Bolsonaro inventa que “países importantes” estão fora do Acordo de Paris
Em discurso em rede social, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) fez várias críticas ao que chama de ‘“indústria da multa” ambiental. Disse que as multas são extorsivas, que há “capricho” por parte de fiscais do Ibama e que a licença ambiental atrapalha a execução de obras de infraestrutura.
“O Ricardo Salles [futuro ministro do Meio Ambiente] é uma pessoa que segue a lei. Não tem ao seu lado aquele tratamento xiita na questão ambiental. E o que nós queremos dele? Que cumpra a lei. O que tivermos de errado, que achar que está um exagero, vamos enviar projetos para a Câmara para que se mude a lei.”
Bolsonaro disse que quer acabar com o chamado ato tendente —segundo a Lei 9.605/98, pescar não é apenas o simples ato de capturar peixe, mas sim “todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora”.
Em janeiro de 2012, Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil pelo Ibama por pesca ilegal numa estação ecológica protegida por lei. O processo administrativo resultou em uma investigação preliminar na PGR (Procuradoria-Geral da República), em Brasília. Em outubro de 2013, o então procurador-geral, Roberto Gurgel, apresentou denúncia contra o parlamentar —o caso depois foi arquivado pelo STF.
“Você, por exemplo, foi pescar e passou perto de uma área de proteção ambiental. Você é multado por ato tendente. Porque ao passar por aquela área, o fiscal entende que você iria pescar naquela região e taca-lhe uma multa em cima de você. Isso é comum. Vi muitas multas nesse sentido para pescadores pobres da baía de Angras dos Reis. (…) Inacreditável que isso aconteça no Brasil. Um capricho por parte desses fiscais, de alguns fiscais do Ibama que não podem, no meu entender, continuar agindo dessa maneira. Então vamos acertar a questão por ato tendente.”
Bolsonaro também criticou as licenças ambientais. “E essa questão ambiental, quando se fala em licença ambiental, e é obrigado a derrubar uma árvore que ela está ameaçando cair. É uma dificuldade para conseguir essa licença. E toma multa caso derrube essa árvore sem a devida licença e autorização para tal. Então essa questão de licença ambiental atrapalha quando um prefeito, governador, presidente, quer fazer uma obra de infraestrutura, uma estrada, por exemplo, quer rasgar uma estrada, quer duplicar. São problemas infindáveis. Isso acontece muito na região amazônica.”
O Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países para conter o aquecimento global, também foi criticado por Bolsonaro.
No acordo, cada país definiu suas metas de redução de emissões de carbono e como executá-las. O Brasil assumiu o compromisso de cortar as emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030 como parte do acordo, apesar de ainda não ter apresentado um plano completo sobre como atingir as metas. O cumprimento das promessas de cada país de cortar emissões de carbono não é obrigatório e verificável.
Bolsonaro, porém, disse, incorretamente, que haverá sanções caso a meta não seja cumprida. O documento foi muito criticado na época da assinatura justamente por não prever punições, diz à Folha um negociador francês.
“As informações que eu tenho, logicamente não são todas ainda, podem estar um pouco imprecisas. Mas, entre as exigências, se exige que o Brasil faça um reflorestamento de uma área enorme. Algumas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro. Nós não temos como cumprir uma exigência dessa. Se assina porque é bonito, até porque essa exigência é para cumprir em 2030, então quem for presidente da república em 2030 que se vire, mas as sanções vem aí. Num primeiro momento, a sanção política. No segundo momento, sanção econômica. Num terceiro momento, sanção de força. Nós não podemos colocar em risco a nossa soberania nacional, parte do nosso território.”
Bolsonaro disse ainda que muitos países importantes não assinaram e outros saíram —na verdade, a Síria, abalada por uma guerra civil, e a Nicarágua eram os dois únicos países que não assinaram o acordo em 2015. Na época, a Nicarágua disse que o tratado era fraco demais, mas, depois, acabou aderindo a ele.
Já a Síria aderiu formalmente ao Acordo de Paris no fim de 2017, deixando os Estados Unidos como único país do mundo a se opor ao tratado —o país assinou o acordo sob o governo de Barack Obama, mas o presidente Donald Trump se retirou dele.
Negociadores brasileiros e de outros países, que buscam regulamentar o Acordo de Paris até o final da semana na COP-24 do Clima, disseram à Folha que o Brasil estaria entre os países que mais se beneficiam do acordo climático, por já liderar agendas, como a das energias limpas, e também por poder receber financiamento para o combate ao desmatamento.
“O Acordo de Paris foi construído sobre a vontade e respeito à soberania e capacidade de cada um dos 193 países que o assinaram. É por isso que agora todos os países do mundo contribuem com diferentes intensidades e abordagens para um objetivo comum”, diz Christiana Figueres, ex-secretária-geral da agência de mudanças climáticas da ONU e principal arquiteta do Acordo de Paris.
“Eu ficaria feliz em ajudar a explicar ao presidente eleito Bolsonaro ou a seu novo ministro das Relações Exteriores os benefícios do Acordo de Paris para o Brasil”, afirma Figueres.
Em seu discurso na reunião plenária da ONU nesta quarta (12), o Ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, lembrou que o Brasil é reconhecido por sua disposição para a negociação e que é um dos países com a matriz energética mais limpa, com 80% da energia elétrica vindo de fontes renováveis.
Após o discurso, jovens do grupo Engajamundo entregaram ao ministro o prêmio irônico intitulado “Não fez mais que a obrigação”, por ser, segundo o anúncio do prêmio, “o último ministro a se preocupar com as mudanças climáticas”.
Da FSP