Bolsonaro encerra trabalhos para identificar ossadas de vítimas da Ditadura Militar
O Decreto 9.759 do presidente Jair Bolsonaro que acaba com conselhos e comissões encerrou o Grupo de Trabalho Perus, responsável pela identificação de corpos de desaparecidos políticos entre as 1.047 caixas com ossadas da vala comum do cemitério de Perus, na zona oeste de São Paulo.
O grupo era vinculado à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e tinha a missão de concluir a identificação de vítimas da repressão política durante a ditadura militar, um trabalho iniciado em 2014 após determinação da Justiça Federal em ação civil pública.
Questionado, o ministério não respondeu como pretende, e se pretende, continuar o trabalho de identificação das ossadas. A pasta respondeu apenas que “está avaliando, estudando e proporá algo dentro dos parâmetros do decreto”. Durante sua atuação parlamentar, Bolsonaro criticava as buscas pelos desaparecidos. Posou ao lado de cartaz sobre as buscas na região do Araguaia que dizia: “Quem procura osso é cachorro”.
“Mais do que enterrar os desaparecidos, o governo está implodindo todo um sistema voltado à justiça. O decreto não atinge só o Grupo de Perus, mas também o Grupo de Trabalho Araguaia”, disse a procuradora regional da República Eugênia Gonzaga. Ela é a presidente da comissão, na qual representa o Ministério Público Federal (MPF).
Criada por lei federal, a comissão não pode ser atingida pelo decreto, mas, segundo ela, os grupos de trabalho e equipes técnicas de peritos necessários aos trabalhos foram extintos pelo decreto de Bolsonaro. “Embora haja verba prevista e determinação judicial para que o trabalho seja feito, não há ninguém hoje que possa assinar um documento ou contratar quem quer que seja para realizar os trabalhos.”
O fato foi informado ao juiz federal Eurico Maiolino, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que cuida do cumprimento da decisão judicial que obrigou a União a fazer a identificação das ossadas. Atualmente, quatro peritos ainda trabalham com 1 047 caixas porque seus contratos foram assinados antes do decreto. O número, no entanto, é insuficiente – o grupo já teve dez peritos para analisar as ossadas.
A vala de Perus foi descoberta em 1990. Nos anos 1970, policiais e militares enterraram ali, com nomes falsos, presos políticos assassinados. Suspeita-se que até 40 deles estivessem na vala – seis deles já foram localizados ali e outros sete em sepulturas sem identificação no cemitério.
Depois de passar por legistas da USP e da Unicamp – que foram acusados de descaso na identificação das ossadas -, o trabalho com as 1.047 caixas passou a ser feito por meio de um convênio assinado entre o governo federal e a Prefeitura de São Paulo, que envolve ainda o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), da Universidade Federal de São Paulo.
Já foram colhidas 750 amostras ósseas – 500 já foram enviadas para o laboratório da International Commission on Missing Persons (ICMP). Primeiro, em Sarajevo, na Bósnia, e agora, em Haia, na Holanda. Especializado em análise de DNA em ossos degradados, o laboratório da ICMP foi responsável pela identificação de Dimas Casemiro, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), e do advogado Aluísio Palhano, líder da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Casemiro foi morto a tiros e Palhano sob tortura por homens do Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2º Exército, em 1971, sob o comando do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra Uma nova remessa de 250 amostras ósseas vai para Haia no começo de maio – a papelada sobre ela já havia sido assinada antes do decreto de Bolsonaro. Falta agora analisar cerca de 30% das caixas, onde foram detectados ossos de mais de um indivíduo misturados. “É preciso prorrogar o trabalho para analisar as ossadas restantes”, disse Eugênia.
“A decisão que acaba com os grupos é coerente com as homenagens que Bolsonaro presta ao coronel Ustra. Em vez de se esclarecer o passado, esse governo está interessado em glorificá-lo”, afirmou o jornalista Ivan Seixas. Ele tinha 16 anos quando foi preso em 1971 pelo DOI em companhia de seu pai, Joaquim Alencar Seixas. Ambos eram militantes do MRT.
“Vi meu pai ser torturado e morto no DOI sob o comando de Ustra, e fiquei seis anos preso.” Dois dos companheiros de Seixas estavam na vala de Perus. Trata-se de Denis Casemiro, assassinado sob tortura por policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), da Polícia Civil de São Paulo, e Dimas Casemiro.
De O Dia