População prefere médicos cubanos, que deixarão o Brasil por atrito entre Cuba e Bolsonaro
A funcionária pública Maria Cecília de Lima Antão, 36, já havia perdido as esperanças. Por quatro meses, ela passou por diversas consultas para descobrir a causa de uma infecção renal que lhe fez engordar dez quilos em quatro dias e que a prendia em casa em razão das tonturas. Nem a internação de 30 dias em dois hospitais do Recife decifraram o que um médico estrangeiro desconfiou após uma única conversa com Maria: há meses ela sofre de lúpus e fibromialgia.
A comparação entre médicos cubanos e brasileiros não parte apenas da funcionária pública de Ribeirão, cidade a 82 km do Recife. Quando questionados, os pacientes entrevistados disseram preferir os profissionais de Cuba, que até o final do ano deixarão o Brasil após o fim do acordo de cooperação entre a ilha caribenha e o Brasil.
Em 2014, a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) informou que os médicos cubanos receberam nota 9 dos usuários do Mais Médicos em uma pesquisa que entrevistou 14 mil pessoas em 700 cidades do Brasil.
Maria Cecília ficou sem diagnóstico até ser atendida por um médico cubano
Maria conta orgulhosa que, em pouco tempo, o novo médico cubano conquistou toda a família, a começar pela sua mãe, que contraiu chicungunha. “Eles vão do fio de cabelo ao dedo do pé. Examinam tudo, perguntam tudo e atendem a gente a qualquer dia e horário.”
Longe dali, em Colônia Leopodina (a 119 km de Maceió), a dona de casa Josicelia Maria da Silva, 36, desconfiou quando precisou levar seu filho a um médico cubano. “Fiquei com medo de não entender o que ele falava. Mas ele atendeu superbem, passou o exame e acertou o diagnóstico”, diz. “Antes, os médicos só perguntavam o que o menino sentia, não examinavam e já passavam remédio. Eu gostei mais do cubano do que os da minha nacionalidade, e não sou só eu que falo, mas todos da comunidade.”
Morador de Igarassu, região metropolitana do Recife, Carlos Roberto de Araújo, 64, se livrou de uma cirurgia por pouco. Com artrite reumatoide, ele aguardava uma vaga no hospital para fazer um implante de prótese nos dois joelhos. “Foi aí que o doutor Arnaes Albriza [cubano] o atendeu”, conta o filho, o autônomo Anderson de Souza Araújo, 34.
“Primeiro ele reavaliou os exames, tirou alguns remédios que meu pai usava e o fazia piorar e nos comunicou que era possível tratar com medicação injetável. Em uma semana a situação do meu pai mudou. É até emocionante falar sobre isso… Hoje meu pai anda sem precisar da ajuda de ninguém. E sem precisar da operação!”
Anderson com o pai, Carlos Roberto, que voltou a andar após tratamento com cubano
O autônomo gosta de falar sobre “o lado humano” dos médicos estrangeiros. “Já cheguei a procurá-lo à meia-noite e ele me atendeu com boa vontade.”
Ele conta que seu pai ainda andava quando iniciou o tratamento com profissionais brasileiros. “Por anos ele pagou médicos caros mesmo sem ter condições, mas o quadro do meu pai só fez piorar. Daí chega um médico de Cuba e em uma semana nos mostra que é possível viver bem. Eu não aceito mais entregar meu pai nas mãos dos nossos médicos.”
A história de Araújo lembra a da aposentada Maria de Lourdes da Silva, 85. Com dores nos joelhos, ela começou a ser atendida por um médico cubano, que notou nos esquecimentos da idosa a possibilidade de que ela sofresse com o mal de Alzheimer. Os exames confirmaram o diagnóstico.
Jannayra com a avó, Maria de Lourdes: cubano diagnosticou Alzheimer
“Antes dele, levamos minha avó a outros médicos e ninguém nunca falou de Alzheimer. A diferença no atendimento é enorme em comparação com brasileiros”, diz a neta e recepcionista Jannayra Silva Cavalcante, 33. “É uma dedicação que todos nós admiramos. Ele pode vir aqui em casa a hora que quiser. É de casa. Os outros médicos por aí não fazem caso pelo paciente.”
Os moradores de Ouro Branco (a 237 km de Maceió), no sertão de Alagoas, só contam com um pronto-socorro na cidade vizinha de Santana do Ipanema, a 40 km de distância. Foi com alívio que a cabeleireira Ana Paula Limeira, 47, recebeu o único médico cubano que atende os moradores da cidade de 10 mil habitantes.
“Os cubanos fizeram uma diferença muito grande para a gente. Hoje, só ouvi lamentações [sobre o retorno dos médicos a Cuba]. As pessoas se perguntam o que vão fazer quando seus filhos ficarem doentes.”
Maria Cecília –a que foi diagnosticada tardiamente com lúpus e fibromialgia– mal consegue acreditar no rompimento de Cuba com o Mais Médicos. “A fibromialgia dói os ossos. Você acorda com dor de cabeça e com os órgãos todos doendo. É muito sério. Sem essa equipe, me vejo de mãos atadas, porque foi a única com a qual eu pude contar.”
Hoje, mais da metade dos 16 mil médicos que atuam no programa são cubanos. A saída repentina de 8.332 profissionais preocupa diversos municípios no Norte e Nordeste, que temem um “apagão médico”.
A expectativa é que eles comecem a deixar o Brasil no dia 25 de novembro. As viagens de volta serão graduais, até 25 de dezembro. Já na próxima segunda-feira (19), um edital selecionará os profissionais para ocupar as vagas, segundo o Ministério da Saúde.
A inscrição e a seleção dos novos médicos acontecerão ainda neste mês, e o início dos trabalhos está marcado para começar logo após a seleção.
Do UOL