Bolsonaro quer criar a República do Whats App
Conjur
O WhatsApp não deve ser só a peça mais importante da campanha do candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL). Caso eleito, ele deve transformar o aplicativo em uma de suas principais ferramentas de governo e de comunicação.
Seus assessores e conselheiros gostaram bastante da ideia de criar um programa de governo para distribuir celulares com acesso à internet para a população de baixa renda.
A ideia é do estrategista político Arick Wierson, famoso por ter trabalhado na campanha vitoriosa de Michael Bloomberg ao governo de Nova York, nos Estados Unidos. O programa, que vem sendo apelidado de Cidadania Digital, seria uma forma de Bolsonaro se comunicar diretamente com as pessoas, sem passar por órgãos de imprensa, que ele já declarou inimigos.
Wierson cogita um programa de distribuição direta ou, se não for possível, por meio de contratos com as operadoras de telecomunicações. A exemplo do esquema de compra de disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp revelado pela Folha de S.Paulo esta semana, essa será uma forma de Bolsonaro criar apoio a suas propostas ou ideias, mesmo que elas encontrem resistência no Congresso ou no Judiciário.
Os EUA, aliás, já mostraram as possibilidades de um programa do tipo. Segundo informações da agência Reuters, o governo americano começou a testar um serviço de disparo de mensagens de “alerta presidencial” para celulares. De acordo com a agência, metade dos números de celular de uma região do país receberam a mensagem, por SMS.
Pacote de dados
Bolsonaro é um político atento ao WhatsApp e a redes sociais. Em 2017, ainda deputado, propôs dois projetos relacionados ao aplicativo. O mais importante é uma proposta de emenda à Constituição que só permite o bloqueio de acesso por decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal. O outro é um projeto de lei para proibir a venda de pacotes de internet fixa com limite de dados, “de forma que o escalonamento de preços se dará exclusivamente com a velocidade de conexão”.
A PEC já teve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara – que analisa apenas a tecnicidade do projeto, sem discutir o mérito. E se parece com uma ADPF ajuizada no Supremo pelo PPS pedindo que fossem restritas as possibilidades de bloqueio do WhatsApp.
A ação foi apresentada como resposta às repetidas suspensões de acesso ao aplicativo por juízes federais, sempre para dar andamento a inquéritos policiais.
O relator da ação é o ministro Luiz Edson Fachin, que concedeu o pedido de liminar. Mas tanto a PF quanto a Procuradoria-Geral da República são a favor da possibilidade de bloqueio. Os órgãos, inclusive, tocam investigações para desvendar o “esquema industrial” de disparo de desinformação por pessoas e empresas ligadas a Bolsonaro pelo WhatsApp.
Marco Civil
Bolsonaro foi dos poucos deputados a votar contra o Marco Civil da Internet, uma lei que reúne as responsabilidades e direitos dos usuários da internet. A lei foi aprovada em abril de 2014. Na época da discussão, Bolsonaro se disse a favor do “vale tudo” das redes sociais.
O deputado se opunha especialmente à Seção I do Capítulo III da lei. É a parte em que o Marco Civil descreve a chamada “neutralidade da rede”, princípio segundo o qual provedores de acesso à internet não podem vender pacotes diferenciados de acordo com os serviços usados por cada internauta. É proibido, por exemplo, cobrar mais caro de quem usa serviços que demandam mais da conexão, como o Netflix ou o WhasApp.
E hoje, um dos principais modelos de negócio das operadoras de telecom para clientes de baixa renda é o acesso gratuito ao WhatsApp. Ou seja, o aplicativo não gasta dados de quem assina esse tipo de pacote. Há dúvidas sobre a legalidade desse modelo, mas ainda não houve judicialização.
Mangueira de falsidades
De acordo com a Folha de S.Paulo, empresas que apoiam Bolsonaro contrataram serviços de disparo em massa de mensagens para apoiá-lo. Esse serviço é prestado por outras empresas, que enviam as mensagens para bases de dados indicadas pelos clientes ou para bases compradas junto a redes sociais, especialmente o Facebook – dono do WhatsApp.
O Tribunal Superior Eleitoral abriu, na sexta-feira (19/10), ação de investigação para apurar as informações da reportagem, a pedido do PT. O candidato do partido, Fernando Haddad, segundo a Folha, é alvo de diversos conjuntos de mensagens.
Esse tipo de estratégia não é banal e nem singela. Em artigo publicado em 2016 pela consultoria Rand Corporation, os analistas Christopher Paul e Miriam Matheus analisam um tipo de propaganda política que chamaram de Firehose of Falsehood, em inglês. Firehosing é uma expressão metafórica em inglês que significa inundar uma ideia com tantos argumentos que o autor dela fica impossibilitado de responder – tal qual uma mangueira de bombeiro, firehose.
Paul e Matheus falam da propaganda do presidente da Rússia, Vladimir Putin, sobre a invasão da Crimeia. Enquanto a imprensa local divulgava imagens e fotos da invasão da região por tropas russas, Putin ia a público negar as informações, atribuindo a invasão a milícias privadas, acusando a mídia de mentir.
Os analistas políticos chegaram à conclusão de que esse tipo de postura é uma inundação de informações desencontradas, quase nunca verdadeiras, difíceis de checar e, acima de tudo, em massa e multiplataforma. Foi o que chamaram de mangueira de falsidades, firehose of falsehood.
Detectaram que esse tipo de propaganda tem quatro características: em grande quantidade e multiplaforma; rápida, contínua e repetitiva; sem qualquer compromisso com a realidade; e sem qualquer compromisso com consistência.
Eficiência
No artigo, os dois analistas investigam a eficiência desse tipo de propaganda. Explicam que as pessoas tendem a se preocupar menos com a fonte de informações que elas já desconfiam ser verdade, e o fato de as informações serem divulgadas em diversas plataformas ao mesmo tempo, por mais que tenham a mesma fonte, ganham uma “presunção de verdade”.
Passa a ser uma ferramenta política bastante eficiente, e não apenas uma tese de marketing, afirmam os autores do texto.
Em artigo na revista The New York Review of Books, a jornalista Masha Gessen, nascida na União Soviética e radicada nos EUA, afirma que o maior objetivo desse tipo de propaganda não é mentir, “é falar o que se quer sobre qualquer coisa”. Autora de dois livros sobre Putin e outros tantos sobre governos autoritários, ela identifica todos elementos do artigo de Paul e Matheus na propaganda política de Donald Trump, presidente do EUA.
Em agosto deste ano, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), divulgou em seu Twitter ter se acertado com Steve Bannon, responsável pela estratégia digital da campanha de Donald Trump. Bannon hoje mora na Bélgica, onde trabalha para implantar uma “faculdade” cujos objetivos são espalhar pelo mundo teses nacionalistas da extrema direita e “juntar forças para combater a doutrinação intelectual, especialmente do marxismo cultural”, como escreveu Bolsonaro, o filho, em seu Twitter.