mulheres a darem à luz filhos virtualmente mortos. Libertar este país dos fanáticos religiosos, pois, é primordial para que deixe de ser pobre e atrasado. As religiões passam dos limites ao exigirem tal sofrimento para a mulher.