Críticos reprovam aprovação de Moro a Bolsonaro
Dizendo-se “honrado”, o juiz federal de primeira instância Sergio Moro deixou aberta a possibilidade de aceitar um convite para ser ministro da Justiça do ultradireitista Jair Bolsonaro a partir de janeiro próximo ou, em 2020, uma indicação ao Supremo Tribunal Federal.
“Caso efetivado oportunamente o convite, será objeto de ponderada discussão e reflexão”, disse Moro, no habitual juridiquês, em nota que sua assessoria divulgou nesta terça à tarde.
Descrito por quem convive com ele como homem de “timidez quase patológica”, Moro tem sido anormalmente falante em sua relação com o militar reformado. Na segunda, horas após a eleição de Bolsonaro, e sem que ninguém lhe perguntasse nada, o juiz resolveu que era seu dever “congratular” publicamente o presidente eleito.
A mulher dele, a advogada Rosângela Wolff Moro, foi bem mais efusiva. Em dois posts no Instagram, celebrou abertamente a eleição de Bolsonaro. Rosângela e Sergio podem, naturalmente, divergir politicamente – acontece com frequência entre casais.
Mas as redes sociais dela já foram usadas como um canal direto de comunicação de Moro com sua legião de fãs pelo menos uma vez. Não parece estranho supor que, se achasse prudente que seu nome não fosse associado ao do militar de ultradireita, o juiz pedisse à mulher que evitasse a celebração pública.
A sinalização de Moro a Bolsonaro certamente fez a alegria de quem acusa a Lava Jato de ser seletiva e partidarizada – o PT e, em especial, o núcleo duro de Luiz Inácio Lula da Silva.
O raciocínio é óbvio: se aceitar a convocação ministerial (a vaga no STF é algo bem mais distante no horizonte) feita por um político dado a chutar bonecos do ex-presidente em comícios e a se referir a ele como “presidiário”, o juiz dará o sinal definitivo aos críticos de que age mais como acusador que como julgador.
“Creio que o convite é o reconhecimento do trabalho de Sérgio Moro. Quanto à argumentação de que a operação seria maculada, me parece mais fruto da pouca institucionalidade com que esses assuntos são tratados no Brasil. [Isso] não pode comprometer de qualquer forma a operação, pois em nenhum momento teve qualquer influência sobre as decisões [de Moro], já que posterior a elas”, defendeu o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, hoje afastado da Lava Jato, a quem pedi um comentário.
Analistas políticos, porém, são bem mais críticos. No UOL, Josias de Souza avaliou que seria “absurdo” Moro trocar a Justiça Federal do Paraná pela Esplanada dos Ministérios. “O juiz passará o resto da vida explicando por que ladrilhou com pedrinhas de brilhante a avenida que levou Bolsonaro ao Planalto. A Lava Jato jamais será a mesma”, cravou o analista.
Enquanto Moro e Bolsonaro trocam olhares enamorados pela imprensa, o Conselho Nacional de Justiça vem tentando, sem sucesso, botar um freio nas manifestações político-partidárias dos juízes, que explodiram nas eleições presidenciais. Para o CNJ, responsável por fiscalizar a atuação de integrantes do Judiciário, isso inclui “situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partidos políticos”.
O CNJ já abriu nove processos para apurar a conduta de magistrados que se manifestaram politicamente. Na maioria dos casos, seis, trata-se de posicionamentos pró-Bolsonaro.
Responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro, o juiz Marcelo Bretas é investigado por ter parabenizado os políticos Flávio Bolsonaro, do PSL, filho do presidente eleito, e Arolde de Oliveira, do PSD, eleitos senadores. O desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo, por colocar em seu perfil do Facebook uma foto com o slogan do ultradireitista.
O próprio Moro é alvo de processos no CNJ, todos movidos por integrantes do PT. Um deles questiona a decisão do juiz de tornar pública, a seis dias do primeiro turno, parte da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci. Para os autores – os deputados federais Paulo Pimenta, Paulo Teixeira e Wadih Damous –, houve “escancarada tentativa de tumultuar o processo eleitoral, por quem tem (ou deveria ter) o dever constitucional de preservá-lo”.
Ao CNJ, Moro respondeu dizendo que “agentes do Partido dos Trabalhadores” buscam “criminalizar a atividade jurisdicional” e “cercear a atuação independente da Justiça através de ofensas, mentiras e representações disciplinares”. O Conselho ainda irá julgar o caso. Para o jornalista Elio Gaspari, porém, o juiz “ofendeu a neutralidade da Justiça”.
Antes mesmo de Moro responder ao convite informal feito pelo presidente eleito, o Intercept pediu ao CNJ que se manifestasse a respeito da nota emitida pelo juiz de Curitiba para saudar a eleição do ex-militar de ultradireita. Ainda esperamos a resposta.
Ao juiz, perguntamos se a nota de congratulações também viria a público se o eleito fosse o petista Fernando Haddad (segundo a repórter Cleide Carvalho, de O Globo, é provável que não), e por que ele mudou de ideia em relação a agosto, quando afirmou que não se manifestaria sobre outro convite para ser ministro – de Alvaro Dias, do Podemos – pois “a recusa ou a aceitação poderiam ser interpretadas como indicação de preferências políticas partidárias, o que é vedado para juízes”.
Assim como quando divulgou a delação de Palocci, Moro julgou-se dispensado da obrigação de prestar contas de seus atos à opinião pública. Também calado, o CNJ finge que não vê os saracoteios políticos do astro da toga paranaense.