Comissão de Direitos Humanos faz diligência para garantir direitos de quilombolas
Para acompanhar a situação das famílias de quilombolas ameaçadas pela expansão do Projeto Espacial Brasileiro e prevenir que não ocorram mais violações dos direitos humanos, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) fez, nessa quinta-feira (6) uma diligência a Alcântara e São Luiz, no Maranhão.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) – membro da CDHM – esteve com Francisco Gonçalves da Conceição, secretário de Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão, visitando a Base de Alcântara. Logo depois, a diligência seguiu para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alcântara, na Ilha de Cajual, onde encontraram lideranças quilombolas. O vereador de Alcântara João Ricardo (PT) também acompanhou a reunião.
Os quilombolas entregaram à CDHM um documento contando todo o histórico da luta pela terra e pedindo o imediato cumprimento da sentença judicial, na qual o governo brasileiro se compromete a não realizar novos deslocamentos de comunidades quilombolas e, muito menos, a expansão do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). O protocolo pede, ainda, a imediata titulação do Território Quilombola de Alcântara, conforme já determinado pelo Incra em 2008.
“A questão principal aqui é defender o desenvolvimento, colocar limites na ação de um governo que viola os direitos humanos em nome de um suposto progresso. É uma visão atrasada de desenvolvimento, porque não respeita o direito à terra, que é fundamental para o crescimento sustentável, que gere renda, trabalho, proteja a natureza e fortaleça a agricultura familiar. E isso vale para quilombolas e todas as comunidades tradicionais. O que fizeram aqui nos últimos 30 anos, fez muitas pessoas sofrerem, perderem trabalho e o sustento”, relatou o deputado Nilto Tatto.
Também na quinta-feira, a diligência esteve com o juiz Ricardo Macieira, responsável pela Ação Civil Pública que pede o cumprimento da decisão do Incra. Participaram da audiência o deputado Nilto Tatto, Danilo Serejo do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), o Ministério Público Federal, que fez severas críticas à atuação do governo federal no caso, Defensoria Pública da União, Advocacia-Geral da União, Procuradoria Geral da República e representantes da Aeronáutica.
Ricardo Macieira disse que não pode se manifestar sobre os autos do processo, porém esclareceu que fundamentou sua posição em suspender o processo, por não entender que existiu uma negociação para se expandir o território, e que tudo estava baseado em uma “notícia de jornal”. O juiz também afirmou que a questão não será resolvida com judicialização, mas com um entendimento entre o governo federal e os quilombolas.
No final da década de 70, o governo militar brasileiro lançou a Missão Espacial Completa Brasileira, que previa a criação de um centro espacial no País. A área escolhida foi a Ilha do Cajual, onde fica a cidade de Alcântara, no Maranhão. O local é considerado como uma das melhores zonas de lançamento do mundo, por causa da localização próxima da linha do equador, que permite uma economia de cerca de 30% no combustível necessário para essas operações.
Décadas depois e três fracassos em mandar para o espaço veículos lançadores de satélites, e que em um deles 21 pessoas morreram, o governo do presidente Michel Temer quer tornar realidade um polêmico acordo com os Estados Unidos ainda este ano. Porém, para que esse acordo vá em frente, a área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) deve ser ampliada e, para isso, 27 comunidades quilombolas teriam de ser removidas para o interior da ilha. Mas essas 791 famílias, no total de 2.121 pessoas querem, antes de tudo, receber os títulos de posse da terra, direito já reconhecido pelo próprio Incra através do Relatório Técnico Identificação e Delimitação (RTID) publicado em novembro de 2008.
Estes milhares de remanescentes de quilombos são netos de escravos que trabalharam nas fazendas de cana até o declínio do ciclo, no final do século 19, e que permaneceram nas terras. Portanto, quando os militares chegaram, essa população ocupava a região há pelo menos um século.
“Em março de 2018 o Gabinete de Segurança Institucional formou um Grupo Técnico para ‘equacionamento’ da questão territorial do Centro de Lançamento de Alcântara, para potencializar o Programa Espacial Brasileiro. Em junho, o Ministro das Relações Exteriores anunciou a retomada das negociações para o uso da base de Alcântara pelos Estados Unidos. Dias depois, à véspera da visita do vice-presidente americano ao Brasil, foi publicado o Acordo-Quadro entre Brasil e Estados Unidos sobre Cooperação nos Usos Pacíficos do Espaço Exterior. Ou seja, o Brasil cede parte da soberania nacional aos Estados Unidos, de forma ‘entreguista’ por parte do governo, e ameaça os direitos dos quilombolas”, explica o deputado Luiz Couto (PT-PB), presidente da CDHM.
De acordo com Danilo Serejo Lopes, representante do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), as famílias não foram formalmente comunicadas sobre a intenção do governo de expandir o centro.
“Nenhuma família foi indenizada na primeira remoção. Houve toda uma desestruturação cultural e social das famílias removidas. Não existe nenhuma possibilidade de saírem mais famílias agora, não tem negociação”, adianta Danilo.
Ainda segundo Lopes, em 2008 houve um acordo, mediado pelo Ministério Público Federal, com a Advocacia Geral da União (AGU), que reconhecia os territórios quilombolas e interditava novas remoções. Porém, esse processo não resultou em maiores definições até hoje.
Para implantar o CLA em 1983, o governo deslocou 312 famílias quilombolas das terras delas sem consultá-las, sem pagar indenizações ou reparar os danos sociais, culturais, políticos e econômicos a elas. A violação de direitos dessas famílias foi denunciada, em 2008, na Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, na Suíça. Atualmente, o CLA abrange 8.700 hectares. Um acordo para não extensão do atual perímetro foi homologado em sentença judicial em 05 de novembro de 2008.
As famílias remanejadas no início do projeto, viviam no litoral, pescavam e tinham pequenas plantações. Hoje, vivem nas chamadas agrovilas. O peixe e os alimentos chegam de moto e são vendidos.
“O conflito existente em Alcântara é um tipo de genocídio que violenta os grupos sociais utilizando o tempo como arma. Você tem duas gerações que não sabem o dia de amanhã, se vai ficar ou se vai sair, quando vai sair. Quando você rouba de uma unidade social o seu destino, o seu futuro, você provoca direta ou indiretamente uma insegurança no grupo que pode gerar a sua destruição. Então essa é uma forma genocida. Essa é a violência maior que se pode cometer contra as pessoas, roubar o futuro delas”, alerta o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, pesquisador e professor da Universidade Estadual do Maranhão, encarregado da perícia feita ao Ministério Público Federal.
Em 2001 o MPF exigiu que fosse feita uma perícia antropológica para apontar precisamente a área de ocupação tradicional quilombola. O laudo, que apontou 85 mil hectares de terras pertencentes aos quilombolas, foi finalizado no mesmo ano, mas a titulação nunca aconteceu.
O desejo da Agência Espacial Brasileira, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC), era ocupar outros 12 mil hectares, além dos 8 mil já em posse da aeronáutica. Essas duas áreas somariam mais de 21 mil hectares e equivaleriam a 25% do território quilombola.
O Brasil nunca conseguiu por meios próprios fazer lançamentos para colocar satélites em órbita. Já uma parceria com a Ucrânia, batizada de Alcântara Cyclone Space, consumiu de 2007 a 2015, cerca de 480 milhões de reais sem alcançar nenhum objetivo.
Defensores da expansão do Centro de Lançamentos de Alcântara, afirma que os recursos usados com a comercialização do centro poderiam ser usados para desenvolver o programa espacial brasileiro, hoje bem atrás do de países como China, Índia e Argentina.
Do PT na Câmara