Você sabia que, se perder um voo de ida, perde o de volta?
Este texto pretende alertar o consumidor para um golpe que empresas aéreas estão aplicando com ampla anuência da Agência Reguladora que deveria fiscalizá-las, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que, em episódio recente, mostrou-se preposta das empresas.
No mês passado (janeiro de 2013), tive que viajar de São Paulo a Curitiba a trabalho. Comprei a passagem aérea na TAM pela internet com uns dez dias de antecedência, em preço promocional.
Tanto fazia comprar os trechos de ida e de volta separados ou comprar a passagem de ida e a de volta na mesma operação, pois o preço não mudava. Assim, comprei em uma só operação como faria qualquer pessoa, pois não parecia ter sentido fazer compras separadas.
No dia do embarque, enquanto me dirigia de táxi ao aeroporto nas primeiras horas da manhã, recebi no celular ligação de pessoa que mora ao lado do meu escritório e que alegou estar sentindo cheiro de fumaça vindo de lá.
Tentei ligar para pessoas que poderiam ir ver o que ocorria, mas, àquela hora, não consegui – minha esposa, por exemplo, estava dormindo e não atendia o telefone. Como o voo partia do aeroporto de Congonhas e eu estava ali perto, fui até o escritório e lá encontrei um início de incêndio em uma tomada com problemas.
Resumindo: perdi o voo.
Cheguei ao aeroporto uns 10 minutos após o encerramento do check-in. Tentei, então, remarcar a passagem para o voo seguinte, que sairia em algumas horas mais. Contudo, para tanto me foi cobrado pela TAM uma diferença de módicos R$ 1.453,00.
Obviamente que não iria pagar para ir de São Paulo a Curitiba o preço de uma passagem para Miami, de maneira que, conformado com minha falta de sorte, fui à rodoviária e peguei um ônibus, encarando uma viagem de sete longas horas.
No dia seguinte, terminados os compromissos na capital paranaense, fui ao aeroporto para ao menos aproveitar a passagem de volta. Eis que recebo uma péssima notícia: por não ter embarcado, a TAM “entendia” que não viajei e, assim, por essa impossibilidade física, não me deixaria usar a passagem de volta.
O mais espantoso é que fui informado de que, se tivesse comprado o trecho de ida e o de volta separados – e que, juntos ou separados, custar-me-iam o mesmo preço –, aí eu poderia ter embarcado (!?).
No balcão da companhia aérea me disseram, também, que eu deveria ter lido as letras miúdas do contrato. De fato não lera. Está lá o golpe, em bom português.
Detalhe: naquele momento em que a TAM me informou de que eu perdera o que lhe pagara sem ter viajado uma única vez, fiz uma simulação de compra de uma passagem e descobri que, apesar de a volta estar paga, a empresa aérea vendera a outra pessoa a minha passagem.
A TAM, portanto, lucrou duas vezes – vendeu duas vezes a passagem e só prestou o serviço uma vez e, ainda assim, pela metade – só o trecho Curitiba/São Paulo. E não perdeu nada por eu não ter embarcado – pelo contrário, lucrou.
Eu, claro, paguei na passagem de ônibus o mesmo que pagara pela passagem aérea, dobrando o prejuízo.
De volta a São Paulo, entro em contato com a ANAC e recebo a mesma argumentação da empresa aérea: eu deveria ter lido o contrato, pois, se está lá, é o que vale.
Sim, deveria ter lido. Todos os que não lemos, deveríamos ler. Assim, não seríamos surpreendidos por uma norma absurda, desonesta, que lesa consumidores que não acreditam que uma barbaridade como essa seria permitida por autoridades que deveriam defender o consumidor de golpes.
Vale dizer que esse é um dos efeitos de campanhas eleitorais serem feitas com dinheiro privado. Essas grandes empresas financiam políticos que, eleitos, tratam de aprovar leis que permitem a golpistas lesarem o consumidor dessa forma inacreditável.
Cuidado, consumidor de passagens aéreas. Sobretudo se quem as vender for a TAM.
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Jurisprudência: Justiça vem condenando empresas aéreas que lesam consumidor
Viagem sem volta – Pode a empresa aérea cancelar a passagem de retorno ao aeroporto de origem?
Do site Última Instância
Flavio Siqueira Jr. – 20/09/2012 – 10h31
É muito comum em viagens de avião que as pessoas comprem a passagem de ida e de volta de uma só vez no site da empresa aérea ou mesmo em agências de viagens. Porém, o que se percebe é que se o passageiro perder o voo de ida, a empresa aérea cancela o da volta automaticamente.
Imaginem a seguinte situação: uma pessoa mora em São Paulo e quer ir para Florianópolis. Compra as passagens de ida e volta por R$ 200,00 cada. Na data da viagem, por causa do trânsito, chega atrasada e perde o voo. Descobre que deve pagar a taxa de “no show” (R$ 150,00) mais a diferença tarifária (ou seja, os R$ 50,00 que sobraram seriam abatidos da nova passagem de ida que agora custa R$ 400,00). Enfim, o passageiro paga mais R$ 350,00 para não perder a viagem e embarca para Florianópolis.
Pois bem, no retorno a São Paulo, no momento do embarque o passageiro descobre que o seu voo foi cancelado. Ao questionar o atendimento da empresa, é informado que a volta foi cancelada porque ele perdeu o voo de ida. Ou seja, para retornar precisaria comprar uma nova passagem, que por ser comprada na hora, tem um valor muito maior.
Resumo: um enorme transtorno ao consumidor.
Com um maior acesso ao transporte aéreo, estamos descobrindo que os lugares já não são tão distantes e que o sonho de uma grande viagem está mais próximo. Porém, também estamos descobrindo que as empresas aéreas estão se aproveitando do desconhecimento do passageiro para adotar práticas abusivas e lucrar com o desrespeito das leis que protegem o consumidor.
A prática de cancelar automaticamente a passagem de volta, quando se perde a de ida é incontestavelmente abusiva, nos termos do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Já vem sendo denunciada aos órgãos de defesa do consumidor e até mesmo coibida por meio decisões judiciais que condenam as empresas aéreas a pagar indenizações a quem sofreu tal abuso, como esta do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“Em que pese se reconheça a atipicidade do contrato de transporte aéreo, trata-se de uma relação de consumo, sendo, portanto, aplicável ao caso, o Código de Defesa do Consumidor.
Considera-se abusiva a cláusula contratual que prevê o cancelamento da passagem aérea de volta em face da não utilização integral do bilhete de ida, consoante emerge dos artigos 39, I e 51, XI do Código de Defesa do Consumidor.
É de se reconhecer a obrigação da ré em indenizar os danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados à consumidora, em face do cancelamento unilateral do contrato e da extensão dos transtornos e frustração por ela sofridos, no momento do embarque.
Admitida a ocorrência de dano moral pela aflição, desgaste mental e decepção, com o indevido cancelamento da passagem aérea adquirida e paga pela autora junto à empresa ré, deve a ofendida ser indenizada razoavelmente, levando em conta o julgador os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além das condições econômicas da ofensora, uma da maiores empresas de transporte aéreo do mundo.
Com essas razões de decidir, NEGA-SE PROVIMENTO, ao primeiro recurso, e DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO, ao segundo recurso, para reformar, em parte, a respeitável sentença de primeiro grau e majorar o valor indenizatório, a título de dano moral, para R$ 7.000,00 (sete mil reais), corrigidos de acordo com os índices divulgados pela Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, a partir da publicação do acórdão, porquanto arbitrado em valor já atualizado, acrescidos de juros moratórios de 1% (um por cento), ao mês, a partir de 10/01/06, data do evento danoso.”
Não satisfeitas com essa prática condenável, as empresas aéreas sequer informam o consumidor sobre tal procedimento no momento da compra, deixando de informar de forma clara e adequada como será a prestação do serviço levando o consumidor a uma condição de extrema vulnerabilidade.
Talvez suas últimas viagens possam ter sido tranquilas, mas os problemas podem aparecer nas próximas, portanto, fique atento aos seus direitos.
O consumidor que se sentir lesado e não conseguir uma resposta satisfatória da empresa, deve procurar os órgãos de defesa do consumidor e denunciar, além disso pode ingressar com uma ação no Juizado Especial Cível mais próximo de sua casa, sem qualquer custo, se o valor pedido não ultrapassar 20 salários mínimos.
Além do reembolso do valor da passagem de volta, a companhia aérea ainda deve pagar uma indenização que englobe todos os gastos decorrentes do cancelamento, podendo inclusive ser definido um valor a título de dano moral, pelo desgaste mental, frustração ou qualquer constrangimento sofrido pelo consumidor. Por isso é importante guardar todos os recibos ou notas fiscais para demonstrar o dano.
É importante que se cobre das empresas mais respeito ao consumidor, afinal somos nós que sustentamos a atividade da empresa. Porque então ainda somos desrespeitados?
Isso deve mudar, exija seus direitos!