Especialista vê desastre na extinção do Ministério do Trabalho
Poucas medidas anunciadas pelo governo de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro – até aqui – possuem um conteúdo tão explosivo quanto o fim do Ministério do Trabalho, que terá suas atribuições fatiadas e distribuídas para outras três Pastas: Economia (geração de emprego, gestão dos recursos do FAT e FGTS); Justiça (fiscalização das normas trabalhistas, concessão de cartas sindicais) e Cidadania (formação profissional ).
Ao longo de sua longeva história de 88 anos, o Ministério do Trabalho vem sofrendo desgastes continuados, que se agravaram com as recentes denúncias de corrupção ligadas à concessão fraudulenta de registros sindicais. O esquema, segundo a Polícia Federal, envolvia políticos e servidores em cargos comissionados, que acabou gerando um impressionante recorde mundial para o País: o registro de mais 15 mil sindicatos.
O combate à corrupção na alçada do Ministério do Trabalho no futuro governo, contudo, não pode custar a insolvência da Pasta, dotada de um papel fundamental na formulação de políticas públicas para o fortalecimento e modernização das relações trabalhistas e no fomento à criação de emprego e renda, em um país com mais de 12 milhões de desempregados.
O Ministério do Trabalho tem um papel fundamental, previsto na Constituição Federal, de garantidor dos direitos sociais fundamentais, dos quais se destaca o trabalho. Portanto, sua extinção afronta a Carta Magna brasileira, que assegura a empregados e empregadores a participação em colegiados dos órgãos públicos para debater e deliberar sobre temas de seu interesse. À medida que as atribuições do Ministério do Trabalho se fragmentarem, poderemos assistir ao colapso de um conjunto de saberes técnicos sobre o trabalho e o emprego no Brasil, que regulam o equilíbrio entre empregados e empregadores, com possíveis repercussões para a segurança jurídica do país.
Dessa forma, considero fundamentado o Parecer publicado no DOU em 30/11/2018, do próprio Ministério do Trabalho, que reputa como inconstitucional a extinção da Pasta e cita como as políticas públicas na área do trabalho estão estruturadas atualmente, na Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE), Secretaria de Relações de Trabalho (SRT), Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), Subsecretaria de Economia Solidária (SENAES), Escola do Trabalhador, Conselhos do FGTS e do FAT e Diretoria de Imigração (…). “A promoção de políticas públicas de emprego é imperativo de conduta previsto na própria Constituição, quando, por exemplo, estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil o valor social do trabalho (CF, art. 1.º, IV), bem como que a ordem social nacional tem como base o primado do trabalho (CF, art. 193)”, reforça o parecer. Com a extinção da Pasta, esse edifício erguido ao longo de quase um século pode desmoronar sem deixar nada em seu lugar.
A decisão de extinguir o Ministério do Trabalho também conflita com as Convenções 144 e 160, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das quais o Brasil é signatário. A primeira trata de consultas tripartites para promover a aplicação das Normas Internacionais do Trabalho e a segunda abrange compromisso com a coleta, compilação e publicação de estatísticas relativas ao mundo do trabalho.
O novo Governo, certamente, busca respostas para os novos desafios do mercado formal e informal do trabalho. É o caso da criação da carteira verde-amarela, mais voltada aos jovens que ingressam no mercado de trabalho e que poderiam abrir mão do regramento do trabalho tradicional, previsto pela carteira de trabalho azul. Mas alguns princípios da OIT devem sempre estar presentes no horizonte dos novos governantes: a pobreza é um perigo para a prosperidade de todos, é importante reconhecer o direito de negociação coletiva e cooperação entre empregados e empregadores; é preciso proteger a vida e saúde dos trabalhadores e é fundamental manter o cuidado com a infância e a maternidade.
Do Estadão