Burrice permeia os dois lados do debate da legalização de drogas
Tudo começou quando fiz um comentário no Twitter sobre alunos da faculdade diante da qual fica o meu escritório. Era meio da tarde de sexta-feira e não conseguia ouvir nem meus pensamentos porque jovens, ao som de um funk estridente, estavam nas cercanias consumindo drogas, bebendo e até fazendo sexo dentro de carros estacionados.
Um detalhe: dentro das salas de aula seria impossível ensinar ou aprender alguma coisa – as caixas de som ultra potentes instaladas no porta-malas de um carro estacionado em frente à faculdade encobriam até os pensamentos de qualquer um num raio de pelo menos uns 100 metros ou mais.
Comentei, naquela rede social, que me entristecia, em particular, uma garota que está sempre metida naquela orgia de drogas, álcool e sexo. Como se trata de uma instituição de ensino para gente de posses, disse que era indesculpável que os pais da garota não soubessem o que ela faz ali.
Explico: é óbvio que famílias abastadas, em tese, deveriam ter como cuidar melhor dos próprios filhos.
Informei-me sobre a menina, anteriormente. Tem 17 anos. Já a vi dentro de carros estacionados na rua ao lado do meu escritório cheirando cocaína, bebendo e até fazendo sexo com rapazes diferentes, cada hora com um. Pior: ela tem seu próprio carro (importado, aos 17 anos!) e já a vi ir embora dirigindo completamente dopada por todo tipo de substância.
Claro que mulheres e homens têm direitos iguais e podem fazer sexo com quantos quiserem. Se homens podem, mulheres têm o mesmo direito e ninguém tem nada com isso. Contudo, adolescentes precisam ser resguardados, principalmente as meninas, pois homem não engravida.
Apesar de ter explicado que o que me incomodava não era o fato de uma garota fazer sexo com vários garotos numa mesma semana, mas fazer isso sob efeito de drogas pesadas, logo apareceram cretinos que pegam o bonde andando e querem viajar na janelinha para me chamarem de “preconceituoso”.
Claro que tampouco ajudou explicar que pregação para que meninas adolescentes tenham liberdade total para fazer sexo é uma das causas de o Brasil ser um dos países com maior incidência de gravidez de adolescentes e de esse drama social estar crescendo enquanto o índice de natalidade do país já caiu a níveis de Primeiro Mundo.
Um dos cretinos mais cretinos chegou a me comparar ao psicopata que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, apesar de eu sempre ter defendido os direitos dos homossexuais e de fazer uma campanha feroz pela igualdade de direitos e de oportunidades para os negros, sobretudo através de cotas “raciais” em universidades públicas.
Dá o que pensar ver que não apenas os conservadores atiram primeiro e perguntam depois; alguns pseudo progressistas fazem o mesmo. Uma palavra fora do dicionário deles e você já vira “preconceituoso”, “machista” e outras imbecilidades mais.
Enfim, após explicar várias vezes que acho que mulheres podem fazer sexo com quem quiserem e o quanto quiserem, mas não aprovo adolescente fazer sexo estando entupido de drogas e com estranhos, o assunto foi parar, exatamente, na questão das drogas.
Aí virou o inferno. Fiquei no meio do fogo cruzado entre os “proibicionistas” (aqueles que querem manter as drogas na ilegalidade) e os apologistas do uso de drogas – sim, eles existem e são completamente descarados em sua pregação quase criminosa.
Descobri, então, que essa que é uma das questões mais preocupantes da atualidade no Brasil e no mundo, neste país enfrenta um debate público envolto em burrice, preconceito e em um “liberalismo” sem pé nem cabeça, cheio de mitos sobre drogas tão ruins quanto os dos conservadores.
Acredite quem quiser: várias pessoas, várias mesmo, afirmaram, com ares de doutores, que as drogas aumentam a potência sexual (!?). Entre as drogas que mais seriam “afrodisíacas” estariam a dietilamida do ácido lisérgico, mais conhecida como LSD, uma das mais potentes substâncias alucinógenas conhecidas.
Os efeitos de uma droga como essa variam conforme o indivíduo, seu estado psicológico momentâneo e sua forma física, mas são inapelavelmente devastadores.
LSD provoca ilusões, alucinações (auditivas e visuais), sinestesias, experiências místicas imaginárias, paranoia, alteração da noção temporal e espacial, confusão, pensamento desordenado, despersonalização, perda do controle emocional, euforia alternada com angústia, pânico, ansiedade, dificuldade de concentração, perturbações da memória, psicose por “má viagem” (bad trip), náuseas, aumento da pressão arterial e do ritmo cardíaco, debilidade motora, sonolência e aumento da temperatura corporal.
Todas as drogas, além de todos os efeitos nefastos que causam, também ocasionam efeito oposto daquele em que acreditam os que as exaltam por supostamente serem afrodisíacas e promotoras de maior potência sexual.
Estudo recente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), porém, comprovou que 47% dos homens que usam drogas sofrem de alguma disfunção sexual.
Ressalte-se que o número encontrado, 47%, é bem maior do que o registrado na população em geral, que é de 18%, segundo o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro, que ouviu mais de 7.000 pessoas em 2004.
Os principais problemas levantados pelos autores da pesquisa foram ejaculação precoce (39%), diminuição do desejo sexual (19%), dificuldade de ereção (12%), retardo na ejaculação (8%) e dor durante a relação sexual (4%)”
Aliás, a desinformação dos apologistas do uso de drogas também aparece na pesquisa em tela, que mostra que 50% dos homens e 40% das mulheres acham que essas substâncias melhoram o desempenho na cama. O que essas pessoas não sabem é que, depois, a situação se inverte e o uso dessas substâncias começa a provocar alterações na função sexual.
“A longo prazo isso traz prejuízos importantes”, diz a psiquiatra Camila Magalhães, do Hospital das Clínicas de São Paulo, que coordena o centro de informações sobre saúde e álcool.
As drogas danificam neurotransmissores do cérebro, responsáveis pelo controle da ejaculação. Álcool, porém, também causa alterações vasculares que dificultam a ereção. Cocaína, maconha, ecstasy, LSD e o que mais quiserem também causam impotência.
Outro dado que chama atenção na pesquisa é o comportamento sexual de risco dos usuários de álcool e drogas. 41% não usam preservativos nas relações sexuais e a média de parceiros dos entrevistados foi de cinco ao ano – na população em geral, são 2,96. Essas pessoas ficam mais impulsivas e têm a capacidade de avaliar riscos reduzida.
Ah, sei, então todo mundo sabe que droga e álcool fazem mal, é? Bem, eu também pensava assim até a tarde de sexta-feira no Twitter. Descobri, então, que, muito pelo contrário, há gente que acha que não apenas não fazem mal, mas que podem converter homens em verdadeiros garanhões.
Os discursos variam entre os apologistas das drogas. Alguns as exaltam, dizem que “transar” após ingerir LSD é “uma delícia”. Outros dizem que “um pouquinho” dessa e de outras drogas não faz mal. Todos, porém, defendem o uso.
Fiquei estupefato com um sujeito que disse que eu estaria “demonizando” as drogas. Vejam bem, de-mo-ni-zan-do. Alguém pode demonizar substâncias tão nocivas pela própria natureza? Alguém pode demonizar o suicídio, por exemplo?
O debate, desse lado, é tão estúpido que alguns vieram falar dos efeitos terapêuticos de drogas como maconha ou cocaína, como se tivesse alguma coisa que ver o uso medicinal dessas substâncias com o uso “recreativo” – e suicida.
Isso quer dizer que as drogas devem continuar proibidas, no Brasil? É claro que não. Muito pelo contrário, o uso de drogas tem que ser descriminalizado e regulamentado urgentemente, pois a criminalização erigiu um mercado imenso para bandidos explorarem.
Uma pesquisa recente e estarrecedora sobre a criminalização das drogas revela que tráfico é o crime que mais condena hoje no Brasil. O estudo é do site Banco de Injustiças, uma iniciativa conjunta da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) e da Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP).
A iniciativa tem por objetivo promover o debate jurídico sobre a ausência de princípios básicos constitucionais na Lei de Drogas, como o direito à saúde, as limitações do poder punitivo do Estado e, sobretudo, o caráter democrático do Estado de Direito.
Segundo o site, “O perfil do encarcerado no Brasil mudou: há pouco mais de 15 anos, os crimes que levavam a maioria para trás das grades eram de ordem patrimonial, como é o caso do furto ou do roubo; atualmente, mais de um quinto dos presos é oriundo do tráfico de drogas, número que vêm crescendo”.
Os custos com o combate ao tráfico são imensos. Roubam recursos da saúde, da Educação e da Segurança Pública. Se as drogas fossem descriminalizadas e, como em países desenvolvidos, fossem fornecidas pelo Estado sob supervisão médica, o crime organizado sofreria um baque imenso no Brasil.
Com a redução dos gastos com repressão, seria possível o Estado fornecer drogas e supervisionar o uso nas chamadas “salas de uso seguro” que se vê hoje nos países socialmente mais desenvolvidos do mundo, como os países nórdicos.
Além disso, o consumo não aumentaria. Até porque, paralelamente à descriminalização uma campanha imensa de “demonização” das drogas, do álcool etc. deveria ser feita, de forma a alertar as pessoas a que não acreditassem em imbecis como aqueles do Twitter que afirmam que drogas melhoram o sexo – imagine, leitor, um adolescente que não usa drogas e lê aquilo…
Outro proibicionista veio dizer que as pessoas matam e roubam para comprar drogas e que não fazem isso para comprar álcool. Não foi uma afirmação fundada em fatos, mas uma mera conjectura como tantas outras que pessoas de mente fechada para o tema usam como se fossem verdade.
O álcool, porém, é uma droga poderosíssima e extremamente danosa. E é liberadíssima. Vê-se até propagandas em horários em que crianças e adolescentes assistem televisão. Não falta propaganda associando o uso dessa droga ao sucesso, ao sexo com belas mulheres seminuas etc.
Todas as outras drogas deveriam ser tratadas da mesma forma, mas sem propaganda e com campanhas de “demonização” delas.
Uma curiosidade é a de que há até certa lógica em os proibicionistas das drogas dizerem que viciados em álcool não matam nem roubam para comprar maconha, cocaína, crack, LSD e outros venenos. Não fazem isso porque álcool é barato. Se fosse proibido, o preço subiria e a qualidade cairia, como acontece com as drogas ilícitas.
Por que não proibir o consumo de álcool se é uma droga como qualquer outra?
Primeiro, porque há uma imensa e rica indústria do álcool. Segundo, porque o mesmo conservador que não quer que maconha, por exemplo – que não deixa ninguém tão “alto” como fica consumindo álcool –, tenha seu uso descriminalizado é aquele que encosta em bares por aí e toma litros de cerveja e outras bebidas até mais fortes.
Uma digressão, mas nem tanto: pensei até em postar, neste artigo, reproduções das besteiras ditas pelos apologistas e pelos proibicionistas das drogas, mas expor gente equivocada e desinformada não é o objetivo deste texto. O que se pretende, aqui, é combater os discursos burros dos dois lados.
O que ocorre, então, é que, nesse nível em que se trava o debate popular e público sobre as drogas, não chegaremos a lugar nenhum. As argumentações são terrivelmente desprovidas de fundamento dos dois lados. Muitas pessoas dizem qualquer coisa que acham que é verdade – seja contra ou a favor da descriminalização – como se tivessem certeza do que estão dizendo.
Estado e mídia, por sua vez, têm igual responsabilidade pela ignorância que grassa sobre as drogas, tanto do ponto de vista dos malefícios que causam ao indivíduo como do ponto de vista dos malefícios decorrentes da proibição. Há que instruir o brasileiro sobre as drogas. Inclusive sobre as legais. Depois haverá que descriminalizar as drogas proibidas.