Assassinato de Marielle, 9 meses depois: o que foi apurado até agora
Há nove meses, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro tentam atravessar o labirinto que parece ser o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, no dia 14 de março.
Desde aquela noite, autoridades declararam que o caso estava perto do fim ao menos cinco vezes, mas poucas informações concretas foram divulgadas. O que as provas indicam até agora é que foi um crime calculado e sofisticado.
A principal linha de investigação continua apontando para o vereador Marcello Siciliano (PHS) como mandante do crime por supostas desavenças com Marielle na zona oeste do Rio, o que ele nega desde o início.
Há outras linhas, porém, segundo inquérito de milhares de páginas obtido pela TV Globo e ainda não concluído.
O secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes, chegou a dizer em entrevista à Globonews que “não é um crime de ódio”, que “a milícia, com toda certeza, se não estava no mando do crime em si, está na execução” e que “provavelmente” há políticos envolvidos.
Já o delegado responsável pela apuração, Giniton Lages, se limitou a responder à Folha que a equipe “está convicta de que o sigilo é medida fundamental e inafastável para o sucesso das investigações”.
Entenda o que foi divulgado até agora sobre o caso —provas coletadas, pessoas ouvidas, hipóteses para o crime e suspeitos presos— e algumas das perguntas que seguem sem resposta, parte delas levantada pela ONG Anistia Internacional.
QUEM ESTÁ INVESTIGANDO
- A Polícia Civil, através da Divisão de Homicídios (sob comando do governo federal até o fim do ano)
- O Ministério Público do RJ, através do Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado) e da CSI (Coordenadoria de Segurança e Inteligência)
- A Polícia Federal começou em novembro uma “investigação da investigação”, paralela, para verificar denúncias de irregularidades no trabalho estadual
PROVAS COLETADAS
1. Trajeto dos assassinos
Câmeras mostram que eles já estavam no local do evento quando Marielle chegou e aguardaram a sua saída por duas horas. Também foram mapeadas outras ruas por onde eles passaram, mas a rota completa não foi divulgada. Algumas câmeras públicas voltadas para o trajeto e o local do crime estavam desligadas porque a prefeitura não pagou o contrato.
Dúvidas: Até que ponto o trajeto dos criminosos foi mapeado?
2. Arma do crime
Testes e a reconstituição do crime indicaram que foi usada a submetralhadora alemã HK MP5. Ela existe em pequena quantidade no RJ e é utilizada por equipes especiais das polícias Civil, Militar e Federal e pelas Forças Armadas, além da possibilidade de ter sido comprada ilegalmente.
Dúvidas:
- Ao menos cinco submetralhadoras desse tipo da Polícia Civil sumiram nos últimos anos. Como?
- Foi feita a perícia de todas as HK MP5 das forças de segurança? Quais foram as conclusões?
3. Tiros
Dos 13 disparos que atingiram o carro, quatro acertaram a cabeça de Marielle e três, a lateral das costas de Anderson. Isso indica que o atirador sabia onde a vereadora estava e que ele tinha “intimidade” com a arma, dada a precisão dos tiros em movimento.
Dúvidas:
- A polícia teria pedido um estudo sigiloso à Coordenadoria de Armas e Explosivos para saber quem já foi treinado para usar a HK MP5. Quais os desdobramentos desse estudo?
- A polícia não fez o exame de raio-x nos corpos por falta de equipamento. Ele poderia ter ajudado nas investigações?
4. Origem das munições
As nove munições achadas no local do crime eram calibre 9 mm, restrito às forças de segurança. Uma é colombiana e oito, brasileiras –que seriam do lote UZZ-18, comprado pela PF em 2006 e usado na chacina de Osasco (Grande SP) em 2015. Digitais parciais foram colhidas em algumas das cápsulas.
Dúvidas:
- Como essa munição foi extraviada da Polícia Federal?
- Existe relação entre os crimes de SP e RJ?
- Algo pôde ser concluído com os fragmentos de digitais encontrados?
5. Criminosos
Acreditava-se que eram dois homens, mas imagens de outro ângulo mostraram que havia três pessoas no veículo: um motorista, um carona e um no banco de trás. O biotipo do atirador foi identificado por programas de alta tecnologia, mas não foi divulgado.
6. Carro dos criminosos
Pelas imagens, concluiu-se que o Cobalt prata usado foi preparado para o crime: era clonado e tinha diferenças em relação ao modelo original, como maçanetas pretas e janelas com outro formato. Também se constatou que uma luz dentro do veículo que parecia um celular era apenas um reflexo.
Dúvidas:
- De onde esse carro veio e para onde foi?
- Quem o clonou e como?
- O que foi descoberto sobre um segundo carro que teria seguido Marielle?
ALGUMAS LINHAS DE INVESTIGAÇÃO
1. Vereador e miliciano (principal linha)
O vereador Marcelo Siciliano (PHS) teria combinado o crime com o ex-PM e miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, por supostas desavenças com Marielle na zona oeste. A hipótese se baseia principalmente em duas testemunhas que procuraram a polícia (veja abaixo).
2. Matadores de aluguel
O crime teria sido cometido por um grupo de matadores de aluguel formado por policiais militares, ex-policiais e milicianos, entre eles um major que esteve na região do crime seis dias antes (o que ele negou) e viajou para o Nordeste no dia seguinte às mortes.
Dúvidas:
- Pessoas próximas de Marielle dizem que ela não tinha atuação forte na zona oeste e desconhecem rivalidades entre ela e Siciliano. Qual seria o motivo do crime?
ALGUMAS PESSOAS OUVIDAS
1. PM que trabalhava para Orlando
Tido como “testemunha-chave”, relatou conversas em 2017 sobre Marielle. Em uma delas, Orlando teria dito a ele que uma vereadora havia mandado a milícia parar de “esculachar” moradores da Cidade de Deus, o que o teria irritado. Afirmou ainda ter ouvido Siciliano dizer a Orlando em um restaurante que “precisavam resolver” um problema com Marielle e o deputado Marcelo Freixo (PSOL). Forneceu nomes de mais quatro homens que teriam participado do crime (veja abaixo).
2. Morador da zona oeste ligado ao PM
Disse ter visto Orlando pedindo o telefone de um matador de aluguel para resolver um problema de Siciliano, mas não explicou que problema era esse.
3. Vereador Marcello Siciliano
Afirmou ter cumprimentado Orlando duas ou três vezes, mas negou qualquer relação com ele ou com o crime e disse que era amigo pessoal de Marielle.
4. Ex-PM e miliciano Orlando de Curicica
Dúvidas:
- As testemunhas têm motivos para querer incriminar Orlando ou Siciliano?
- O modo como a “testemunha-chave” chegou à polícia –há um possível elo com uma família que trava uma briga política com Siciliano na zona oeste do Rio– gera desconfiança?
5. Testemunhas oculares
As duas pessoas ouvidas disseram não ter visto os atiradores. Um homem que trabalhava perto relatou estampidos, e uma mulher que atravessava a rua afirmou que ouviu de um morador de rua (a polícia não o achou) que um dos homens no carro seria “bem pretinho”. A assessora que estava ao lado de Marielle também não viu os criminosos.
Dúvidas:
- Policiais teriam orientado testemunhas a irem para casa no dia do crime, e a mulher só foi ouvida um mês depois. Isso pode ter atrapalhado os depoimentos?
SUSPEITOS PRESOS
1. Orlando de Curicica
Preso desde outubro de 2017 por porte ilegal de arma, responde a pelo menos oito processos criminais, incluindo cinco homicídios. Entre as mortes está a do assessor informal de Siciliano, Carlos Alexandre Pereira Maria, o Alexandre Cabeça, morto menos de um mês após Marielle. Há suspeita de “queima de arquivo” –assim como no caso do policial reformado Anderson Claudio da Silva, assassinado dois dias depois de Alexandre.
2. Thiago Bruno Mendonça
Preso em maio pela morte de Alexandre Cabeça. É suspeito de ter monitorado os passos de Marielle e clonado o carro usado no crime.
3. Ruy Ribeiro Bastos
Preso em junho pela morte de Alexandre Cabeça (o corpo foi achado dentro de um carro por PMs de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio).
4. Alan de Morais Nogueira
Preso desde julho por duas mortes na Baixada Fluminense em fevereiro de 2017. Estaria no carro dos executores de Marielle, segundo a testemunha-chave.
5. Luis Cláudio Ferreira Barbosa
Preso desde julho por duas mortes na Baixada Fluminense em fevereiro de 2017. Ex-bombeiro, ele faria parte da milícia comandada por Orlando de Curicica.
Da FSP