Intolerância já estremece democracia
Conforme destacado por Nelson de Sá nesta quarta-feira (24), a imprensa europeia, dos britânicos The Guardian e Channel 4 aos alemães Süddeutsche e Frankfurter Allgemeine, deu até mais destaque às ameaças feitas por Jair Bolsonaro aos seus opositores no discursotransmitido no domingo (21) do que ao vídeo em que seu filho descreve o fechamento do Supremo Tribunal Federal por “um soldado e um cabo”.
“Perderam ontem, perderam em 2016 e vão perder a semana que vem de novo. Só que a faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, bradou o candidato à Presidência, para a catarse de seus apoiadores na avenida Paulista.
Embora não destoe tanto de declarações anteriores em que o deputado falou em “fuzilar a petralhada”, que “o Brasil só vai mudar com guerra civil” e, mais recentemente, em acabar “com todos os ativismos do Brasil”, o discurso feito a uma semana do pleito eleitoral parece querer afastar da cabeça dos brasileiros qualquer falsa impressão de que seremos plenamente livres para nos opor a suas ideias a partir de 1º de janeiro.
Quando veículos e personalidades que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff, como a revista britânica The Economist e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, são classificados como vermelhos pelo candidato ou por seus correligionários, fica difícil definir de antemão quem está de fora da ameaça feita no domingo.
Não à toa, FHC também foi taxativo em condenar as declarações: “Um candidato à Presidência pedir às pessoas que se ajustem ao que ele pensa ou pagarão o preço —cadeia ou exílio— lembra outros tempos”, alertou em sua conta no Twitter. As ameaças precipitaram também a adesão de aguerridos antipetistas como a candidata à Presidência Marina Silva e o ex-presidente do PSDB Alberto Goldman à candidatura de Fernando Haddad.
“Qualquer pessoa que ainda mantenha alguma relação com a realidade consegue ver que não há paralelo possível entre esse discurso e o que ficou conhecido como ‘nós contra eles’. Nenhuma eleição dos últimos 30 anos provocou sensações de ansiedade, exclusão e medo remotamente comparáveis a esta em uma parcela tão ampla da população”, escreveu o filósofo Marcos Nobre em artigo publicado pela revista piaui nesta quarta-feira.
O discurso de Bolsonaro vem para reforçar a intimidação causada pela proliferação de ataques —orquestrados e espontâneos, reais e virtuais, verbais e físicos— a jornalistas, juízes, formadores de opinião e todos que atuam pela democracia.
E, para os tantos analistas que apostavam em uma vitória do centro nessas eleições e que diante da realidade que se impôs passaram a relevar essas ameaças sob o argumento de que nossas instituições democráticas são fortes o suficiente para conter eventuais anseios autoritários, talvez seja o caso de contar mais uma novidade: quando se logra intimidar tanta gente, a democracia já está limitada.
Ao leitor da coluna informo que, se depender só de mim, continuarei utilizando este espaço para fazer exatamente o contrário: aprofundar a democracia por meio do debate de ideias.
Da FSP