100 dias de Ernesto Araújo: desgaste dentro do Itamaraty
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, chega nesta quinta-feira (11) aos seus cem dias à frente da chancelaria brasileira em alta com o presidente Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo em que vive um desgaste dentro do Itamaraty e com a ala militar do Palácio do Planalto.
A última demonstração de que Araújo tem respaldo do presidente ocorreu nesta terça (9), quando anunciou a demissão de Mario Vilalva da presidência da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).
Vilalva havia criticado o chanceler, em entrevista à Folha, após ter sido alvo de uma manobra estatutária de Araújo que reduziu seus poderes no comando da agência.
Araújo conseguiu se cacifar junto ao presidente ao alinhar o Itamaraty a um grupo de governantes de direita liderados pelo mandatário dos EUA, Donald Trump.
A guinada na política externa encontra resistências entre militares do Planalto e é questionada por acadêmicos, que preferem uma abordagem mais pragmática, mas tem forte apoio no núcleo ideológico do governo, principalmente entre os seguidores do escritor Olavo de Carvalho.
Os esforços de Araújo nesse sentido foram coroados pelas visitas presidenciais aos EUA, a Israel e ao Chile.
Bolsonaro foi recebido em Washington com pompa por Trump e deixou a capital americana com um pacote de anúncios.
Entre outros pontos, Washington sinalizou apoio às pretensões do Brasil de entrar na OCDE, uma espécie de clube dos países ricos, e afirmou que vai classificar o país como um aliado preferencial extra-Otan (aliança militar ocidental).
Os acenos do governo Trump vieram a um preço, como a exigência de que o Brasil abandone o tratamento diferenciado a que tem direito na Organização Mundial do Comércio e a abertura do mercado nacional para o trigo daquele país.
Mas, apesar das críticas de que o Brasil saiu entregando mais do que recebendo, as concessões americanas deram a Araújo um discurso político de que o alinhamento ao trumpismo traz resultados.
Além disso, o chanceler direcionou a diplomacia brasileira para pautas caras à base mais leal e conservadora do presidente.
Entra nessa lista o bate-boca protagonizado pela embaixadora Maria Nazareth Azevêdo com o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL), antigo desafeto de Bolsonaro, em uma reunião da ONU em Genebra.
O Brasil também assumiu uma posição pró-Israel em uma votação Conselho de Direitos Humanos da ONU, em outra mudança da tradição diplomática do Itamaraty.
Em outro exemplo, diplomatas brasileiros foram orientados a votar contra a inclusão de menções ao acesso universal à saúde reprodutiva em um documento da ONU. Araújo disse que a intenção dos apoiadores da inclusão era fazer promoção do aborto.
A forma como Araújo vem impondo a nova orientação no Itamaraty, no entanto, está gerando desgaste na pasta. Diplomatas que conversaram com a Folha sob condição de anonimato afirmaram que várias posições do chanceler têm gerado desconforto.
O incômodo vai desde decisões administrativas —como a indicação de diplomatas menos graduados para cargos de chefias— até as posições políticas de Araújo.
Um diplomata relata, por exemplo, que há apreensão com a decisão do ministro de “colar em Trump”, uma vez que o mandatário em algum momento deixará a Casa Branca.
O Itamaraty estaria queimando as pontes com o Partido Democrata.
Outro diplomata conta que a decisão de enviar um telegrama à ONU argumentando que não houve golpe militar em 1964 deixou grande parte dos servidores do Itamaraty “desconfortáveis”. Para ele, esse tipo de episódio revela um tipo de “aparelhamento ideológico” que o ministério ainda não tinha presenciado.
Diplomatas dizem que nem mesmo durante o governo do PT, quando houve casos de servidores afastados das suas funções, a guinada ideológica foi tão intensa.
Apesar da clara ênfase na chamada política de cooperação Sul-Sul, eles alegam que não houve um afastamento completo da tradição diplomática brasileira, como hoje.
Quando perguntado pela Folha sobre como avalia seus primeiros cem dias, Araújo disse, por meio de assessoria, que “o Brasil elevou seu perfil internacional e voltou a ser um ator relevante em todos os cenários”.
Ele citou medidas como o apoio dos EUA à entrada do país na OCDE e a “aproximação com a Otan”, que “colocam o Brasil dentro do espaço geopolítico e econômico ocidental.”
“O Brasil passa a defender a soberania e os valores do povo brasileiro nos foros multilaterais.”
Dentre as duas metas do Itamaraty para os primeiros cem dias, diplomatas negociam no âmbito do Mercosul a revisão da tarifa externa comum.
A segunda ação deve ser adotada nas próximas semanas: a retirada do Brasil do padrão do Mercosul para a emissão dos passaportes e a reinserção do brasão da República “para fortalecer a identidade nacional e o amor à pátria.”
AS POLÊMICAS DE ARAÚJO EM 100 DIAS
Itamaraty: O chanceler flexibilizou regras para permitir que diplomatas menos graduados ocupem posições de chefia; depois, supervisionou pessoalmente mudanças no currículo do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas
Venezuela: Abandonando a tradição brasileira, Araújo usou termos duros para se referir ao regime do ditador Nicolás Maduro
Mudanças: O ministro demitiu os diplomatas Paulo Roberto Almeida (em março), que comandava o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, e Mario Vilalba (em abril), que dirigia a Apex, a agência de promoção de exportações
Chilique: O chanceler ficou irritado por não participar do encontro entre Donald Trump e Jair Bolsonaro no Salão Oval da Casa Branca, principalmente porque Eduardo, filho do presidente, compareceu à reunião
História: Araújo identificou o nazismo como um movimento de esquerda e afirmou que a tomada de poder pelos militares em 1964 não foi um golpe
Da FSP