Debate sobre “ditadura da toga” no STF
Jornalistas e especialistas criticaram a “censura da toga” e sugeriram menos intervenção do Judiciário no combate às fake news durante evento realizado nesta segunda (11) no Supremo Tribunal Federal pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O evento “30 Anos sem Censura: A Constituição de 1988 e a Liberdade de Imprensa” tratou de temas como a liberdade de expressão e de imprensa, novas e velhas formas de censura e notícias falsas disseminadas pela internet, e teve participação da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia.
“Sem a imprensa livre a Justiça não funciona bem, o Estado não funciona bem”, disse Cármen na abertura do seminário.
O episódio mais citado pelos debatedores como exemplo de nova forma de censura se deu contra a jornalista Elvira Lobato, que respondeu a uma série de ações ajuizadas ao mesmo tempo por fiéis da Igreja Universal em diferentes partes do Brasil. Eles alegaram ter sido ofendidos por uma reportagem.
À época, ela era repórter da Folha e teve que viajar pelo país para comparecer às dezenas de audiências judiciais, o que atrapalhou seu trabalho. Segundo a advogada Taís Gasparian, que advoga para a Folha e defendeu Elvira, as causas foram ganhas e a Justiça reconheceu haver litigância de má-fé com o propósito de intimidar.
“Foi realmente uma orquestração, um assédio judicial, como passou a ser chamado esse tipo de ação”, disse Gasparian. Para ela, as novas formas de censura operam com o embaraço, o constrangimento e a coação dos repórteres.
“Essa ‘censura da toga’ talvez seja hoje o maior tormento de quem trabalha em Redação”, disse o jornalista da Record Domingos Meirelles, representante da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) no evento.
No mesmo sentido, o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que é jornalista e advogado, se queixou das altas indenizações cobradas de repórteres por figuras e autoridades públicas que dizem ter sido alvo de injúria em reportagens.
“Como é que alguém que se habilitou para ser uma autoridade pública pode se declarar injuriado?”, questionou. Para ele, os jornalistas deveriam gozar das mesmas imunidades que os advogados quando exercem a defesa de seus clientes –ser imunes a processos por suposta injúria.
Outro caso lembrado foi o do repórter Allan de Abreu, do Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP). Um juiz chegou a quebrar o sigilo telefônico dele e do jornal para descobrir as fontes de suas reportagens –medida depois revertida pelo Supremo.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, afirmou que a garantia do sigilo da fonte é imprescindível para o jornalismo investigativo. “Para os males da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, mais liberdade de imprensa e de expressão se impõe”, disse.
Representante da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e superintendente da empresa Folha da Manhã, que edita a Folha, Judith Brito afirmou que, com a Constituição de 1988, o legislador optou por proibir qualquer tipo de censura prévia. Eventuais responsabilidades por crimes contra a honra devem ser apuradas após a publicação da notícia, disse.
Prevaleceu também entre os jornalistas que participaram do evento o entendimento de que as fake news devem ser combatidas com o esclarecimento dos leitores e com o exercício do jornalismo profissional, sob pena de os juízes, se entrarem numa cruzada, reinstalarem a censura ou tirarem do ar conteúdos que têm veracidade.
“Eu acho que a Justiça deveria esquecer esse assunto [de fake news]. O risco de tirar uma notícia verdadeira é muito grande. A censura é ruim, e a judicial, togada, é muito pior”, disse o jornalista e advogado Miguel Matos.
Para ele, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que tem criado mecanismos para combater notícias falsas nas eleições, deveria se ater apenas à fiscalização das contas dos candidatos –um caminho, segundo ele, para punir quem tiver disseminado fake news, uma vez que elas têm custo para serem produzidas.
“Tendo a concordar que essa cruzada é invencível”, disse o jornalista Felipe Recondo, do site jurídico Jota. “Fake news são um carimbo bastante útil para políticos usarem contra notícias que os desagradem”, disse, citando o expediente usado pelo presidente norte-americano Donald Trump, que acusa a imprensa de mentir.
Já o pesquisador Fabro Steibel, que estuda fake news e os “bots”, robôs que as espalham, disse que o TSE pode criar mecanismos de participação dos eleitores para denunciar conteúdos supostamente falsos –criando, por exemplo, um botão de denúncia nos sites que se comunique diretamente com a corte.
“Talvez as fake news prosperem porque alguém te diz aquilo que você quer ouvir”, observou Cármen Lúcia no encerramento seminário.