Anistia internacional diz que intervenção no Rio vai piorar a violência
A diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, disse nesta quarta-feira (21/2) que a intervenção federal na segurança pública do Rio não se justifica tecnicamente nem legalmente. “O Estado não é o líder em mortes violentas no país, nem houve explosão da violência neste Carnaval, como mostram dados oficiais”, disse ela.
Não foi uma decisão baseada em dados objetivos”, afirmou Werneck, questionando a decisão do presidente Michel Temer, aprovada pelo Senado na noite da última terça-feira. Para a Anistia, o governo deve explicações à sociedade sobre os objetivos da intervenção federal, sua duração e metas.
A organização divulgou ontem o Relatório Anual sobre a situação dos direitos humanos no mundo. No capítulo brasileiro, um dos destaques foi justamente a crítica à solução militar quando o problema é segurança pública.
O texto ressalta que “o Estado brasileiro falhou na implementação de políticas para redução de homicídios ao optar pela militarização voltada à guerra as drogas e confronto, agravando a já crescente violência letal no país”
Dos dados referentes à violência no ano passado, a Anistia divulgou que, entre janeiro e setembro, segundo fontes oficiais, 494 pessoas foram mortas por policiais em serviço no estado de São Paulo, entre janeiro e novembro 1.035 pessoas foram mortas no estado do Rio de Janeiro e, no mesmo período, 148 no Ceará. E foi bastante dura ao concluir que “o Brasil é duplamente responsável pela crescente violência letal no país”. De um lado, por omissão, com o dever de proteger a vida e, de outro, como agente ativo da violência por possuir uma polícia que mata milhares de pessoas todos os anos.
Uma das prioridades do interventor federal no Rio, o coronel Walter Braga Neto, o saneamento das polícias, também não poder ser considerada justificativa para a medida intervencionista, na opinião da diretora da Anistia. “O Estado já detém os dados de inteligência e as ferramentas legais para reorganizar as polícias. Não é preciso uma medida excepcional para se fazer isso”, criticou.
Segundo estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio ficou em décimo lugar em número de mortes violentas intencionais em 2016, com taxa de 38 mortes por 100 mil habitantes. Caso fosse uma decisão técnica, o governo federal deveria optar por intervir em Sergipe, por exemplo, que lidera o ranking dos estados mais violentos, com taxa de 64 mortes por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional. Ou na Bahia que, em números absolutos, registrou 7.110 mortes violentas intencionais, liderando o ranking do Fórum.
O relatório da Anistia destaca o crescimento da violência no Nordeste, especialmente ligada a disputas pela terra e recursos naturais. “O Brasil todo vive uma situação crítica em relação ao aumento de homicídios e violências. Os ativistas estão sob ameaça, seja no campo ou nas cidades. O Brasil tem obrigações, conhece o problema e não toma as medidas necessárias”, declarou Jurema Werneck.
Nunca se matou tantos
O país liderou, em 2017, o número de assassinatos de diversos grupos de pessoas: jovens negros do sexo masculino, pessoas LGBTI, defensoras e defensores de direitos humanos, grupos ligados à defesa da terra, população tradicionais e policiais, aponta o relatório.
Apenas nos nove primeiros meses de 2017, 62 defensores dos direitos humanos foram assassinados, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a maioria morta em conflitos por terras e recursos naturais.
Entre o dia 1º de janeiro e 20 de setembro do último ano, o Grupo Gay da Bahia registrou 277 pessoas LGBTs assassinadas no país, o maior número desde o início da compilação dos dados, em 1980.
O aprofundamento da crise política, de acordo com a Anistia, serviu como cortina de fumaça para um grave ataque a direitos já conquistados. Mais de 175 projetos de lei que ameaçam os direitos humanos avançaram em sua tramitação.
A Anistia destacou a Lei 13.491/2017, aprovada no ano passado, que viola o direito a um julgamento independente e imparcial, na medida em que estabelece que violações de direitos humanos, inclusive homicídio ou tentativas de homicídios, cometidas por militares contra civis sejam julgadas por tribunais militares.