TV Cultura admite que Roda Viva era político-partidário
O programa Roda Viva, da TV Cultura, atravessou a primeira década e meia do século XXI como um programa de entrevistas do PSDB e de direta, levado a cabo por pessoas brancas e de classe média alta. Com o mediador Augusto Nunes, o viés político-ideológico do programa era escandaloso. Agora, o Roda Viva muda enquanto admite seu suposto ex-partidarismo
O programa de entrevistas Roda Viva, no ar na TV Cultura desde 1986, sinaliza mudanças em curso que vão além da figura do âncora.
Após cinco anos com Augusto Nunes na bancada, a direção da emissora ligada ao governo paulista disse querer retomar o tom pluralista da atração e contratou o jornalista Ricardo Lessa no mês passado.
O objetivo do 13º âncora do programa é alternar perfis ideológicos de entrevistadores e entrevistados e garantir a presença de negros e mulheres em cena. Busca-se ainda aproximar mais os debates dos assuntos do noticiário.
A estratégia tem surtido efeito nas redes sociais, mas não na audiência na TV. A entrevista com o presidenciável Guilherme Boulos (PSOL) rendeu 0,5 ponto na Grande São Paulo no Ibope (o equivalente a quase 35 mil domicílios), mesmo índice médio do programa sob Ricardo Lessa.
O recorde dos últimos 18 anos é a edição de despedida de Nunes, com uma entrevista do juiz Sergio Moro: 3,8 pontos. Desde 2002, a média anual só ultrapassou 1 ponto no Ibope em 2013 e 2014, anos de forte turbulência política.
O orçamento da Fundação Padre Anchieta, que gere a emissora, também caiu. Houve corte de 23,7% de verba, em valores nominais, de 2014 a 2018 —passou de R$ 205,1 milhões para R$ 156,5 milhões.
A estratégia, a despeito da tesoura orçamentária, é sacudir a lista de entrevistados. A repetição de nomes, habitual na gestão de Nunes, deu inicialmente lugar a convidados inéditos —o ativista Celso Athayde e Boulos. Mas o repeteco voltou a dar as caras.
A exemplo, a presidenciável Marina Silva (Rede) em 30/4 e o ministro da Segurança, Raul Jungmann nesta segunda (14). Este esteve no programa há pouco mais de um ano e volta agora a propósito da intervenção federal no Rio.
Na bancada de entrevistadores, havia só um representante de grandes veículos da imprensa —Chico Otávio, de O Globo. Estava acompanhado de fundadores de ONGs, um escritor e um repórter especial de um site jornalístico.
A nova política está ligada a mudanças na composição do conselho da fundação, formado por representantes do governo e da sociedade civil. Nunes, que não quis comentar à Folha sua saída, era ligado ao diretor-presidente da entidade, Marcos Mendonça.
O principal crítico interno à condução do jornalismo da emissora é Jorge da Cunha Lima, ex-presidente da fundação e do próprio conselho, do qual é membro vitalício.
Nunes chegou a se queixar das intervenções dessa instância na pauta e não reagiu bem às tentativas de mudanças.
O antecessor Mario Sergio Conti (jornalista e colunista da Folha) também sofreu intervenções. Ele deixou o posto após ter uma entrevista com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso desmarcada a pedido de Mendonça. À época, ele remarcou e bancou a realização, mas foi dispensado.
Na ocasião, Mendonça negou intervenção e criticou o salário do então âncora. “Ele ganhava mais que eu.” Ouviu em resposta: “Mas eu mereço, não mereço?” Conti havia sido contratado pela gestão anterior, de João Sayad.
“Antes, o Roda Viva punha uns caras ali pra bater. Talvez a gente não venha mais com esse espírito, mas não pode deixar o cara sentar ali e ficar reinando, como estava acontecendo, diante de uma bancada de amigos”, afirmou Ricardo Taira, coordenador-geral de jornalismo da Cultura.
Para ele, a emissora não deveria ter medo de opinião. O que não significa fazer da roda um ringue. Em quase 32 anos, há um caso em que entrevistado e entrevistador quase brigaram fisicamente —o jornalista Rui Xavier e o ex-governador Orestes Quércia em 1994.
Com informações da Folha