Questão do Enem faz Bolsonaro atacar homossexuais de novo
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) criticou nesta segunda-feira (5) uma questão da prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que tratava do “dialeto secreto” utilizado por gays e travestis e disse que sua gestão no Ministério da Educação “não tratará de assuntos dessa forma”. No último domingo, cerca de 5,5 milhões de candidatos prestaram o exame em todo o país.
“Uma questão de prova que entra na dialética, na linguagem secreta de travesti, não tem nada a ver, não mede conhecimento nenhum. A não ser obrigar para que no futuro a garotada se interesse mais por esse assunto. Temos que fazer com que o Enem cobre conhecimentos úteis”, disse o capitão reformado em entrevista ao vivo ao apresentador José Luiz Datena no Brasil Urgente, da Band.
Bolsonaro negou que pretenda acabar com o exame, mas disse que seu governo não vai “ficar divagando sobre questões menores”. “Ninguém quer acabar com o Enem, mas tem que cobrar ali o que realmente tem a ver com a história e cultura do Brasil, não com uma questão específica LGBT. Parece que há uma supervalorização de quem nasceu assim”, afirmou.
Bolsonaro se refere à questão que mostrou um texto sobre “pajubá, o dialeto secreto dos gays e travestis” e que questionava quanto aos motivos que faziam a linguagem se caracterizar como “elemento de patrimônio linguístico”.
A reportagem entrou em contato com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) para repercutir as críticas feitas pelo presidente eleito. A entidade, no entanto, informou que não se pronunciará a respeito do assunto.
PARA PRESIDENTE DA ALIANÇA NACIONAL LGBTI, QUESTÃO É IMPORTANTE
Para o diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, a questão 37 do Enem é importante por se tratar de um “socioleto” —variante da língua falada por um grupo social—, fenômeno que é estudado da academia pelos especialistas em linguística, da mesma maneira que existem outros socieletos na sociedade, não apenas o pajubá, linguagem usada por travestis e gays.
“Primeiro, tem que ler toda a questão. Meu filho de 18 anos fez a prova, não era assim. Eles estão falando dos socioletos, que tem públicos diferentes, que usam linguagem diferente. É importante perceber e respeitar esse tipo de linguagem”, disse Reis ao UOL. “É uma questão da discussão da importância do domínio das linguagens”, acrescentou.
Reis diz ainda que pajubá faz parte da cultura brasileira. “Tem que ter, sim, essas questões. Tem que ter sobre negros, mulheres, evangélicos, de quem é de direita, de esquerda, apartidário”, disse.
CURSINHOS PRÉ-VESTIBULARES ELOGIAM PROVA
Seis cursinhos pré-vestibulares consultados pela Folha na noite de domingo (4) elogiaram o modelo e o conteúdo da prova do Enem desde ano.
“Eventualmente, a prova poderá ser atacada por ter um viés ideológico. Mas isso é um sintoma do nosso contexto atual que quer ver tudo sob um aspecto da ideologia. A prova não é ideológica, a menos que consideremos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU é ideológica. O Enem fala sobre questões básicas da sociedade, como racismo, a mulher na sociedade. Sempre foi assim”, disse.
O diretor executivo do Cursinho da Poli, Gilberto Alvarez, disse que a prova do Enem é exemplar, inclusive se comparado a provas internacionais, como o Pisa (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes).
“O Enem busca avaliar competências do aluno, o que é similar ao feito pelo Pisa. Nesse sentido, a prova é exemplar e muito antenada para o que se acredita que o cidadão precisa aprender para a 4ª revolução industrial. Ou seja, para além da técnica, o profissional seja crítico e tenha uma reflexão sobre o próprio mundo”.
O professor também defende a pergunta que falava sobre um dialeto de certos grupos gays para questionar sobre variações linguísticas. “Eu mesmo aprendo sempre com a prova. Ela não só testa, ela ensina o aluno, traz informação e conhecimento”.
Alvarez critica também a visão utilitária do ensino, comentada por Bolsonaro ao dizer que o Enem deva cobrar conhecimentos úteis.
“O que se espera de qualquer cidadão mundial é que seja crítico em relação as mudanças no mundo, em seu país e em seu trabalho. As melhores políticas de educação no mundo parte do pressuposto de que ele precisa entender o contexto em que ele está inserido. O ensino de instrução é ultrapassado no mundo”, analisa.