Estudo mostra desigualdade social gritante em São Paulo
Se você mora na Barra Funda, no centro de São Paulo, a chance de encontrar um emprego formal perto de casa é mais de 290 vezes maior que a de uma pessoa que mora em Cidade Tiradentes, no extremo leste.
Se mora nos Jardins, na zona oeste, seu tempo médio de vida é 23 anos maior do que o de um morador de Anhanguera, no norte.
Se é uma mulher que trabalha na Consolação, no centro, seu salário é, em média, 40% menor que o de um homem empregado na região.
As conclusões são do novo Mapa da Desigualdade de São Paulo, estudo da Rede Nossa São Paulo lançado nesta quarta-feira (28). O levantamento avaliou 53 indicadores de áreas como saúde, educação, cultura e transporte em 96 distritos paulistanos. Os números, todos de fontes públicas, são referentes a 2017.
Um fator que chamou a atenção foi a desigualdade salarial média entre homens e mulheres. Diferentemente do que acontece com a maioria dos quesitos avaliados, neste os piores valores estão justamente nas áreas mais ricas —e com melhores oportunidades de trabalho.
Além das que trabalham na Consolação, também ganham menos as mulheres empregadas em Pinheiros (14% a menos), Itaim Bibi (19% a menos), ambos na zona oeste, República (24% a menos), no centro, e Saúde (28% a menos), na zona sul.
No outro extremo, o salário médio feminino é maior para as que trabalham no Jaguara (15% a mais), na zona oeste, e Ermelino Matarazzo (12% a mais), Jardim Helena (11% a mais) e Cangaíba (3%), no leste.
“Nos distritos ricos, por mais que você tenha áreas com infraestrutura, a desigualdade está presente na remuneração entre homens e mulheres, no machismo da sociedade”, afirma Américo Sampaio, gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo.
Para efeito de comparação, para cada vaga de emprego formal no Jardim Helena há 38 no Itaim Bibi —há mais trabalho no bairro nobre, mas as mulheres ganham menos que os homens.
Dos 96 distritos, só em sete as mulheres ganham mais. Curiosamente, em nenhum a renda entre os gêneros é igual.
Por outro lado, a relação entre vizinhanças ricas e maior tempo de vida é observada em quase toda a cidade. No Itaim e nos Jardins, a idade média ao morrer é de 81 anos. Já em distritos afastados, como Cidade Tiradentes e Anhanguera, é de 58.
A diferença é explicada por dois principais fatores: índices de homicídio (mais altos na periferia) e acesso a serviços de saúde. A oferta de leitos hospitalares na Bela Vista, no centro, é de 48 a cada mil habitantes. Em Parelheiros, no extremo sul, assim como em outros 28 distritos, a taxa é zero.
A mortalidade infantil em Artur Alvim, na zona leste, equivale a mais de seis vezes a da Vila Mariana, bairro rico da zona sul. No Itaim Paulista, também no extremo leste, 31% das mulheres não fizeram todas as consultas recomendadas do pré-natal. Em Moema, na zona sul, só 4%.
Não coincidentemente, é nos distritos mais desassistidos que está a maior parte da população pobre e negra. “A desigualdade em São Paulo tem cara, cor e endereço”, diz Sampaio.
O estudo criou um índice, chamado desigualtômetro, que mede a razão entre o melhor e o pior distrito em cada indicador. Um exemplo: o desigualtômetro no quesito arborização viária é igual a 31,26. Isso significa que o número de árvores nas vias de Santo Amaro, a região com o indicador mais alto, é 31,26 vezes o da Sé, que tem o pior da cidade.
O auge do desigualtômetro é a arrecadação nominal de IPTU. O “termômetro” marca 4.139,9 ao medir a diferença entre Itaim Bibi, que recolhe mais de R$ 763 milhões, e Marsilac, o último dos distritos da zona sul, com cerca de R$ 184 mil.
Na comparação com 2013, houve piora no desigualtômetro em nove quesitos. A maior variação foi nos leitos hospitalares por mil habitantes, em que a desigualdade entre a região mais abastecida e a menos equipada triplicou. Também cresceu a concentração em áreas nobres de equipamentos como teatros e centros culturais, e piorou a distribuição de unidades básicas de saúde pela cidade.
Por outro lado, São Paulo teve avanços importantes na redução da desigualdade na educação e em certos indicadores de saúde. É o caso das taxas de matrícula na pré-escola, cuja diferença máxima entre os distritos caiu 70%, de mortalidade infantil (queda de 59%) e de gravidez na adolescência (queda de 45%).
Ainda chama a atenção o número de regiões que simplesmente não têm determinados equipamentos públicos culturais. Não há teatro em 42, cinema em 54 e centro cultural em 53. A maioria delas, assim como acontece com os outros indicadores, está na periferia.
No panorama geral, os dados indicam que a diferença entre áreas nobres e periféricas mudou muito pouco desde 2012, quando o primeiro Mapa começou a ser elaborado.
“Mais uma vez, infelizmente, a desigualdade em São Paulo está estagnada. Entra governo, sai governo, e as coisas não mudam”, diz Américo Sampaio, da Rede Nossa São Paulo.