Durval Ângelo: STF inova com alquimias regimentais
O Supremo Tribunal Federal (STF) protagonizou, na última quinta-feira (2), uma sessão que, com toda a certeza, deixou juristas, professores e estudantes do Direito de “cabelo em pé”. Deram-se na corte suprema de nosso país verdadeiras “alquimias” regimentais. Como todos sabem, o termo refere-se a uma ciência mística, conhecida como química da Idade Média e cujo objetivo era a transmutação da matéria, especificamente de metais não preciosos em ouro. Na modernidade, a palavra passou a integrar o domínio conceitual de conversão, transformação, reforma, mutação, metamorfose, transfiguração, inovação, entre outros. É a este conceito que nos referimos.
O fato se deu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo DEM, que questiona a necessidade de autorização do Legislativo estadual para o recebimento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de denúncia do Ministério Público Federal contra o governador de Minas, Fernando Pimentel. O julgamento, no entanto, foi transferido para abril, após discordância entre os ministros sobre a procedência ou não da ação. O argumento levantado foi o de que a Adin pedia, na verdade, um posicionamento do Tribunal quanto à constitucionalidade do Artigo 92 da Constituição Mineira, que não explicita a necessidade de autorização da Assembleia para abertura de processo e determina o afastamento do governador, caso isso ocorra. Para alguns, tratar-se-ia, neste caso, de uma ação de constitucionalidade – e não de inconstitucionalidade –, o que invalidaria a Adin.
Diante da celeuma, antes da análise do mérito – a validade do Artigo 92 -, os ministros decidiram julgar a preliminar, ou seja, a admissibilidade da ação. O resultado foi de cinco votos favoráveis e quatro contrários. A ação seria arquivada, imaginaram todos os que conhecem minimamente o regimento do Supremo. Afinal, ele é explícito, ao fixar o mínimo de seis votos favoráveis para o recebimento de uma ação por aquela corte. Chegamos, assim, à primeira “alquimia”. Em uma decisão inédita, acredito, a presidente do STF, Carmem Lúcia, decidiu suspender a sessão para esperar os votos de outros dois ministros, que ainda poderiam alterar o resultado: Gilmar Mendes, que estava ausente, e Alexandre Morais – o ministro de Temer –, que sequer tomou posse. Pasmem! O julgamento foi adiado para abril, quando Morais já terá assumido a cadeira.
Obviamente, não se trata aqui de fazer qualquer juízo dos votos dos ministros ausentes. Mas o fato é que a questão deveria findar naquela sessão, com o arquivamento da ação, já que não houve pedido de vista, este sim um instrumento legítimo. É inquestionável que o DEM errou ao propor uma ação de inconstitucionalidade, quando pretendia obter uma declaração de constitucionalidade. Neste sentido, pode ser esclarecedor observar o significado de mais um termo: “casuísmo”, que segundo o dicionário Caldas Aulete, refere-se à deturpação de princípios morais ou jurídicos em função de um determinado interesse.
Passando à segunda “alquimia”, observe-se que em 53 julgamentos similares anteriores, o Supremo decidiu pela prevalência da autorização das Assembleias Legislativas para abertura de processo contra governador. Especificamente em Minas Gerais, destaque para as Ações Penais 176 e 182, contra o ex-governador Itamar Franco. O referido Artigo 92 da Constituição estadual já existia e, ainda assim, o STF decidiu que era necessária a autorização do Legislativo. Se já existe farta jurisprudência, porque “transmutar”, ou “reformar”, tal consenso jurídico agora?
Questionamos, ainda, uma terceira “alquimia” regimental. Sabemos que o Artigo 92 envolve duas questões: não autorização legislativa e afastamento do governador. O voto do relator sobre o mérito da ação foi no sentido de que não há a necessidade de autorização, mas, em contrapartida, descartou o afastamento. Como fica, então? Uma parte do dispositivo é constitucional e outra não? Neste caso, não seriam necessárias duas ações, sendo uma de inconstitucionalidade e outra de constitucionalidade? Esta deveria ser outra preliminar em análise e o resultado lógico, mais uma vez, seria o arquivamento da ação do DEM.
Por fim, é relevante notar que, conforme o artigo 102 da Constituição Federal (CF), somente compete ao STF o julgamento de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), se for referente a lei ou ato normativo federal, e não estadual. Eis mais uma “inovação”. “Joguemos fora nossos livros!”, devem estar pensando muitos professores de Direito.
Não há aqui intenção de questionar as motivações do Supremo, pois queremos, sinceramente, acreditar ter se tratado de um grande equívoco. De qualquer forma, aquela sessão acabou atendendo à conveniência dos planos do PSDB e seus aliados para ganharem no “tapetão” a eleição que perderam nas urnas.
O fato é que o procedimento contra o governador de Minas é inconsistente e eivado de vícios, como demonstrou em questão anterior o ministro do Supremo Celso Melo, ao apontar a irregularidade da atuação de um juiz de primeira instância no processo. Sobretudo, não há provas. Toda a acusação baseia-se apenas em uma delação isolada, desmentida pelo próprio pai e pelo irmão do delator, ambos seus sócios. Nada mais. Sem confirmação pericial, sem fotos, sem vídeos ou documentos comprobatórios, o que já justificaria a nulidade do inquérito baseado na farsa da Operação Acrônimo, da Polícia Federal. Fernando Pimentel é vítima de uma perseguição e só não vê quem não quer. Por isso, com toda a certeza, provará a sua inocência.
Já os tucanos… Ah! Esses temem as urnas em 2018. Para não enfrentarem Pimentel novamente e passarem por mais um vexame, ousam até tentar manipular o Supremo, com fins exclusivamente político-partidários. Permitirão os excelentíssimos ministros que isso aconteça?