Futura ministra dizia que PT ensinaria pais a masturbarem bebês
A advogada Damares Alves, assessora do senador Magno Malta e da Frente Parlamentar Evangélica, é o que se pode considerar a mãe da farsa do kit gay.
Magno Malte é o pai e Jair Bolsonaro o maior beneficiário da fraude.
Damares, que também ostenta o título de pastora, está sendo cogitada para assumir o Ministério da Cidadania, no governo de Bolsonaro.
Foi vazada a informação de que ela teria sido convidada para o cargo, convite que levou à reação de lideranças evangélicas, como Silas Malafaia.
Essas lideranças entendem que o cargo deve ser destinado ao chefe de Damares.
Como Magno Malta, Damares tem um histórico de divulgação de dados e histórias que não guardam nenhuma relação com a verdade.
Magno Malta, por exemplo, é acusado de imputar uma falsa acusação de pedofilia contra um cobrador de ônibus, torturado pela polícia depois de ser preso.
A prisão teve como base a afirmação de que Malta, presidente da CPI da Pedofilia, endossou a denúncia.
O delegado que defendeu a medida cautelar extrema contra o cobrador considerou que o senador tinha credibilidade para fazer a acusação.
Se Magno Malta falou, é porque deveria ser verdade.
Mais tarde, com o processo criminal, constatou-se que a manifestação de Magno Malta não passava de calúnia.
Damares foi precursora do discurso de que as escolas públicas brasileiras teriam se tornado centros de perversão nos governos do PT.
Em 2013, um ano antes da eleição em que Malta apoiaria Aécio Neves, ela já percorria as igrejas evangélicas de todo o Brasil, para palestras com conteúdo mentiroso.
A professora Magali Nascimento Cunha, que é da Igreja Metodista e doutora em Comunicação, analisou uma dessas palestras, realizada no dia 13 de abril de 2013.
“Ao se assistir integralmente a palestra de 1h13m, percebe-se que a seleção de materiais da qual a advogada faz uso são extratos adaptados artificial e forçosamente à sua pauta de abordagens. Os extratos são apresentados como se fossem a íntegra das cartilhas e livros e a explicação oferecida traz, além de elementos críticos genéricos e imprecisos, inverdades e manipulação explícita de dados para dar veracidade às abordagens”, escreveu ela.
Damares começa sua palestra com uma falsa acusação contra Marta Suplicy, que se elegeu prefeita de São Paulo em 2000 pelo PT.
“Esta mulher, quando era prefeita da cidade de São Paulo, irmãos, ela gastou dois milhões de reais com aquele grupo, o grupo GTPOS, para ensinar sobre ereção e masturbação em bebês nas escolas”, disse.
A palestrante faz biquinho, ajeita os óculos, com ar de indignação, e reforça com o indicador e o dedo médio da mão direita o valor que supostamente teria sido gasto: “Dois milhões de reais”.
E então teoriza sobre esse suposto projeto de erotização das crianças nas escolas:
“Chegou à conclusão (ela omite o sujeito da frase) a um grupo de especialistas, e esse grupo começou lá na Holanda, lá na Europa e já está influenciando que nós precisamos a aprender a masturbar os nossos bebês a partir dos sete meses de idade.”
Em seguida, conta que na Holanda os especialistas defendem a masturbação em bebês, com o objetivo de que, na idade adulta, sejam saudáveis sexualmente.
Damares não apresenta a fonte desta informação, mas o registro que apresenta é fraude pura.
A reportagem a que se refere, publicada no Estadão, não faz nenhuma referência ao ensino de masturbação em crianças.
É, na verdade, a notícia de que Marta teria contratado uma ONG da qual foi presidente para consultoria sobre educação sexual na rede pública, sobre como fazer a abordagem correta sobre o tema, na educação de adolescentes.
No que diz respeito a creches, não há nenhuma referência, mas contratos anteriores da Prefeitura com a mesma ONG indicam que houve, sim, consultoria no ensino infantil, mas com objetivo completamente diverso do que o propalado pela pastora Damares.
O objetivo era esclarecer educadores municipais sobre como “lidar com temas como ereção e masturbação infantil”, tema estudado por Sigmund Freud nos anos 20 do século passado.
A contratação recebeu críticas da imprensa, mas por outro motivo, a contratação da ONG sem licitação.
O “Estadão” abordou o tema em editorial e chegou até destacar como positiva a preocupação da administração com o tema: a crítica do jornal era em relação ao preço da contratação.
“São inúmeras as boas publicações a respeito do assunto (algumas até obrigatórias para qualquer educador), que poderiam tirar as dúvidas dos profissionais das creches a custo bem menor”, escreveu.
Marta respondeu a um processo movido pelo Ministério Público do Estado, mas pela contratação sem licitação. Foi inocentada em 2015.
A história masturbação de bebês só existiu na cabeça de pessoas como Damares.
Na mesma palestra, Damares inventa que na Holanda estavam sendo distribuídas cartilhas para ensinar os pais como massagear sexualmente as crianças.
E emenda?
“Isto está acontecendo no Brasil.”
Ela lança um desafio ao público presente na igreja:
“Pais, quando foi a última vez que vocês abriram a mochila dos seus filhos? Qual foi a última vez que você abriu o livro didático e conferiu o que seu filho está lendo e estudando na escola?”
Em seguida, critica os crentes que apoiaram a escola em tempo integral ou a lei sancionada no governo de Dilma Rousseff, que tornou obrigatório o ensino pré-escolar a partir dos 4 anos na escola.
Na verdade, segundo os especialistas, quanto mais cedo a criança tiver contato com o mundo letrado, melhores condições ela terá de aprender ao longo da vida.
É científico.
Mas, para Damares, a questão era outra: a escola seria um centro de perversão e os pais, culpados por colocar filhos no mundo e depois transferir a responsabilidade pela educação ao Estado.
“Igreja evangélica, Deus está nos chamando para fazer uma revisão de valores, uma revisão de conceitos”, pregou.
A professora Magali, da Universidade Metodista, conferiu um a um os registros apresentados em powerpoint pela pastora Damares.
Na palestra, é apresentado o livro publicado no Brasil pela Companhia das letras com informações sobre educação sexual para adolescente, “Aparelho Sexual e Cia.”.
É aquele livro que Jair Bolsonaro mostrou na entrevista ao vivo no Jornal Nacional, na reprodução da farsa de que faria parte do kit gay — que nunca existiu.
A professora Magali, já em 2013, analisou a informação e escancarou a fraude.
“O livro foi publicado como obra paradidática em 2007 pela editora Companhia das Letras e é dirigido a pré-adolescentes de 9 a 14 anos, diferentemente da faixa apresentada pela palestrante. A obra, na verdade, não consta nas listas do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e nem do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)”, esclareceu.
No artigo, a professora publicou os links para o leitor conferir.
Um resumo do artigo também foi publicado no site da Universidade Metodista.
Doutora em comunicação, Magali também é professora da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista e, conhecedora das estratégias de comunicação de pastores, explica por que o vídeo havia viralizado, apesar de mentiroso.
“O sucesso do vídeo da palestra entre grupos cristãos (…) pode ser explicado pela linguagem agressiva utilizada e o apelo emocional no discurso, que, ao mesmo tempo em que torna inquestionáveis os argumentos (a palestra é apresentada durante um culto evangélico, colocando-lhe num ambiente de sacralidade e verdade), dá um caráter de credibilidade à palavra de alguém que se apresenta não só como política, mas como mãe, educadora e cristã”, afirmou.
Damares, pelo que demonstra essa palestra, o embrião da farsa do kit gay, não tem nenhuma credibilidade.
Em qualquer lugar civilizado do mundo, estaria descredenciada para altos cargos na administração pública.
No governo Bolsonaro, o descompromisso com a verdade factual parece algo que conta a favor.
Do DCM