Figuras como Bolsonaro ameaçam a democracia e são frutos dos próprios erros
O capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, de extrema direita, com ideias fascistas, que discrimina as minorias, denigre as mulheres, exalta a tortura e defende a violência, lidera as intenções de voto nas eleições presidenciais no Brasil, uma das maiores democracias do mundo. Isso deveria obrigar os demais políticos a se fazerem algumas perguntas incômodas.
Precisamos nos perguntar por que o político brasileiro poderia, hoje, como no passado Hitler, Mussolini ou o caudilho Franco, chegar ao poder, até mesmo pelas urnas, apesar de serem figuras folclóricas, inexpressivas e com biografias insignificantes. Precisamos nos perguntar o que os tornou protagonistas e inimigos da democracia e da liberdade. Descobriríamos que todos eles, a começar pelo capitão brasileiro, mais do que os valores que defendem, são o fruto dos erros dos que os precederam.
Por trás desses personagens, que estão mais para figuras do teatro do absurdo do que para guias mundiais e estadistas de alto nível, está a deterioração de uma classe política e de uma sociedade na qual as pessoas perderam a confiança nos valores da democracia e da liberdade. E nesses casos é forte a tentação, sobretudo dos mais desesperados, de cair nas mãos de caudilhos iluminados, messias religiosos e salvadores da pátria.
Há traços comuns nesses personagens, banais, mas perigosos para a democracia, que os unem numa espécie de destino curioso e fatal. Um deles é um desejo quase psicanalítico de superar sua mediocridade com a força de um messianismo que os resgate de sua pequenez e que, levado ao paroxismo, de repente os transforme em heróis e garantidores de uma sociedade que se sente ameaçada.
Não por acaso, em Bolsonaro e nos outros ditadores aparece sempre um conflito religioso que acaba sendo resolvido a serviço de sua divinização, de escolhidos pelos deuses para sua missão. Todos eles haviam tido antes uma relação conflituosa com a religião que acabaram instrumentalizando para fortalecer seu poder. Hitler foi ao mesmo tempo cristão e ateu, defensor e perseguidor da fé, conforme sua conveniência. Mussolini era filho de um socialista ateu convicto e de uma mãe religiosa, e terminou, por interesse, tornando-se católico e defendendo a Igreja e o Vaticano.
O ditador Franco foi outro personagem ambivalente com a religião, que acabou usando – e abusando– para manter seu poder. Ele foi o grande abençoado pelos papas e saía em procissão sob ornamentos religiosos, acompanhado de bispos e cardeais. E hoje, no Brasil, Bolsonaro, que tem formação católica, está nas mãos das poderosas igrejas evangélicas nas quais foi batizado novamente e que o apoiam nas eleições. E seu lema é “Deus acima de tudo”. E foi Deus, segundo ele, que milagrosamente o salvou do ataque sofrido durante a campanha, que o deixou à beira da morte.
Todos esses personagens medíocres que acabaram surpreendendo o mundo com a força de sua violência aparecem em suas biografias como artistas malsucedidos ou militares fracassados com sede de superação para exorcizar suas fraquezas. Hitler queria, e não conseguiu, ser um grande pintor, assim como o ditador espanhol. E hoje Bolsonaro, que aparece como o grande ex-militar capaz de redimir o Brasil de seus demônios do comunismo e dos destruidores da família e dos bons costumes, era um paraquedista sem brilho, demitido do Exército por sua conduta.
O deificado estrategista militar Franco, que levou a Espanha a uma sangrenta guerra civil e a 40 anos de ditadura e terror policial, que estudou em uma escola religiosa, era chamado por seus colegas da Academia de Toledo – dizem seus biógrafos – de “Franquito”, por ser pequeno, miúdo, fraco e ter voz afeminada. Chegou-se a pensar em lhe dar uma arma de cano curto, um mosquetão, em vez do pesado rifle do regulamento. A vingança de Franco por sua mediocridade juvenil é conhecida por seu mais de um milhão de mortos nas costas e seu hábito de anotar em uma folha de papel, enquanto tomava café, aqueles que deveriam ser fuzilados, desenhando uma flor sobre cada nome destinado à morte.
Bolsonaro foi um dos políticos brasileiros mais insignificantes em 27 anos como deputado federal, durante os quais, sem conseguir aprovar sequer uma única lei importante, se distinguiu apenas por suas bravatas e insultos a mulheres e gays, e sua defesa dos valores mais retrógrados da sociedade.
Na manifestação em favor de sua candidatura em São Paulo, um de seus filhos ofendeu as mulheres quando disse que as da direita são “mais bonitas e limpas” do que as da esquerda, que até “defecam na rua”. Mussolini, um dos fundadores do fascismo mundial, que alardeava suas aventuras sexuais, tinha um conceito menos higienista nessa questão. Contava, sem pudor, que preferia, quando desfrutava das mulheres, que fossem “cabeludas e não muito limpas” (La Caída de Mussolini, Ed. Planet, Barcelona). Também entre ditadores costuma haver uma estranha criatividade sexual e uma alergia e até mesmo desprezo, quando não perseguição, por tudo que não for macho e fêmea em estado puro. As políticas de gênero e sua riqueza humana e sexual tendem a ser ignoradas, e até a irritar aqueles líderes e salvadores da moralidade e da religião.
No entanto, permanece sem resposta, como no caso do capitão brasileiro, quem foram os verdadeiros responsáveis que lhes permitiram crescer e ganhar eleições que mais tarde desprezariam para dar lugar ao totalitarismo. Há um dito dos romanos que poderia nos ajudar a decifrar esse enigma que hoje atormenta o Brasil com Bolsonaro: “Corruptio optimi, pessima”, isto é, “a pior corrupção é a dos melhores”. E um mais moderno, que se escuta em alguns países da América Latina: “Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito por eles”. É essa corrupção de quem deveria ter zelado pelos valores da civilização e da democracia que acaba gerando os monstros e fantasmas que hoje atormentam quem não abandonou os valores da democracia. Esses valores foram o sustentáculo das grandes civilizações do passado e de todas as lutas contra a barbárie.
Que o Brasil saiba escolher desta vez, com as armas da democracia e a aposta na liberdade, para não reescrever as páginas trágicas de um passado que sua maturidade democrática parecia ter sabido superar e exorcizado para sempre.
Do El País.