Direita traz de volta crise cambial ao Brasil
Após um dia de pânico nesta quinta-feira (7) nos negócios no Brasil com Bolsa, juros e câmbio, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, disse que intervirá no mercado vendendo US$ 20 bilhões até o fim da próxima semana para conter a disparada do dólar e usará todos os recursos disponíveis caso a volatilidade cambial se agrave.
Logo após a abertura dos negócios, sem que ninguém conseguisse explicar o porquê, o mercado entrou no “modo desespero”, como descreveu um analista: o dólar disparava rumo aos R$ 4, a Bolsa despencava mais de 6% e os juros de prazo curto precificavam até mesmo uma reunião extraordinária do Copom (Comitê de Política Monetária) para uma elevação das taxas.
Ao longo do dia, sem que também houvesse novidades, os ativos se recuperaram um pouco: o dólar, que chegou a bater R$ 3,968 (+3%), fechou em alta de 2,24%, cotado a R$ 3,925, maior nível, em valores nominais, desde 1º de março de 2016 (R$ 3,942).
A Bolsa brasileira registrou forte queda. O Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas, recuou 2,98%, para 73.851,47 pontos, no menor nível desde 20 de dezembro do ano passado. Das 67 ações do índice, 64 caíram —subiram apenas Embraer (+1,94%) e Telefônica (+0,96%).
O Tesouro Nacional chegou a suspender as negociações de títulos públicos às 9h48 pela volatilidade das taxas de juros. Retomou por volta de 12h, mas suspendeu novamente às 12h40 e anunciou que só retorna às 9h30 desta sexta (8).
Encerrados os pregões, Ilan convocou jornalistas para apresentar esclarecimentos sobre ações do BC e tentar levar um pouco de tranquilidade ao mercado.
Ele disse que o BC está disposto a usar todos os mecanismos de que dispõe (swaps, operações de linha e reservas) para suavizar a volatilidade.
Afirmou também que, no caso dos swaps, pode ir além do que o BC foi nos picos de 2015 e 2016. E repetiu que a relação entre câmbio e inflação não é mecânica —sinalizando que uma elevação dos juros não está no horizonte de curto prazo.
Para tentar conter a disparada da moeda americana na quinta, o BC já havia colocado uma oferta adicional de até 40 mil novos swaps cambiais tradicionais, equivalentes à venda futura de dólares, totalizando US$ 2 bilhões.
Mais cedo, já havia vendido todo o lote que vem ofertando de até 15 mil novos swaps (US$ 750 milhões). Vendeu integralmente também os 8.800 swaps para rolagem do vencimento de julho, somando US$ 2,2 bilhões do total de US$ 8,762 bilhões que vencem no próximo mês.
Em comunicado divulgado em meados de maio, quando iniciou as ofertas de 15 mil contratos, a autoridade monetária já havia indicado que poderia realizar atuações adicionais como a de hoje a qualquer momento, se necessário.
Nesta terça (5), por exemplo, colocou 30 mil contratos adicionais, dos quais vendeu 16,2 mil. Logo depois, anunciou segunda operação, para ofertar o restante (13,8 mil), mas só vendeu 6.110 contratos.
Além de Ilan, o presidente Michel Temer disse nesta quinta ao programa Nos Corredores do Poder, da TV Brasil, que o governo tem todas as condições para enfrentar a alta do dólar. “Não há risco de crise cambial no Brasil”, disse.
Analistas avaliam que investidores podem estar testando o BC para ver até onde ele consegue segurar o câmbio com swaps e, assim, pressionar por intervenções ainda mais fortes, como leilões de linha —quando o BC vende dólar à vista, mas com compromisso de recompra.
“Alguns ‘players’ do mercado dizem que o BC precisa começar a agir com mais força, inclusive elevando juros”, afirma Bruno Foresti, gerente de câmbio do banco Ourinvest.
A situação cambial do Brasil se deteriora conforme as eleições de outubro se aproximam e pesquisas de intenção de voto não comprovam o avanço de candidatos considerados pelo mercado como comprometidos com o ajuste fiscal.
Incertezas no front político nacional afastam investidores, ao mesmo tempo em que expectativas de alta de juros nos Estados Unidos atraem fluxo de capital até então alocado em países emergentes para a economia americana, mais sólida e menos arriscada.
O Federal Reserve (o banco central americano) fará nova decisão sobre juros na próxima semana, e a projeção dos especialistas é de alta.
Das 31 principais divisas do mundo, 17 perdem para o dólar nesta quinta, incluindo o rand sul-africano (-1,94%), o rublo russo (-1%) e o peso mexicano (-0,78%).
O quadro brasileiro piorou também após a paralisação dos caminhoneiros. Investidores temem o reflexo do movimento na produção e na inflação —o IPCA de maio será divulgado nesta sexta (8), e o mercado vê uma taxa de 0,29%—, bem como o impacto que as medidas do governo para subsidiar o diesel podem ter nas contas públicas.
“Foi uma tempestade perfeita: externamente uma situação pior e internamente menores condições de identificar o que vai acontecer nas eleições”, disse Leandro Ruschel, do Grupo L&S.
O swap (“troca”, em inglês) é uma operação para liquidação em data futura que promove a troca de taxas ou rentabilidade de ativos financeiros entre agentes econômicos.
Um swap tem sempre duas pontas, uma que aposta na variação dos juros (compradora) e outra que aposta na variação do dólar (vendedora).
Normalmente, o Banco Central assume a ponta compradora e os investidores assumem a ponta vendedora.
No fim do prazo do contrato, o BC recebe a variação de juros (taxa Selic) durante o período em que vigorou o contrato e paga ao investidor a variação do dólar ocorrida no mesmo período, além de uma taxa de remuneração com base anual (“cupom cambial”).
Ou seja, quem vende esse contrato fica protegido caso a cotação do dólar aumente, mas tem de pagar a taxa Selic para o comprador, no caso o BC.
“É como se o Banco Central dissesse que vai fazer uma operação e, no futuro, o investidor poderá comprar dólar a R$ 3,50. Se no futuro o dólar estiver mais baixo, o BC ganha, porque continua recebendo os R$ 3,50. Se o dólar sobe, no entanto, o banco perde”, explica Joelson Sampaio, professor da FGV EESP (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas). .
O objetivo dessas operações é oferecer hedge cambial —proteção contra variações excessivas da moeda americana em relação ao real— e liquidez ao mercado de câmbio.
“Geralmente, quando o Banco Central faz essas operações, ele não está buscando ganhar, por isso, no final, ele costuma perder. O que ele quer mais é trazer equilíbrio para o mercado”, acrescenta Sampaio.
Desde a última sexta (1º), o estoque de swaps em circulação no Brasil aumentou 13,5% e, desde o final de abril, 44,5%.
Em US$ 34,4 bilhões, no entanto, eles ainda são apenas um terço do que foram em seu pico, durante a crise política de 2015 e 2016 que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff.
O estoque de swap cambial encerrou 2017 com US$ 23,8 bilhões. Em 2016, era de US$ 26,6 bilhões, enquanto no final de 2015, de US$ 108,1 bilhões.
As reservas cambiais brasileiras seguem estáveis em quase US$ 382 bilhões e demonstram que o país tem folga se comparado a outros países emergentes que também passam por estresse cambial. Na Argentina, por exemplo, a reserva era de pouco mais de US$ 50 bilhões em abril.
“Estamos em condições melhores do que Argentina e Turquia, por exemplo, mas essa situação está se deteriorando. As últimas semanas mostram que talvez a gente esteja começando a entrar no mesmo grupo que eles”, diz Sampaio.
André Perfeito, economista-chefe da Spinelli Corretora, observa que o Brasil pode estar sofrendo um ataque especulativo —quando um conjunto de investidores decide apostar na desvalorização da moeda de um país.
“Eles acreditam que o ativo tem que ir para um determinado patamar, o mercado força para isso. O governo pode jogar esse jogo de várias formas. Pode fazer os swaps e tentar dizer ‘calma’. Mas uma hora também o mercado vai perceber que o Brasil tem uma grande reserva de dólares e um superávit comercial grande, ou seja, a moeda não deve explodir”, diz Perfeito.
Com informações da Folha