Lava Jato de São Paulo diz que vai investigar tucanos
Nova coordenadora da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, a procuradora Thaméa Danelon, 44, passou a chefiar neste mês a equipe que investiga suspeitas de desvios de recursos em obras do PSDB e de vantagens indevidas ao ex-presidente Lula, além do uso de informações privilegiadas pela JBS.
Com atuação exclusiva para os casos da operação e equipe expandida (são 11 procuradores, outros três exclusivos), ela espera que os inquéritos tramitem com maior celeridade. Para isso, também espera a ajuda do futuro ministro Sergio Moro.
O ex-juiz, afirma, poderá ajudar a destravar pedidos de cooperação internacional feitos pelos procuradores —para, por exemplo, bloquear recursos sob suspeita no exterior. “Acredito que ele vai envidar esforços para acelerar isso”, diz.
Como reveses da operação até agora cita decisões do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, que concedeu habeas corpus a presos preventivos em meio a investigações da Procuradoria.
Ela reclama de ocasiões em que o ministro decidiu conceder os habeas corpus sem que os recursos tivessem passado pela segunda instância, o Tribunal Regional Federal. “O ministro Gilmar Mendes por vezes não respeita o duplo grau de jurisdição”, afirmou Thaméa.
As ações da Lava Jato de São Paulo não tiveram o gigantismo da operação em Curitiba e no Rio. A tendência é continuar nesse padrão? Há uma peculiaridade: em Curitiba foram investigadas questões que envolvem a Petrobras, o maior esquema de corrupção dentro de um órgão público, que resultou em mais de 80 denúncias. No Rio de Janeiro, eles estão investigando a organização criminosa do ex-governador Sérgio Cabral, que também era uma pessoa muito envolvida em escândalos de corrupção. Por isso há esse gigantismo.
Em São Paulo está um pouquinho diferente porque a gente iniciou a nossa força-tarefa quando recebemos as delações da Odebrecht do Supremo. Foram delações mais pontuais, que envolvem um ou outro político e uma ou outra obra. Mas evidentemente estamos investigando. Caso nos deparemos com um esquema da mesma magnitude, ele será aprofundado e terá também a destinação das ações devidas.
O que conecta essas ações para que vocês deem o selo de Lava Jato a elas? A nossa força-tarefa foi criada com o recebimento das delações e todas eram oriundas de colaboradores da força-tarefa de Curitiba. Até pouco antes dessa formatação, já havia casos com alguma ligação com os inquéritos.
Quando nós percebemos que há outras investigações com conexões com esses inquéritos, trazemos para a força-tarefa cuidar deles.
Ou, por exemplo, se uma ação for distribuída para um dos integrantes dessa força-tarefa e sua investigação for complexa e demandar o auxílio de mais colegas, pedimos que a força-tarefa auxilie.
Houve questionamentos sobre o motivo das investigações da força-tarefa serem enquadradas como Lava Jato desde a primeira denúncia, que apontou desvio de R$ 7,7 milhões em desapropriações no Rodoanel Sul… Quem cuidava desse caso é a dra. Anamara [Osório], que é integrante da força-tarefa. Quando nós recebemos os inquéritos do Supremo e celebramos um acordo de colaboração premiada, um colaborador trouxe fatos correlatos com essa ação que estava sendo apurada. Por conta disso achamos melhor que a própria força-tarefa cuidasse do caso.
O que nós vemos é que, mesmo investigando uma obra aqui em São Paulo, há correlações com os feitos do Rio de Janeiro e Curitiba, porque os operadores eram os mesmos, os doleiros eram os mesmos. Então é mais apropriado que esses feitos sejam concentrados dentro da força-tarefa. Foi isso o que aconteceu nessa primeira denúncia.
E em relação à Operação Pedra no Caminho, que investigou desvios no Rodoanel Norte e que a própria Polícia Federal disse que não era da Lava Jato? Na Polícia Federal não há uma força-tarefa montada, não há uma equipe de delegados e agentes para investigar os feitos da Lava Jato, diferentemente do âmbito do MPF. Para a polícia pode ser que não fosse, mas para nós era, pelo mesmo motivo do outro inquérito.
Quem tocava também era a dra. Anamara, tinha sido livremente distribuída para ela esse feito.
Percebemos que tinha conexão com outros feitos oriundos de colaboração premiada, então entendemos que seria melhor a própria força-tarefa cuidar desse caso.
No Rodoanel Sul é mais clara, mas no Rodoanel Norte qual a conexão do caso? O próprio Paulo Vieira [o Paulo Preto] não está envolvido. O que linca não é só o investigado. O que linca são colaborações que nós temos com várias construtoras, algumas já homologadas e algumas em tratativas. Isso demonstra que era um esquema só. Por conta disso eles foram reunidos na mesma vara.
A Pedra no Caminho seria uma continuidade então do contexto do Rodoanel Sul? Não propriamente uma continuidade, mas os desvios eram feitos mais ou menos no mesmo modus operandi.
O que a sra. pretende fazer de diferente na coordenação da Lava Jato? Não vai haver nada diferente. A diferença agora, no que se refere a mim, é que vou estar desonerada. Antes eu trabalhava com a Lava Jato e com todos os outros processos e inquéritos que eu recebia. Agora vou cuidar apenas dos feitos da Lava Jato, eu e mais outros três colegas. Antes eram dois colegas exclusivos da Lava Jato e agora serão quatro. Claro que tendo mais mão de obra exclusiva, possivelmente vai ter mais resultado, as investigações vão andar um pouquinho mais rápido. Mas só por isso.
Sergio Moro vai se tornar o ministro da Justiça e Segurança Pública com apoio declarado das coordenações da Lava Jato. Isso poderia causar algum conflito de interesses numa eventual investigação do governo Bolsonaro? Não, em hipótese alguma. Nós temos independência funcional. A gestão do dr. Moro vai ser muito boa porque ele é um especialista em combate à corrupção, ele é técnico, ele sabe as dificuldades que nosso sistema tem e ele sabe a importância que é ter uma cooperação interinstitucional com o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] e a polícia.
Em nome da força-tarefa de São Paulo, falo que, caso surja alguma investigação de alguém ligado ao governo, em nenhum momento vai ter qualquer tipo de interferência porque as investigações são sigilosas. O Ministério da Justiça pode ser um parceiro do MPF e dar estrutura para a Polícia Federal, acelerar procedimentos de cooperação internacional, mas somos independentes.
O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que encampou as defesa das Dez Medidas Contra a Corrupção, é cobrado pelo MPF para implantar essas medidas no novo governo. Mas ele é investigado [por repasses da JBS]. Isso não causa constrangimento? De fato, ele foi relator e conduziu de forma muito dedicada [a tramitação das medidas], acompanhei de perto. Eu era coordenadora da campanha aqui em São Paulo. Até pelo Twitter que eu fiz uma lembrança de que contava com o eventual auxílio dele no que se refere à aprovação. Mas se ele é investigado, tem que responder.
O que vocês esperam da atuação de Moro no Ministério da Justiça? A gente espera que ele atue como atuava como juiz. Ele era técnico, profissional, dedicado e muito sério. Acredito que ele tenha aceito esse desafio para tentar continuar com o pouco que ele fez que é muito no que se refere a um juiz de primeiro grau. Agora ele pode fazer muito mais coisas.
Por exemplo? Ele pode, por exemplo, aumentar o efetivo de policiais, pode envidar esforços para aumentar o número de delegados e agentes. Implementar treinamentos para os novos agentes —porque não são suficientes o que nós temos—, aumentar a dotação orçamentária para abrir mais concursos. Ele vai ficar à frente do DRCI, que é o departamento de cooperação internacional. Todos os nossos pedidos de cooperação, que foram mais de 400 —contando Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro—, ele vai comandar. Já é um órgão que funciona bem, mas pode funcionar melhor.
A sra. acha que ele vai dar celeridade a esses pedidos? Sim, sem dúvidas. Porque o maior problema do Brasil é a corrupção e a má gestão de verba pública. E isso reflete nos problemas sociais. Para que essas áreas sociais sejam melhoradas, precisam de dinheiro. Mas não temos dinheiro? Temos, mas ele é desviado. Acredito que o dr. Sergio Moro também pense dessa forma. Sem dúvidas, se tiver um pedido de cooperação em que se está tentando o bloqueio de um valor no exterior de um agente público que desviou esse dinheiro, acredito que ele vai envidar esforços para acelerar isso.
Chegou a conversar com ele depois da indicação? Qual foi o tema? Sim, pelo telefone. Quero ter uma conversa pessoal para falar do que a gente tem trabalhado aqui. A Polícia Federal infelizmente está com pouco efetivo. É muito importante esse trabalho em conjunto.
Os processos da Lava Jato que tramitam na 5ª Vara Federal de São Paulo têm como relator no STF o ministro Gilmar Mendes, que além de ter revertido muitas decisões de primeira instância, é muito criticado por procuradores nas redes sociais. Quais os impactos dessa relatoria nos casos da força-tarefa? Impactos negativos, porque infelizmente o ministro Gilmar Mendes por vezes não respeita o duplo grau de jurisdição. Recursos que deviam ter sido apresentados ao Tribunal Regional Federal são diretamente encaminhados para o Supremo sem explicação jurídica, sem razoabilidade. Na Operação Pedra no Caminho tivemos quase todos os réus soltados pelo ministro Gilmar Mendes e, por vezes, ele estendia os habeas corpus para investigados que sequer tinham pedido a liberdade.
Então, eu, pessoalmente, penso que isso não pode acontecer. Têm que ser respeitados os graus de jurisdição. Os HCs têm que ser analisados pelo Tribunal Regional Federal, pelo STJ e posteriormente pelo Supremo.
Como o MPF pode agir para acelerar ações que estão à beira da prescrição, como casos relativos a Paulo Vieira de Souza? A gente tenta dar prioridade aos casos que têm prescrição iminente, mas não tem muito como fugir dessa regra. Se algum dia chegar a prescrição e algum crime prescrever não tem o que ser feito. Tanto que duas das Dez Medidas falavam do pacto cível. Por exemplo, se um investigado tem uma quantia bloqueada porque há indícios de que foi obtida por prática de crime, caso a pessoa faleça ou ocorra a prescrição extingue a punibilidade e o valor tem que ser devolvido. Mas na maioria dos países desenvolvidos existem mecanismos cíveis para continuar o bloqueio do valor, que é o chamado “confisco alargado”.
Da FSP