Bolsonaro sugere “fim do ativismo” no Brasil (ou seria dos ativistas?)
Na noite de domingo, ao ficar claro que teria de encarar o segundo turno contra Fernando Haddad, Jair Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo pela internet em que pronunciou a declaração mais intimidadora da sua campanha: “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”.
Lembrei-me de muitos ativismos, em particular de um dos mais arraigados, o dos trabalhadores que pelejam para preservar antigas conquistas e arrancar novas. “Ponto final” sugere repressão. Ou, pior, extermínio. Uma “solução final” para os ativistas?
Ao lado do deputado sentava-se o economista que ele denomina “Posto Ipiranga” – Paulo Guedes, um alegado sábio com solução até para o dilema do ovo e da galinha. O guru é devoto do abandono dos mais pobres pelo Estado, que seria um mal mais ameaçador do que o Darth Vader, o Lord Voldemort e a Laureta.
No domingo, Guedes permaneceu calado. Antes, propusera acabar com a contribuição patronal para a Previdência. Falou em criar um novo tributonos moldes da CPMF. Bolsonaro afirmou que seu conselheiro econômico cometera “ato falho” ao mencionar a falecida Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.
Na “live” pós-eleição, o vice da chapa presidencial não se sentou ao lado de Bolsonaro. Durante alguns instantes, Hamilton Mourão apareceu em pé no vídeo de 14 minutos, distante da mesa onde o capitão falava. O general tem provocado aborrecimentos ao correligionário devido a uma virtude que nem seu mais figadal inimigo seria capaz de negar: a sinceridade. Enquanto o capitão esconde, o general escancara.
Em tempo de lorotas disseminadas sobretudo por WhatsApp, recomenda-se assistir sem intermediários à opinião de Mourão sobre o 13º salário. Aqui, a íntegra de sua palestra de setembro na Câmara de Dirigentes Lojistas da cidade gaúcha de Uruguaiana. O trecho mais elucidativo:
“Temos algumas jabuticabas que a gente sabe que é [sic] uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras. Décimo terceiro salário. Se a gente arrecada doze, como é que nós pagamos treze? É complicado. E é o único lugar onde a pessoa entra em férias e ganha mais, é aqui no Brasil”.
Preocupado com prejuízos eleitorais, Bolsonaro apressou-se a desautorizar o general: “O 13° salário do trabalhador está previsto no art. 7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por proposta de emenda à Constituição). Criticá-lo, além de uma ofensa a quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição”.
No começo de outubro, Mourão, sujeito sincero, reiterou a convicção sobre o 13º:
“Tem que ter planejamento, entendimento de que é um custo. Na realidade, se você for olhar, seu empregador te paga 1/12 a menos [por mês]. No fim do ano, ele te devolve esse salário. E o governo, o que faz? Aumenta o imposto para pagar o meu. No final das contas, todos saímos prejudicados”.
Bolsonaro citou as garantias constitucionais de 13º salário e adicional de férias (“pelo menos um terço a mais do que o salário normal”). Todavia, se botasse “um ponto final em todos os ativismos do Brasil”, violaria a Carta balzaquiana. Um exemplo: ela assegura a “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Noutras palavras: como confiar em seu compromisso de se submeter à lei? O capitão é um saudosista da ditadura, parida pelo golpe de Estado de 1964, que rasgou a Constituição de 1946. Mourão já admitiu a hipótese de um autogolpe.
Sem ativismos como o sindical, será mais difícil aos brasileiros confrontar o pacote impiedoso que o “Posto Ipiranga” premedita. Em 1946, a Constituinte negou a introdução do 13º, então denominado “abono de Natal”. Os empresários mais parrudos esperneavam contra a ideia, e aos assalariados faltou força para prevalecer. Em 1962, com o ativismo dos trabalhadores em alta, o presidente João Goulart sancionou o que então batizaram legalmente como “gratificação de Natal”.
Ouvi gente duvidando de um bote do general Mourão contra o 13º, porque o general não propôs ao pé da letra o enterro do salário de fim de ano. Não precisava. “Como é que nós pagamos 13 [salários]?”, indagou. Enfatizou: “No final das contas, todos nós saímos prejudicados”. O que um governante faz com o que julga “prejuízo”? Liquida-o.
Nem em 1946, nem nunca: o mesmo empresariado que outrora se opôs ao 13º sonha com sua extinção. Para os exterminadores de direitos, o problema tem sido o “ativismo” em defesa da conquista trabalhista de mais de meio século. Com o “ponto final em todos os ativismos”, logo da liberdade de manifestação e expressão, seriam reprimidos os ativistas sociais, identitários, estudantis, culturais, comunitários, ambientais e muitos outros.
Na segunda-feira, a Bolsa de Valores retratou a euforia de quem tem muito dinheiro e exultou com a liderança de Bolsonaro no primeiro turno: decolou 4,57%. Esse pessoal não é trouxa: tem mesmo bons motivos para celebrar. Terá, no dia 28? Ninguém sabe. O jogo está sendo jogado.