Acesso à educação não é suficiente para reduzir desigualdade
O Brasil é hoje um dos países mais desiguais do mundo com quase 30% da renda nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país. Para tentar diminuir tamanha brecha entre os ricos e os pobres, o investimento em educação quase sempre aparece como um dos remédios mais promissores. A solução frequentemente repetida para tentar resolver a desigualdade, entretanto, já é relativizada por especialistas.
Um estudo recente mostrou que optar apenas por uma política de expansão de ensino, dentro de um prazo razoável, não é suficiente para melhorar os salários e impactar na distribuição mais igualitária de renda do trabalho no país. A pesquisa foi realizada pelos sociólogos Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicadas (Ipea), Rogério Barbosa, da Universidade de São Paulo (USP), e Flávio Carvalhes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Em termos globais, a educação já não é mais uma grande solução para os problemas de pobreza e desigualdade no Brasil. Ela pode ser vista como uma alternativa apenas num prazo muito longo”, explica Medeiros.
Através de simulações com dados estatísticos, o grupo concluiu que, se desde 1994 o Brasil tivesse conseguido um sistema educacional “perfeito” em que os alunos de todo o país saíssem da escola com, no mínimo, o ensino médio completo direto para o mercado de trabalho, a desigualdade hoje teria caído apenas 2%.
A pesquisa apontou ainda que o quadro não seria muito diferente caso uma grande reforma garantisse que ninguém deixasse o sistema de ensino sem um diploma universitário. Em um caso hipotético em que todos os alunos tivessem conseguido um diploma semelhante ao de formação de professores e Ciências da Educação, uma das profissões mais mal pagas do mercado, a desigualdade teria recuado 4%.
“É uma queda muito pequena diante do grande esforço que o Brasil teria conseguido fazer para isso. Não dá mais para falar que é a educação que vai diminuir a desigualdade”, afirma Marcelo Medeiros. Para o pesquisador, além desta via de combate à disparidade de renda ter um efeito menor do que se idealiza, seria necessário no mínimo meio século para conseguir educar toda a força de trabalho do país. “É tempo demais para esperar diante da urgência do problema”, avalia.
Em 2017, o Brasil era o nono país do mundo com a maior desigualdade de renda, segundo o coeficiente de Gini. O mais desigual do continente americano. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado, o Gini foi de 0,549, conforme a renda média mensal domiciliar per capita. O indicador varia de zero a um, quanto mais próximo de zero, mais perto de uma situação ideal de absoluta igualdade.
Os pesquisadores também simularam os efeitos da educação em um prazo mais longo, mas, novamente, os impactos dos estudos na queda da desigualdade foram aquém do que se imagina o senso comum. Em um cenário hipotético em que, desde 1956, todos os alunos tivessem concluído ensino médio ou tivessem o ensino superior incompleto, a desigualdade não teria caído nem 10% nos dias de hoje. Apenas em um cenário mais extremo, no qual fosse viável para todos, há mais de 60 anos, o ensino superior com retornos financeiro equivalentes aos proporcionados por um diploma em medicina, uma das carreiras mais bem pagas do país, é que a diminuição da brecha poderia chegar a um patamar substancial: 18%. O estudo ressalta, entretanto, que oferecer educação de elite para toda a força de trabalho é algo irrealista, “pelo menos em qualquer cenário futuro minimamente possível”.
“O que concluímos é que ter um ensino médio é pouco para combater as diferenças de renda. O Brasil precisa massificar o acesso à universidade para ter um resultado melhor na queda da desigualdade. Nas últimas décadas, o ensino superior foi expandido, mas ainda precisa ser muito mais”, diz Medeiros.
As propostas defendidas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, no entanto, parecem ir de algum modo na contramão dessa expansão. Uma das propostas dele é transferir recursos do ensino superior para o ensino básico. No seu programa de Governo, Bolsonaro ressalta que os gastos com educação no Brasil —cerca de 6% do Produto Interno Bruto— são comparáveis aos de países desenvolvidos, mas os resultados estão entre os piores do mundo. Ele propõe uma “reversão da pirâmide” de despesas para priorizar a educação básica. Para o ensino superior, o programa fala em parcerias de universidades com a iniciativa privada para desenvolvimento de novos produtos visando aumentar a produtividade no país.
O país é hoje um dos com o maior número de habitantes sem diploma do ensino médio. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais da metade dos adultos (52%) com idade entre 25 e 64 anos não possuem esse nível de formação. E apenas 15% da população brasileira tem curso superior.
Na avaliação do pesquisador Rogério Barbosa, os dados do estudo comprovam que é preciso deixar de lado a ideia que a educação é a solução para todos os problemas. Na avaliação dele, a redução da desigualdade poderia ser atacada de forma mais rápida caso fossem adotadas medidas contra a discriminação de gênero, raça e cor no mercado de trabalho e através de uma reforma tributária que adotasse um programa que aumentasse a progressividade dos impostos.
“A educação é mais que necessária, é um requisito de cidadania, que possui inúmeros bens sociais. Mas hoje não é ela a credencial que vai te fazer ganhar mais. Os aumentos do salário mínimo, por exemplo, foram a principal política distributiva na década de 2000. Muito mais rápida e efetiva do que a educação”, afirma Barbosa.
Com respeito à pobreza, a pesquisa “Educação, desigualdade e redução da pobreza no Brasil” mostrou que os impactos da educação são um pouco mais relevantes. No entanto, os estudiosos ponderam que o poder de redução da pobreza por essa via diminuiu, ao longo das últimas décadas, já que uma série de políticas do mercado de trabalho e de programas de assistência —como o Bolsa Família, de transferência de renda— tornaram a população menos pobre independentemente da formação escolar.
Para que o Brasil reduzisse a pobreza para menos da metade, seriam necessárias enormes melhorias, como, por exemplo, garantir a universalização da formação superior. Uma mudança ambiciosa, mas mais realista, segundo os pesquisadores, seria a de garantir que ninguém saísse da escola sem o ensino médio completo. No entanto, mesmo com esse nível de instrução da população, a pobreza ainda seria igual a três quartos da atualmente observada.
Do El País