Mãe PM que matou assaltante promove culto à morte
A pastora da Assembleia de Deus que frequenta já lhe havia dado a letra: “Você vai ficar conhecida”. Katia Sastre, 42, só não imaginava que seria por apertar o gatilho.
A cabo da Polícia Militar conta ter orado pela família de Elivelton Neves Moreira, 21. Matou-o após ele sacar seu revólver calibre 38 e anunciar um roubo na porta da escola da filha de 7 anos de Katia, no domingo de Dia das Mães, em Suzano (Grande São Paulo).
Lá pela uma da manhã, Katia diz que alguém da equipe do governador Márcio França (PSB) telefonou: ele queria homenageá-la na segunda-feira.
Do pré-candidato à reeleição ganhou flores. Já o episódio todo lhe rendeu aplausos, daqueles que exaltaram a reação ligeira da PM de folga, e críticas, de quem viu ali uma ode à letalidade policial.
Passadas três semanas, a PM recebeu a Folha no batalhão onde trabalha na área administrativa, na zona leste paulistana. Um oficial passa e se desculpa: na correria, não deu tempo de lhe dar parabéns, mas ficou feliz em saber que ela pode “representar as mulheres” na Câmara dos Deputados. A visão feminina “é mais ampla” e “isso é top”, diz a uma das 19 mulheres num batalhão com 300 homens.
Após o episódio que lhe trouxe fama, por lá pululam menções a uma eventual a carreira política da cabo Katia.
“[Deputada] federal, né?”, pergunta um. Ela acena. Também explica que a legislação eleitoral não exige que o militar da ativa de olho num cargo eletivo siga o prazo dado aos demais candidatos para se filiar a um partido, 7 de abril.
O militar pode registrar a candidatura após ter seu nome escolhido numa convenção partidária —as de 2018 vão de 20 de julho a 5 de agosto.
A filha de um PM mineiro e uma professora paulista diz que ainda não decidiu qual sigla chamar de sua. Ainda avalia se Brasília é ou não para ela. Esteve com Valdemar Costa Neto, líder do PR, na semana passada. A legenda dá como certo lançá-la à Câmara.
Também foi convidada a entrar no PSL de Jair Bolsonaro, “uma ótima pessoa” a quem diz admirar. Juntos gravaram um vídeo no Congresso. “O que sonhamos aqui, Katia, é fazer com que o policial —não apenas o policial, um cidadão de bem também—, ao agir em situação semelhante à sua, tenha garantia de que foi legítima defesa, não tenha punição”, diz o presidenciável.
Ela ri quando Bolsonaro repete uma de suas frases de efeito: uma “pistola na bolsa protege muito mais a mulher do que a Lei do Feminicídio”.
Outras inspirações políticas citadas pela PM são do PR: os deputados Tiririca, que lhe parece um cara honesto, e Capitão Augusto, PM como ela.
Se não crava para onde vai, Katia sabe com que vai: Deus. “Se eu realmente me candidatar, Ele tem a ver com isso.” E reforça: “Não esqueça de colocar que tudo isso é a mão de Deus, é pela honra de Deus”.
Katia sorri ao saber que a Câmara tem um culto semanal para parlamentares, às quartas, em um de seus plenários. Seu comandante conta que, na terça seguinte à tentativa de assalto, oficiais do batalhão oraram um Pai Nosso.
Continuam frescas as lembranças de Katia sobre o 12 de maio —Dia das Mães e também da PM Feminina. De manhã, ganhou das filhas de 7 e 2 anos presentes que ela mesma escolheu: “Um sapato meio social, de oncinha, uma camisa preta com pedras na manga e uma bolsa Victor Hugo”.
A mãe tomou café, e a primogênita, Nescau. Ensaiaram no carro uma canção que seria apresentada no colégio logo mais, “Promete”, da Ana Vilela. Diz a letra: “Promete aproveitar cada segundo desse tempo que já passa tão veloz”.
Veloz passou também o tempo que teve para reagir ao rapaz que empunhou a arma e disparou. “Na hora que vi, pensei: ‘Bom, se não tomar uma atitude, vou morrer na frente da minha filha’. E outras crianças podiam morrer.”
Dentro da bolsa nova, Katia levava a arma que tem permissão para portar. “Se ele revistasse e achasse, ia me matar com certeza, eu não teria uma segunda chance”, ela afirma.
A homenagem de França à cabo foi reprovada inclusive na cúpula da PM, que viu nela um incentivo às pessoas reagirem a assaltos —o contrário do que a instituição recomenda. Especialistas em segurança pública, em geral, concordaram que Katia agiu corretamente, dado o contexto.
“Eu que pedi socorro [para o ladrão]. A intenção era paralisar, não executar”, diz a PM.
Críticas à sua conduta não a abalam, diz. “Tive que tomar uma ação em dois segundos. Já as pessoas vão ter uma vida inteira para assistir ao vídeo infinitas vezes e dizer o que eu deveria ter feito.”
Também formada em arquitetura, engenharia de segurança e decoração de interiores, fora o papel de “mãe protetora louca”, ela é PM há duas décadas. Participou de operações nas ruas de 1997 a 2004.
Ela prefere não revelar se já usou a arma antes, em serviço ou fora dele. “Se quiser, fala que eu participei de ocorrências de inúmeras naturezas.”
De uma tem orgulho de falar: o parto que ajudou a realizar numa viatura, conta enquanto a TV do batalhão exibe uma reportagem sobre a socialite Kim Kardashian ter ganhado “27 kg na gravidez”.
Com informações da Folha