Juiz que condenou Lula sai de braços dados com Joice
Passavam poucos minutos das 19h de uma noite anormalmente quente em Curitiba quando a deputada federal eleita e ex-jornalista Joice Hasselmann, do PSL, caminhou sobre saltos-agulha rumo a uma tenda montada no pátio defronte ao Palácio Iguaçu, a modernista sede do governo do Paraná.
Metida num vestido preto de gala, com brincos, pulseira e anel de brilhantes, ela não ia sozinha. A seu lado, quase de braços dados e numa conversa ao pé do ouvido que transparecia alguma intimidade, vinha o juiz federal de segunda instância João Pedro Gebran Neto, famoso por ser o relator dos processos da operação Lava Jato na segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Ambos faziam parte da lista de 81 pessoas que seriam, dali a alguns instantes, premiadas com a Ordem do Pinheiro, uma medalha que o governo paranaense entrega anualmente a personalidades “indicadas pela sociedade civil que fazem a diferença no estado”, segundo o discurso oficial.
Na prática, trata-se de quem o governante de turno quer agradar. Fã de corridas de carro, o ex-governador tucano Beto Richa, por exemplo, entregou a comenda ao comentarista Reginaldo Leme e a pilotos de pouca expressão. A atual ocupante do Palácio Iguaçu, Cida Borghetti, mulher do deputado federal e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros, ambos do PP (ele é tesoureiro da legenda), preferiu paparicar integrantes da Lava Jato e políticos eleitos na onda conservadora que varreu o país, numa pouca discreta piscadela do partido ao presidente eleito Jair Bolsonaro.
Lado a lado com o partido mais enrolado
Hasselmann, sentada na primeira fila com as pernas de lado, parecia pouco interessada no balanço de governo que Cida Borghetti fazia no palco – passou quase o tempo todo com a cara enfiada no celular, em que volta e meia digitava algo. O Twitter dela e, talvez, o grupo do PSL no WhatsApp, iam a todo vapor. Só ergueu a cabeça, sorrindo, quando Borghetti desejou “boa sorte ao nosso presidente Jair Messias Bolsonaro”.
Um dos homenageados, Osmar Terra, ministro de Temer que manteve a cadeira no governo Bolsonaro, resumiu a real intenção da cerimônia: “Ricardo [Barros] ainda tem muito a fazer pelo Paraná e pelo Brasil.” Ao lado da mulher, o ex-ministro – e ex-vice-líder na Câmara dos governos FHC, Lula e Dilma – era um sorriso só.
Gebran Neto, responsável pela decisão que colocou Lula na cadeia, também não escondia a alegria. “Me sinto honrado. Sou curitibano, paranaense, e o fato de o governo estar homenageando seus cidadãos é motivo de muita alegria. Uma honra estar ao lado desses grandes paranaenses e uma alegria ver o reconhecimento do trabalho”, declarou. Com esposa e filhos a tiracolo, talvez nem tenha se lembrado de que o PP, partido da governadora e de Barros, é o mais enrolado na Lava Jato.
Ou que Joice Hasselmann, com quem entrou lado a lado na cerimônia, pouco antes defendera que Marco Aurélio Mello fosse “arrancado” do Supremo Tribunal Federal. O juiz da Lava Jato, homem discreto que jamais deu declarações polêmicas, aparentemente não viu problemas em fazer par com uma política que já dirigiu impropérios a figuras que ele julgou – cabe lembrar que foi Gebran, e não Moro, o responsável pela sentença que de fato levou Lula à prisão – e provavelmente voltará a julgar quando processos como o do sítio de Atibaia chegarem ao TRF4.
‘Espírito de fim de impunidade’
Naquele mesmo dia, a cúpula da Lava-Jato havia sido surpreendida – junto com o resto do Brasil – pela canetada do ministro Marco Aurélio Mello, que mandou soltar todos os presos do Brasil que estivessem cumprindo pena sem uma condenação final. O efeito era óbvio: Luiz Inácio Lula da Silva, preso a menos de dez quilômetros do rapapé a que Joice Hasselmann e Gebran Neto chegaram quase que de braços dados, poderia ser solto.
O ex-presidente, dessa vez, não teve nem tempo de arrumar as malas. A liminar de Marco Aurélio foi derrubada por uma decisão de Dias Toffoli.
Apesar da celeridade, a mera possibilidade de Lula ser solto provocou uma enorme mobilização na força tarefa da Lava-Jato. Em uma coletiva de imprensa de emergência, o coordenador da operação, Deltan Dallagnol, criticou a decisão de Mello: “ela vai contra o espírito de fim da impunidade que hoje inspira a sociedade brasileira”, disse, como se a lei estivesse a reboque dos ânimos da opinião pública.
Recém-afastado da Lava-Jato mas ainda procurador de Justiça, Carlos Fernando dos Santos Lima também desabafou no Facebook. “Estou com vergonha de assistir a esse deprimente espetáculo. Aproveita-se do recesso, aproveita-se das festas, tudo para soltar Lula”, postou, letras sobre um fundo preto.
É possível entender os arroubos de Santos Lima; afinal, ele não faz mais parte da Lava Jato. Mas suas palavras, tal qual a pressa da força-tarefa em chamar a imprensa para protestar contra Marco Aurélio Mello, tornam cada dia mais críveis os relatos de advogados que negociaram delações em que os procuradores diziam que Lula era o “santo Graal” – quem o trouxesse à mesa teria todos os benefícios possíveis.
Junto com a nomeação do ex-juiz Sergio Moro, que abandonou a toga para ocupar um cargo político no gabinete de Bolsonaro, a mais importante investigação da história do Brasil vai deixando cada vez mais claro seu lado no espectro político. Em 2016, Moro, então juiz, deixou-se fotografar trocando sorrisos com Aécio Neves – que, depois, viria a ser alvo da Lava Jato. Também chegou a frequentar convescotes com João Doria Jr., a versão gourmet de Jair Bolsonaro.
Lula e o PT – que seguem alegando uma inocência em que só seus seguidores fanáticos conseguem acreditar – agradecem a força.
Ao descer do palco ao fim da cerimônia, Joice Hasselmann foi cercada por pedidos de selfies. Em seguida, sem se despedir de políticos do PSL do Paraná – o deputado federal Fernando Francischini também foi um dos agraciados com a Ordem do Pinheiro –, sentou-se no banco traseiro de couro claro de um imponente Jaguar negro com placas de São Paulo e partiu.
Ninguém falou sobre o Queiroz.