Bolsonaro prometeu 13º para Bolsa Família, mas não fala mais e não sabe como fará
No meio da campanha eleitoral deste ano, o governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB) lançou uma proposta ousada, ao final de um debate entre os candidatos: se fosse reeleito, passaria a conceder até 150 reais de 13º para todas as 1,1 milhão de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família no Estado. Poucos dias depois, seu principal rival, o senador Armando Monteiro (PTB), lançou a mesma ideia e firmou-se em cima dela como uma das suas principais promessas também. Em um Estado onde 35% da população é beneficiada pelo programa, a concessão de uma parcela a mais do benefício parecia a mina de ouro para alavancar uma eleição.
foi. Paulo Câmara foi reeleito no primeiro turno, mas teve que sentar com sua equipe econômica e fazer —e refazer— as contas para que sua grande promessa coubesse no Orçamento de um Estado cujo déficit deve ficar em cerca de 160 milhões de reais neste ano. Em um primeiro momento, o Governo socialista instituiu que, para o beneficiado receber a parcela extra, ele deveria gastar, em média, 500 reais por mês ao longo de um ano em produtos da cesta básica, apenas em estabelecimentos que emitam nota fiscal e ainda lembrar de registrar o CPF na hora da compra. Na prática, o consumidor receberia, ao final de 12 meses, 2,5% de tudo o que ele gastou com esses produtos pré-determinados. Assim, a primeira mudança na promessa foi o nome do programa: passou de 13º para o Bolsa Família para Nota Fiscal Solidária, sendo pago ao final de 12 meses de compras, não necessariamente no fim do ano.
Não houve, entretanto, acordo na Alepe e Paulo Câmara teve de recuar. Reduziu o valor mensal de gastos pela metade —250 reais— e incluiu novos itens como parte da cesta básica, como o botijão de gás, que custa entre 70 e 90 reais. Para a conta fechar, aumentou de 2,5% para 5% o percentual a ser recebido do total da compra ao final de um ano. No fim das contas, o custo desse novo benefício é estimado pelo Governo em 172 milhões de reais ao ano.
Para amortecer esse impacto sobre o Orçamento do Estado, Paulo Câmara aumentou, a toque de caixa, em 2% o ICMS de diversos produtos, como água, refrigerantes, produtos descartáveis, joias e determinados tipos de carros e motos. Ao final de um ano marcado pela greve dos caminhoneiros, cujo epicentro da paralisação foi o porto pernambucano de Suape, o governador não mexeu nesse vespeiro. Pelo contrário, reduziu a tributação sobre o óleo diesel como contrapartida à alta de outros produtos. Com tudo aprovado pela Alepe, o tarifaço de Natal, assim como a Nota Fiscal Solidária entrarão em vigor a partir de março. O primeiro saque do benefício ocorrerá, portanto, a partir de março de 2020.
“Pente-fino”
Um dos argumentos da secretaria da Fazenda de Pernambuco para alterar a promessa de campanha de Paulo Câmara é que o 13º para o Bolsa Família é atribuição do Governo Federal. “O Governo de Pernambuco instituiu a Nota Fiscal Solidária, já que o 13º salário do Bolsa Família é um compromisso estabelecido pelo Governo Federal”, disse a secretaria da Fazenda de Pernambuco, por meio de nota.
De fato, o Governo Federal arca integralmente com o benefício do Bolsa Família, que neste mês de dezembro repassou 2,6 bilhões de reais aos 14,1 milhões de inscritos. Mas, durante o segundo turno da eleição —depois, portanto, da reeleição em primeiro turno de Paulo Câmara— Jair Bolsonaro lançou a proposta em sua plataforma de campanha, Depois que seu vice, o general Hamilton Mourão (PRTB), criticou por duas vezes o 13º salário durante a campanha, Bolsonaro lançou a proposta do benefício extra para os inscritos no Bolsa Família, atribuindo a ideia —que ele chamou de “excepcional”— estrategicamente a Mourão. O plano era oferecer a parcela extra no final de ano com uma verba que sairia de um “pente fino” no programa, que tiraria pessoas que o recebem irregularmente.
Vencida a eleição, pouco se falou sobre a viabilidade de se concretizar essa ideia. Mas o futuro ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou no final de novembro que o Governo cumprirá essa promessa. Para arcar com o custo extra —que ainda não foi divulgado de quanto seria— a equipe econômica de Bolsonaro diz que realizará o “pente fino”. O economista Adriano Gomes, sócio-diretor da Méthode Consultoria e professor do Curso de Administração da ESPM, afirma que a proposta do presidente eleito é viável. “Um pagamento a mais por ano significa cerca de 8% a mais do Orçamento total”, calcula. “Se, de fato, há um montante de pagamentos inadequados, se houver um desvio de 10% já é possível pagar esse 13º fazendo uma auditoria”.
Raul Velloso, consultor econômico e ex-secretário do Ministério do Planejamento, concorda com a viabilidade da promessa feita por Bolsonaro. “Dependendo do que ele vai apresentar de ajuste fiscal, é possível”, diz. “Tem muita coisa que pode ser ganha, não só com ajustes no Bolsa Família, que podem economizar um volume de recurso grande. Agora, é preciso ver se ele vai querer usar esses recursos para isso [13º para o Bolsa Família] ou para outra coisa”.
Ambos concordam que o valor de uma parcela a mais por ano causa pouco impacto no Orçamento da União. “O Bolsa Família é muito mais retumbante do ponto de vista ideológico do que de gasto de caixa”, afirma Adriano Gomes. Mas as contas mudam de figura quando o cenário sai do plano federal e vai para o estadual. “Aí é outra história”, diz Gomes. “Um pequeno gasto a mais que seja, faz diferença. Sobretudo para estados como Pernambuco, que já navegam com a pontinha do nariz para fora da água”.
Do El País