O que fazer com os black blocs?
“Black bloc não é grupo ou movimento, é tática”;
“Um grupo pequeno de vândalos infiltrou-se em uma manifestação pacífica”;
“Há que entender os black blocs”;
“Black blocs são um movimento social”…
Escolha uma das frases acima e pense: quantos dos que agora estão criticando os black blocs (por ter se tornado impossível não criticá-los) não disse uma ou mais de uma das frases acima, só que na época em que ser contra protestos era “suicídio de imagem”?
Agora é fácil criticar os black blocs; eles estão aí, não é mesmo? Mostraram que são EXATAMENTE aquilo que esta página disse que eram ao tempo em que esses lunáticos surgiram em nosso país – época em que, coincidência das coincidências, surgiram as tais “jornadas de junho”.
Mas veja só: Josias de Souza, Juca Kfouri, Ricardo Boechat e outros menos ou mais conhecidos dizem agora que detestam os black blocs; há pouco mais do que meia dúzia de meses incentivavam protestos.
Aliás, algum deles disse, com todas as letras, que apoiava “quebra-quebras”, paulada, pedrada, o que fosse. Detalhe: é um dos principais apresentadores de telejornal de uma das maiores empresas de comunicação do país.
De certa forma, portanto, respeito aqueles que, apesar do equívoco que cometeram – e que continuam cometendo – ao apoiar os black blocs, pelo menos não convergem para a maioria por conveniência, como tantos por aí.
Estranho, também, que muitos estejam preocupados com a execução penal de um suspeito do assassinato do cinegrafista Santiago Andrade – ora sob prisão temporária – mesmo não tendo existido, até agora, a menor notícia de maus tratos a ele.
Os preocupados em oferecer advogados e exigir soltura imediata para um dos autores do assassinato do cinegrafista da TV Bandeirantes demoraram muito a falar à família da vítima daqueles que apoiam. E acabaram nem falando.
Coube, então, aos black blocs – o braço armado dessa corrente opinativa que infesta a internet – dizer que estão “chateados” com o resultado das próprias ações – e, sim, eles têm um monte de porta-vozes nas redes sociais.
Mas que bom que ficaram chateados, não é mesmo? Tive medo de que se dissessem alegres. Afinal, Santiago morreu devido a ações que os black blocs praticaram em grupo. De forma pensada, planejada, decidida e eficiente.
Mas o pior é que também disseram que a morte de Santiago foi uma “infelicidade”. Algo como um “efeito colateral”…
Manja, leitor?
Mas, enfim, já que essa praga está aí, o que fazer para erradicá-la?
Já me disseram que prisão inafiançável não daria porque pode ser usada para criminalizar movimentos sociais legítimos como o MST, por exemplo. Ok, é verdade. Qualquer pretexto serve para exigir a degola do MST, porque também faria manifestação violenta ao promover ocupações.
Não vejo assim. O MST tem uma causa. É um legítimo movimento social. Seus integrantes têm nome, sobrenome, RG e CPF – ou, na falta dos documentos, quase sempre certidão de nascimento.
Mas, enfim, todos os membros do MST têm rosto e nome. Podem ser identificados, pois não se mascaram. Enfrentam pistoleiros equipados com armas de alto calibre de cara limpa, peito aberto e a esperança nos olhos.
Os sem-terra praticam aquilo que se diz crime famélico, ou seja, invadem por absoluta e extrema situação de penúria social. Andam com suas mulheres, suas crianças, seus velhos, seus animais de estimação.
Ninguém são os trataria como a filhotes de papi malcriados que tocam fogo em coisas e pessoas alegando que estão “mudando o país”. E não farão nada com eles a mais do que fazem hoje, pois para eles nunca valeu nenhum atenuante social.
Mas uma lei que estabelecesse que gente de rosto coberto que praticasse violência sem o menor atenuante social e humanista e sob motivo torpe (por diversão ou para exercer pressão política ilegítima) seria apenada pela Justiça de forma mais dura, talvez fosse a solução.
Não posso negar, porém, o potencial da Justiça brasileira de distorcer as leis. E sobretudo quando os alvos da distorção não forem filhinhos de papai e seus “teachers”, os quais sempre encontrarão montes de advogados nas portas das delegacias a que forem levados quando destruirem tudo em volta.
Surge, então, a questão: o que fazer com os black blocs?
Para melhor refletir sobre o assunto conversei com o jornalista Breno Altman, do site Opera Mundi. Antes, já havia conversado superficialmente com amigos – pessoas que respeito – que não gostaram da ideia de prisão inafiançável para protestos violentos.
Muitos amigos, claro, concordam em gênero, número e grau. Alguns, inclusive, acham que prisão inafiançável é pouco.
O Breno me pareceu o mais ponderado. Consegue opor bons argumentos que exigem ser analisados. Ele julga que a ação política pode ser eficiente. Ou seja: que a crítica consistente aos black blocs irá isolá-los cada vez mais politicamente e que ficarão sozinhos nas ruas.
Respondi que dez black blocs destruidores, cheios de músculos e vitalidade juvenil e dopados por muita, muita raiva se farão parecer mil pessoas a cada vez que forem à rua brincar do que gostam.
Não obtive uma resposta à questão sobre o que fazer com os black blocs que não seja simplesmente deixá-los continuar a fazer o que estão fazendo. Nada de lei e nada de repressão policial. Eles estariam se suicidando, do ponto de vista imagético.
Lembrei que se a polícia não tivesse chegado os black blocs teriam esfolado vivo o prefeito de São Paulo, ano passado. E que quase conseguiram trucidar o prefeito porque a polícia usou essa tática de se omitir.
Temos todos que pensar no seguinte: e se a próxima vítima dos black blocs for você? E se for um filho, uma filha, uma esposa, um esposo, um pai, uma mãe, um amigo querido? Quem topa pagar para ver?
Não sei, não… Até porque, mesmo com a morte de Santiago ainda tem gente muito barulhenta que quer mais black blocs fazendo exatamente o mesmo.
E, como se não bastasse, em uma dessas redes sociais em que os “meninos e meninas” escrevem disseram que vão, sim, fazer novos protestos. E reafirmaram que “Não vai ter Copa” e que prefeito nenhum irá reajustar passagens de ônibus.
Sinceramente, vejo isso como um deboche. A morte de Santiago, dizem uma “infelicidade”, um efeito colateral. Só que esse efeito pode acontecer de novo porque eles prometem continuar a fazer o que fizeram na semana passada.
E aí, ninguém faz nada? Ficaremos sentados, esperando? E se mais Santiagos forem vitimados pelos black blocs, vamos todos bradar, em coro e de mãos dadas com os mascarados, que foi uma “infelicidade”? É isso o que faremos?
Eu não concordo. E você?
*
ESCLARECIMENTO
Recebo mensagem do jornalista Breno Altman, citado no post.
O jornalista pede que seja melhor esclarecida passagem de nossa conversa sobre o meu post “Protesto violento tem que virar crime inafiançável”, do dia 9.
Breno quer que fique claro que não é ele o autor da frase “Nada de lei, nada de repressão policial”, que figura no texto acima.
O jornalista quer que fique claro que apenas julga “Não serem necessárias novas leis, que basta aplicar as atuais, individualizando procedimentos criminais, jamais caindo na esparrela antidemocrática da repressão coletiva”.
Contudo, devo lembrar que não há aspas na frase “Nada de lei, nada de repressão policial”, no texto acima.
Esta ressalva é importante porque, de fato, alguém pode extrair essa interpretação do relato que fiz de minha conversa com o caro jornalista.