Vídeo mostra participação da PM no incêndio em favela de Curitiba
Um vídeo em poder do Ministério Público do Paraná e obtido pela Folha mostra dois homens, que vestem coletes balísticos da Polícia Militar, atirando contra casas e ordenando a moradores de uma área de invasão em Curitiba que se recolhessem.
Os dois homens, que usam roupas comuns e um carro descaracterizado, gritam “vai pra dentro, caralho” e “vagabundo”, e atiram pelo menos dez vezes na rua, a esmo e contra casas.
Cerca de 400 famílias moram na invasão, conhecida como Ocupação 29 de Março, que existe há cerca de quatro anos. Dezenas de crianças e uma grande comunidade de imigrantes haitianos vivem no local.
A ação foi realizada horas antes do incêndio que destruiu cerca de 300 casas, na madrugada de sábado (8).
Moradores ouvidos acusam policiais de terem participação no incêndio. A PM nega e suspeita de ação do crime organizado, em represália a operações que combateram quadrilhas de tráfico de drogas na região.
Os vídeos foram divulgados primeiramente pela RIC TV, afiliada da Record, e obtidos pela Folha. O Ministério Público investiga a atuação dos policiais no local, bem como a corregedoria da PM.
Segundo os moradores, a polícia agiu de forma truculenta durante toda a sexta (7), enquanto fazia uma ação para identificar os assassinos de um PM morto a tiros de metralhadora, numa aparente emboscada, na madrugada daquela sexta.
De acordo com a PM, o soldado Erick Norio havia ido atender uma ocorrência de perturbação de sossego quando foi atingido. Casas foram arrombadas a pontapés e com alicates pelos policiais, segundo os relatos dos moradores. Outras foram reviradas.
Uma moradora contou que teve o celular avariado por um policial, após filmar um deles esfregando a foto de um suspeito na cara de uma adolescente. Nenhum deles apresentou mandado, segundo os moradores. Havia PMs fardados e sem farda, além de policiais civis e viaturas.
A truculência teria começado no início da tarde, passadas as primeiras horas da operação. Por volta das 22h de sexta (7), os moradores afirmam ter sentido um forte cheiro de gasolina. Eles dizem que homens colocaram combustível numa casa próxima ao local onde o PM morreu. Em seguida, foram ouvidos tiros. Foi quando o fogo começou.
Segundo eles, não havia ninguém na rua, além dos policiais. O incêndio não deixou vítimas. Pelo menos duas pessoas, porém, morreram alvejadas por tiros durante o incidente. Ainda não se sabe se as mortes estão relacionadas à operação. A Polícia Civil investiga o caso.
Na região do incêndio, visitada pela reportagem no domingo (9), apenas os banheiros, feitos de alvenaria, ficaram de pé. Fogões e pias carcomidos pelo fogo se destacavam entre os destroços. Os moradores evitavam falar com a imprensa, e, se falavam, preferiam não se identificar. Alguns perderam tudo no incêndio; outros deixaram a vila.
A PM informou que está apurando os fatos revelados no vídeo e que ainda não identificou os homens que aparecem nas imagens –e se são ou não policiais militares.
“Somos os maiores interessados em investigar e apurar os fatos”, afirmou o coronel Antônio Zanatta Neto, chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Paraná. Ele disse acreditar que são “ações de marginais ou policiais transvestidos de marginais, agindo isoladamente, com interesses escusos”.
“Em nenhum momento, compactuamos com isso, e vamos agir com todo o rigor da lei. Não admitimos qualquer desvio de conduta de integrantes da nossa corporação.”
Segundo ele, o vídeo foi a única queixa concreta recebida pela PM de abuso da força policial durante a operação na vila. Zanatta afirmou que a corregedoria e o disque-denúncia (telefone 181) estão abertos a denúncias anônimas sobre o caso.
Em entrevista coletiva no sábado, o coronel destacou a suspeita de participação do crime organizado no incêndio.
Operações feitas no último semestre debelaram duas quadrilhas de tráfico de drogas que atuavam na vila. A Polícia Civil investiga o caso.
“É uma área de invasão, em que recolhemos drogas, armamentos. Precisamos trazer à tona e esclarecer todos os fatos”, declarou, durante entrevista no sábado (8).
Da FSP