Política nacional deslocou-se para Recife no fim de semana
Nos últimos três dias, o Recife se tornou o termômetro dos candidatos para medir a temperatura de suas campanhas junto aos eleitores nordestinos. O Estado mais lulista do país recebeu um dia após o outro, desde sexta-feira, Geraldo Alckmin, o candidato tucano que mesmo com o maior tempo de TV não consegue decolar nas pesquisas; Fernando Haddad, o herdeiro político de Lula que precisa continuar subindo para se consolidar no segundo turno; e Ciro Gomes, o pedetista que tenta segurar seus votos na região, que arriscam migrar para o PT. Numa eleição tão acirrada, conquistar o Nordeste, com 26,6% do eleitorado e órfão de Luiz Inácio Lula da Silva, tornou-se ainda mais essencial.
A quinze dias da eleição, Haddad e Ciro estão tecnicamente empatados no segundo lugar, com 16% e 13%, respectivamente, segundo o último Datafolha. O Nordeste é a única região onde o petista lidera a corrida, com 26% das intenções de voto, na frente de Ciro (17%) e Bolsonaro (17%). Reduzindo o recorte, em Pernambuco o petista também está na frente, com 24% das intenções de voto, seguido de Bolsonaro (17%) e Ciro (13%). Mas o mesmo não ocorre na capital: no Recife, Bolsonaro lidera a pesquisa (com 23%), na frente de Haddad (17%) e Marina Silva (12%).
Na disputa para chegar ao segundo turno, Ciro Gomes tenta se equilibrar na tênue linha entre desconstruir Haddad, e, ao mesmo tempo, não poder se voltar contra o ex-presidente Lula. Precisa se afastar do PT para conquistar os votos descontentes com o partido, mas não pode ir longe demais, para não arriscar perder sua própria base fiel, construída durante décadas no Ceará com a proximidade do ex-presidente. “Se Lula fosse candidato, muito provavelmente mais cedo ou mais tarde a gente estava entendido”, afirmou Ciro, neste domingo. “Todas as eleições de Lula de 16 anos para cá eu votei nele. Já zangado com as contradições da Dilma, votei nela, e votei contra o impeachment”, afirmou.
Mas, na sequência, se colocou a disparar contra Haddad, a quem acusou de conhecer pouco o Nordeste. Lembrou ainda, em seu palanque, que o candidato petista não conseguiu, sequer, vencer a reeleição para a Prefeitura de São Paulo, em 2016, perdendo a disputa no primeiro turno para João Doria (PSDB), qualificado por Ciro de “farsante”. “Vocês acham que alguém que acabou de perder as eleições em São Paulo em todas as urnas será uma boa resposta para a gente emancipar o Nordeste?”, perguntou, a um público de militantes essencialmente jovens. Conhecendo a vaidade do pernambucano, Ciro afirmou que é nesse Estado onde se forma “a opinião política do Nordeste brasileiro”. “Nosso povo nem sabe quem é o Andrade“, referindo-se ao apelido que o presidenciável petista ganhou por eleitores que desconhecem seu sobrenome, de origem libanesa.
Em comum com Haddad, trouxe as críticas que resvalam em Jair Bolsonaro (PSL), primeiro colocado na disputa. Chamou o vice dele, general Hamilton Mourão, de “jumento de carga”. “Mourão, tu aí, vice do Bolsonaro, tu é um jumento de carga”, disse. “Não dá para deixar por menos não. Elogiar um vagabundo como esse Brilhante Ustra, que torturava mulheres diante de suas filhas crianças, é um doente mental e tem que ser denunciado com todo o deboche possível”. A ausência de Bolsonaro na campanha de rua desde o último dia 6, quando sofreu uma facada, fez com que sua militância se mobilizasse para mostrar seu apoio em atos sem a presença dele. Neste domingo em Boa Viagem, grupos como o Direita Pernambuco organizaram uma marcha da família com Bolsonaro, que levou centenas de pessoas para às ruas da zona Sul da cidade.
Em seu discurso no dia anterior, Haddad também lembrou do vice do capitão, que nos últimos dias criou polêmica ao afirmar que famílias sem pai ou avô são “fábricas de elementos desajustados”. “Um recado para o nosso amigo ali: se a mulher cria os filhos sozinha, ela vai receber mais atenção da gente e não menos. Se a avó cuida do neto sozinha, ela vai receber o carinho do Lula de novo”, disse.
Haddad retornou ao Nordeste pela primeira vez desde que foi consolidado como candidato oficial do PT, após o partido ter que substituir Lula como cabeça de chapa, já que o ex-presidente tornou-se inelegível. Voltou também em uma situação eleitoral mais favorável: foi o candidato que mais subiu nas pesquisas no período da campanha, um indicativo de que a transferência dos votos de Lula para ele começaram a acontecer. Talvez por isso parecesse mais à vontade do que quando esteve, no início do mês, em um ato em Garanhuns. Para tentar se aproximar dos eleitores da região, usou gírias locais como “cabra”, ao se referir a outra pessoa, e incorporou um discurso pacificador, em meio a uma disputa que segue para a polarização entre petistas e antipetistas. “Não vamos admitir violência, não vamos admitir intolerância porque não é a nossa cultura”.
Após uma caminhada com milhares de militantes petistas e do PSB —com o qual o PT é coligado no Estado— o candidato discursou com um tom otimista. “O Nordeste já é festa. O Nordeste já sabe o resultado da eleição”, disse. Mas envolveu-se em uma saia justa quando a plateia, de apoiadores petistas, vaiou sonoramente sua menção a Renata Campos (PSB), viúva de Eduardo Campos, e a João Campos (PSB), filho de Eduardo e candidato a deputado federal, ambos ao lado dele no palco. O Governador Paulo Câmara (PSB) e sua vice, Luciana Santos (PCdoB) também foram vaiados ao discursarem. Uma amostra de que a militância petista ainda não perdoou a decisão do partido em abrir mão da candidatura ao Governo do Estado de Marília Arraes para apoiar a reeleição de Câmara e, em troca, manter o PSB neutro na eleição nacional, sufocando a candidatura de Ciro Gomes, que acabou isolado.
Sabendo do descontentamento de parte dos eleitores do PT com o episódio, Ciro, no dia seguinte, usou o fato como parte da sua artilharia. “Paulo Câmara vota a favor do impeachment, e a burocracia do PT tira a Marília Arraes na marra. Por qual razão? Para não deixar eu ter o apoio do PSB, que me daria 12 segundos só pra eu falar?”, diz, se referindo ao tempo a mais de televisão que teria se tivesse se aliado aos socialistas. “Que diabo eu tenho pra dizer que esse povo não quer que eu diga?”.
Liderando as pesquisas na região Nordeste, Haddad aproveitou a ida à capital pernambucana para consolidar seu eleitorado que, se de fato for fiel ao PT nas urnas, pode ser crucial para levá-lo ao segundo turno. Em sua agenda, ainda está prevista mais uma vinda a Pernambuco antes do primeiro turno, em a cidade ainda a ser confirmada.
Já o tucano Geraldo Alckmin, que garantiu uma grande base de apoio partidária no país, mas não tem palanques fortes no Nordeste, chegou ao Recife, na sexta-feira, com o desafio de angariar algo a mais que os 7% das intenções de voto que conseguiu até agora. O tucano fora recebido por Mendonça Filho (DEM), candidato a senador por sua chapa estadual e ex-ministro da Educação de Temer. Um palanque um tanto desconfortável, já que o Governo Temer tem sido alvo de diversas críticas por parte de Alckmin que, inclusive, suscitaram a publicação de um vídeo feito pelo próprio presidente que acusa o tucano de dizer “falsidades”. Questionado sobre a contradição, o presidenciável se limitou a dizer que Mendonça Filho “foi um grande ministro” e enalteceu sua maior conquista: ter realizado a reforma do Ensino Médio.
Sem a presença de militantes, a visita de Alckmin teve na agenda uma entrevista a uma rádio local e um encontro com a União das Mães de Anjos, entidade criada por mães que tiveram filhos com microcefalia. Não teve ao seu lado, entretanto, Armando Monteiro, candidato ao Governo do Estado para quem Alckmin deu seu apoio —Monteiro usa em sua campanha uma estrela laranja, uma espécie de adaptação da estrela vermelha símbolo do PT.
O tucano fez um breve discurso de cerca de dez minutos, falou com a imprensa e seguiu para Salvador. Desde que a campanha começou oficialmente, em 16 de agosto, ele esteve na região Nordeste somente três vezes, passando por Petrolina (PE), cidades do Ceará e Natal (RN). Não comentou as pesquisas e disse que “o importante é chegar no segundo turno”.
Do El País.