Protesto diante do escritório diplomático do Brasil na Palestina
Um grupo de manifestantes se reuniu nesta quarta-feira (7) em frente à representação do Brasil junto ao Estado da Palestina, na cidade de Ramala.
Cartazes com frases em inglês, árabe e português criticam as intenções do próximo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, de mudar a embaixada do Brasil em Israel. Desde 1951, a representação brasileira em Israel está em Tel Aviv — e Bolsonaro expressou intenção de transferi-la para Jerusalém, o que tacitamente implica reconhecer a cidade como capital israelense.
Mas após queixas de países como Catar e Egito, Bolsonaro afirmou ontem que a questão “não está decidida”.
Em maio, a transferência da embaixada dos Estados Unidos causou uma série de protestos no Oriente Médio.
Movimento parecido pode ser desencadeado se confirmada a transferência da representação brasileira. Para analistas ouvidos pela agência de notícias francesa AFP, a mudança coloca em risco uma política de boa vizinhança com países árabes que o Itamaraty cultiva há mais de meio século.
“O Brasil tem uma posição histórica naquilo que a gente chama de solução de dois Estados [para Israel e a Palestina] e esta decisão pode jogar todos esses esforços no lixo” diz Guilherme Casarões, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.
A anexação de Jerusalém oriental por Israel, após a guerra de 1967, nunca foi reconhecida pela comunidade internacional, para a qual o estatuto da cidade santa deve ser negociado pelas duas partes e as embaixadas não devem se instalar ali enquanto não se chegar a um acordo.
O governo brasileiro sempre seguiu essa diretriz, mas o posicionamento de Jair Bolsonaro poderia colocá-la em xeque.
“É motivo de respeitar uma nação soberana”, declarou o presidente eleito em entrevista à TV Bandeirantes na segunda-feira.
Na terça-feira, ele parecia hesitar, ao declarar que a transferência “ainda não foi decidida”, lançando dúvidas sobre sua determinação sobre uma medida tão polêmica.
A transferência da embaixada teria também uma motivação religiosa para Jair Bolsonaro, dizem analistas ouvidos pela AFP.
“Os evangélicos mais conservadores não colocam em questão, não relativizam nenhuma atitude de Israel. Qualquer decisão, qualquer medida, há um pressuposto que tem a legitimidade para fazer, como povo escolhido”, que deve ser defendido custe o que custar, independentemente da atitude de seus dirigentes, explica Ronilson Pacheco, teólogo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
“É uma leitura extremamente literal da Bíblia, sem fazer qualquer reflexão de contexto, de história”, acrescentou.
Os neopentecostais brasileiros seguem os preceitos do sionismo cristão, corrente segundo a qual o retorno dos judeus à terra santa e a criação do Estado de Israel, em 1948, segue uma profecia bíblica que anuncia o retorno do Messias.
“Nos templos, há muitos símbolos litúrgicos do judaísmo, como o candelabro ou a estrela de Davi, e alguns pastores até usam o kipá “, acrescenta Ronilson Pacheco.
O próprio Jair Bolsonaro, casado com uma evangélica, foi a Israel em 2016 para ser batizado por um pastor nas águas do rio Jordão.
Mas a religião não é a única motivação para Bolsonaro transferir a embaixada para Jerusalém, o um anúncio que agradou o premiê israelense, Benjamin Netanyahu.
“Tem um valor simbólico para ele, pela relação dele com a comunidade evangélica, e também casa com uma revisão da tradição da política externa brasileira, mais globalista, multilateralista”, explicou Monica Herz, professora associada do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
Para ela, o mimetismo com Donald Trump se aproxima a “um alinhamento com o governo americano, coisa que não fizemos nem durante a ditadura militar”.
Ex-paraquedista do Exército, Jair Bolsonaro é conhecido justamente pela nostalgia do regime militar, que comandou o País entre 1964 e 1985.
A aproximação com Israel também se deve ao fascínio do presidente pela tecnologia de ponta do Exército israelense.
Um de seus filhos, o senador Flavio Bolsonaro, e o governador eleito do Rio, Wilson Witzel, devem visitar o país em breve para comprar drones de ataque, que poderão ser usados pelas forças de ordem na luta contra os narcotraficantes.
Mas para Guilherme Casarões, “o Brasil teria condições de se aproximar dos EUA e de Israel independentemente de transferir a embaixada” de Tel Aviv para Jerusalém.
Membro da comissão de Relações Exteriores do Congresso, o senador Ricardo Ferraço, considerou recentemente que Bolsonaro fez esta promessa de forma precipitada, sem medir as consequências.
A Câmara de Comércio árabe-brasileira declarou sua preocupação, enquanto o Brasil é o primeiro produtor do mundo de carne halal (cujo consumo é permitido aos muçulmanos).
O chefe da representação palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, declarou à AFP esperar que o deslocamento da embaixada não passe de um “anúncio de campanha”.
Do UOL