Abin teme ser transformada por Bolsonaro em Polícia política
Em um movimento silencioso, nos últimos dois anos a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) expandiu o número de oficiais de inteligência do órgão no exterior, passando de atuar em três embaixadas, em 2016, para 20 atualmente. A estratégia da agência é auxiliar o Itamaraty e dar uma atenção maior ao crime organizando transnacional, ao terrorismo e à troca de informações com os órgãos congêneres de inteligência.
Com a posse, em janeiro, de um novo presidente da República e de um novo general no GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, que substituirá o ministro Sérgio Etchegoyen, ao qual a Abin está vinculada, oficiais de inteligência temem um retrocesso nessa política, o que faria a agência novamente concentrar os seus esforços nos assuntos domésticos.
A Abin teme uma reedição do SNI (Serviço Nacional de Informações), o seu antecessor criado pela ditadura militar logo após o golpe de 1964 e extinto em 1990. O SNI ficou marcado como um órgão de auxílio à repressão na identificação de opositores ao governo, muitos dos quais acabaram torturados e mortos.
Para a Abin, o pior cenário seria o governo Bolsonaro voltar a estabelecer como alvos prioritários de inteligência militantes de partidos de esquerda e de ONGs, sem-terra, sem-teto, alunos e professores universitários de esquerda, jornalistas, indígenas e ambientalistas, alvos constantes de comentários do eleito em seus discursos.
A retomada da velha lógica do SNI traria consigo a noção do “inimigo interno”, que permeou a doutrina de segurança nacional durante o regime militar. Em maio, por exemplo, durante uma palestra, Bolsonaro disse que pretendia criminalizar ações do MST (sem-terra) e MTST (sem-teto) na invasão de propriedades.
Com cerca de 600 oficiais de inteligência, a Abin tem sede em Brasília, 26 superintendências estaduais e duas unidades em locais estratégicos perto de fronteiras, como Foz do Iguaçu (PR) e Tabatinga (AM) mas até 2016 sua presença era tímida em termos internacionais, com representações apenas na Argentina, Colômbia e Venezuela.
Desde então, o governo criou cargos de adidos da Abin em países de regiões diversas como Estados Unidos, China, Rússia, Alemanha. Tunísia, Jordânia, África do Sul, Austrália e Japão, entre outros. O número de oficiais em cada embaixada varia; hoje seriam cerca de 70 trabalhando fora do Brasil.
A ampliação das atividades, encabeçada pelo atual diretor-geral, Janér Tesch, e com o apoio de Etchegoyen, favoreceu uma proximidade e um diálogo com as agências de inteligência dos outros países, tornando “uma agenda mais próxima de trabalho e uma condição mais oportuna de acesso à informação”, como disse o chefe da Abin em audiência pública no Congresso Nacional no último dia 28.
“A Abin está presente hoje nos cinco continentes. Os adidos de inteligência, além de promover intercâmbio qualificado com as respectivas agências internacionais, acrescem aos resultados do colegiado de Estado nas representações diplomáticas, produzindo inteligência sobre temas de interesse para o Brasil”, defendeu o diretor-geral da Abin. Ele citou os tentáculos do crime organizado brasileiro em outros países como tema de interesse da inteligência.
“O Brasil é uma das maiores economias do mundo e, portanto, tem estatura internacional. Os agentes têm de estar no exterior para coletar dados que subsidiem o presidente e os embaixadores em questões de política externa”, disse Etchegoyen à Folha.
Outro ponto em dúvida na Abin hoje é saber nas mãos de quem o órgão ficará a partir de janeiro. Além de Tesch, que é candidato natural a permanecer no cargo, são cotados o atual diretor-adjunto da agência, Frank Márcio de Oliveira, e o diretor da Escola de Inteligência, unidade responsável pela pós-graduação, Luiz Alberto Santos Sallaberry.
Também é citado, numa opção que causa apreensão nos quadros da Abin, um oficial de inteligência que hoje atua numa embaixada no exterior e teria estabelecido um canal de interlocução direta com membros da família Bolsonaro.
Em evento na segunda (3), o general Augusto Heleno disse a jornalistas que não definiu se fará mudanças nos quadros da Abin. Observou, contudo, que não é muito comum a realização de trocas na estrutura.
Segundo ele, mais do que promover alterações na equipe, sua maior preocupação é manter o prestígio das estruturas de inteligência. “Não tenho motivo de pensar nisso agora. Preciso ter mais contato, mas não são muito normais essas mexidas. O GSI e a Defesa são duas estruturas que já vinham bastante arrumadas”, afirmou.
Procurado pela Folha para falar sobre as prioridades da Abin no novo governo, Heleno não deu retorno a um pedido de entrevista. À Folha Etchegoyen defendeu a continuidade, pelo menos por um período, da atual direção da Abin.
Da FSP