Historiador diz que imagens produzidas por Lula antes da prisão afetarão eleições
O historiador Lincoln Secco, professor da USP e estudioso da trajetória do PT, acredita que, de tão incisivas, as imagens do último discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, podem até melhorar suas intenções de voto nas próximas pesquisas eleitorais.
Segundo Secco, as cenas de Lula sendo carregado pela militância – atreladas ao discurso de que ele representa “uma ideia” – também influenciam, a longo prazo, na narrativa histórica da ida à prisão.
A conciliação – essência do lulismo enquanto governo – não é mais possível, segundo o professor. A polarização que tomou conta do País a partir de 2013, da qual o PT se beneficiou, a impediu. “Tanto o sistema político quanto a sociedade não estão absorvendo mais o PT como portador da conciliação”, diz Secco, que vê o futuro da esquerda intrínseco à construção de novas ideias de Estado.
Leia entrevista do historiador ao jornal O Estado de SP
O que a prisão representa para a imagem do Lula?
Acho que tanto as pessoas que têm simpatia quanto as que têm antipatia pelo Lula vão concordar que formalmente ele fez um discurso muito bom, muito bem sucedido. E também conseguiu produzir imagens muito fortes para a sua entrega à Polícia Federal. Criou um grande ‘Ocupa Lula’ em São Bernardo, de forma que a prisão dele foi um espetáculo político. Escolheu o Sindicato dos Metalúrgicos, que é um lugar simbólico para a carreira política dele.
Quais pontos o sr. destaca?
Fez um discurso que, além de falar dos candidatos que ele apoia, conseguiu formar uma frente de esquerda que mesmo que não se traduza num único candidato, estava com ele num momento decisivo de sua carreira política: a Manuela D’Ávila (PCdoB) e o Guilherme Boulos (PSOL). Foi um ponto bastante evidente. Falou mais desses dois que não são do PT do que de qualquer outro candidato do próprio partido.
Por que isso?
Difícil responder. Talvez ele não tenha um nome decidido para apoiar. Isso é possível porque a estratégia do PT ainda vai ser mantê-lo como candidato enquanto for importante politicamente para o próprio Lula e para a estratégia do partido. As imagens que produziu podem impactar muito e podem até aumentar as intenções de voto nas próximas pesquisas.
As imagens também impactam a narrativa de como essa história vai ser contada ao longo dos anos?
No longo prazo, acho até que as imagens ajudam, mas o que também ajuda muito a construir isso é o que ele reprisou bastante no discurso: o fato de representar “uma ideia”. Claro, é uma ideia bastante abstrata, que é capaz de falar tanto com aqueles que ele mandou “queimar pneus” como com os que fazem conquistas institucionais – ou seja, com movimentos sociais e com partidos aliados. É o discurso amplo que Lula sempre fez, mas agora traduzido no que chamou de ideia, algo que deveria se perpetuar. Acho bastante possível que no longo prazo o lulismo produza defensores da imagem de Lula à esquerda e à direita.
A exemplo do que aconteceu com Perón na Argentina?
Exato. Não seria algo inédito na história política latino-americana.
E agora, como fica o lulismo?
O problema fundamental do lulismo é que é basicamente conciliador, mas a sociedade está altamente polarizada desde 2013. Ele poderia se apresentar como grande fiador da reconciliação nacional, mas essa possibilidade já passou, não existe mais. Há um grande grau de polarização da sociedade brasileira atualmente. Até os adversários não estão conseguindo viabilizar ao centro. A candidatura que está em segundo lugar nas pesquisas é a do Bolsonaro, que polariza ainda mais.
O PT ainda continua sendo um partido hegemônico mesmo com a prisão?
Aí tem várias questões: apoiar outro candidato nas eleições presidenciais é difícil porque o PT é o maior partido da esquerda. É uma questão de sobrevivência institucional, mas vai depender de qual candidato indicar. Hegemônico no curto prazo não vai ser. Sem Lula é muito difícil que ganhe eleições presidenciais. Outra questão é a sobrevivência do partido. Ele sobrevive. Caiu a 8% de aprovação em 2016, mas subiu para 20% este ano – porque o governo Temer é muito impopular e o PT lidera a oposição.
Acha impossível o PT abrir mão de candidato próprio para apoiar, por exemplo, o Ciro Gomes (PDT)?
Não é impossível. Mas o PT é muito grande para não ter candidato, depende dele para ter alianças nas disputas regionais. E o Ciro perdeu várias oportunidades de se aproximar do eleitorado petista. Deu declarações quase contrárias ao Lula quando ele foi condenado no TRF-4, deixou a impressão de que estava torcendo para ele não ser candidato. Embora possa herdar um pouco do eleitorado petista, vai ter muita dificuldade com as bases do partido.
Qual é o impacto da prisão para a esquerda? A configuração do campo político pode mudar?
É um momento de transição bastante indefinido. Guilherme Boulos (PSOL) representa a possibilidade de criação de um novo partido a médio, longo prazo. Não vai ser relevante este ano. Acho que a esquerda já passou do momento de discutir a corrupção – a população já absorveu, desconfia de todos os partidos. O que falta são novas ideias e uma concepção do que fazer com o Estado brasileiro.
É possível retomar a visão de Estado que Lula apresentou em 2002 e marcou seu governo?
O Lula certamente pensa na hipótese de uma reconciliação nacional, a maioria do PT pensa nisso. Mas acho que tanto o sistema político quanto a sociedade não estão absorvendo mais o PT como portador da conciliação. E outros grupos estão indo mais para a esquerda, radicalizando, mas não consigo dizer se é consciente ou se é fruto do momento do País.
Essa radicalização prejudica a esquerda eleitoralmente?
Prejudica tanto a esquerda quanto o centro, porque os candidatos que querem ficar no centro ou centro-esquerda, de defesa de um certo legado petista nas políticas sociais, também têm que contemplar os críticos da corrupção. Não sei qual candidato e qual força política vão conseguir.