Covas muda merenda de creches em SP sem consultar nutricionistas
A gestão Bruno Covas (PSDB) delegou a compra de frutas, verduras e legumes para a direção das creches conveniadas da cidade e acendeu alerta entre nutricionistas para possível piora da qualidade do alimento.
A medida agrada vereadores que têm forte influência sobre as entidades conveniadas e contraria conselho alimentar da própria prefeitura.
A rede conveniada representa 280 mil das 340 mil vagas de creche. Das 35 mil novas vagas previstas, a maioria também será criada neste formato.
As creches conveniadas foram a forma que sucessivas gestões conseguiram para aumentar o número de vagas disponíveis. No entanto, devido à falta de funcionários para fiscalizar, a gestão tem menor controle sobre essas unidades —cuja qualidade varia muito dependendo da entidade responsável. Funcionários que atuam na educação municipal afirmam que agora a disparidade poderá se refletir também na alimentação das crianças.
O Conselho de Alimentação Escolar da Cidade de São Paulo emitiu nota em que recomenda que o envio de alimentos não seja substituído pelo envio de dinheiro. “A aquisição e oferta de produtos como frutas, verduras e legumes será muito difícil de acompanhar e fiscalizar, pois é difícil de ser estocado”, afirma nota do órgão deliberativo, fiscalizador e de assessoramento do programa de alimentação escolar.
As entidades veem a medida como ação para diminuir custos. “Ao repassar para as entidades e tarefa de comprar os alimentos há economia na parte logística. É uma redução de custo que impacta no direito humano à alimentação”, diz diz Vera Vilela, presidente do Comusan (Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional).
De acordo com a gestão Covas, com a mudança, a prefeitura aumentará o valor dos repasses em 3,85%. Entre as supostas vantagens anunciadas, estão diminuição do trânsito na cidade, incentivo à economia local e autonomia das creches.
As conveniadas já são responsáveis por comprar as carnes servidas na merenda, o que já se mostra problemático. Nutricionistas que integram o Conselho de Alimentação Escolar denunciam rotineiramente uma série de irregularidades oficializadas em relatórios oficiais que evidenciam falhas na supervisão por parte da municipalidade.
Em uma unidade, segundo o conselho, foi verificada a oferta de miúdos como fonte de proteína animal. Houve visita a escola em que nutricionistas constataram prato servido às crianças com até cinco vezes menos proteína do que o recomendado pela Coordenadoria de Alimentação Escolar.
“As equipes da prefeitura são desfalcadas e não dão conta de avaliar a merenda servida em mais de mil creches conveniadas. Isso acaba redundando em visitas muito esporádicas, a maioria é vistoriada por nutricionistas uma vez por semestre”, diz a presidente do Comusan.
Além disso, há preocupação em relação à apresentação das notas fiscais de compras de alimentos por parte da direção das entidades. Fiscais do conselho relatam com frequência a dificuldade dos terceirizados em lhes apresentar os comprovantes durante as visitas.
As notas são importantes para comprovar a aquisição de alimentos orgânicos, por exemplo. Lei federal de 2009 condiciona 30% do repasse do Programa Nacional de Alimentação Escolar às escolas públicas à compra de alimentos fornecidos pela agricultura familiar, que deve ser comprovada com nota fiscal. No ano passado, R$ 120 milhões do orçamento de cerca de R$ 800 milhões da alimentação nas escolas veio desse repasse federal.
A secretaria de Educação, em nota, afirmou que toda fiscalização das merendas gera um relatório e, quanto há irregularidades, a coordenadoria toma as providências cabíveis imediatamente. Em relação aos conselhos, a pasta informou que nutricionistas vão acompanhar a compra de frutas, verduras, legumes e ovos.
Outra atividade que fica a cargo das entidades, a escolha das locações, gerou uma indústria de pagamentos de aluguéis superfaturados e a donos de imóveis ligados a vereadores, conforme a Folha revelou no ano passado.
O aumento dos repasses concentra ainda mais poder na mão das conveniadas e, consequentemente, dos vereadores. A possibilidade de escolha dos fornecedores aumenta a chance de sobrepreço e favorecimentos, assim como ocorreu com os aluguéis.
O evento para anunciar a mudança ocorreu na Câmara Municipal, ao lado de vereadores aliados. Na ocasião, o prefeito Covas saiu sem falar com a imprensa.
Ele afirmou ainda ver vantagens na autonomia para as entidades. “A gente confia nessas entidades, imagina que elas podem fazer melhor, mais, com o dinheiro na mão, a mãe próxima ajudando a fiscalizar”.
Apesar de ação diminuir o poder de barganha em relação ao preço, Cury citou que entidades com mais de uma creche terão maior poder de negociação. “Tem entidades que têm mais de uma creche. É muito comum isso. Quando ela recebe, compra para cinco, seis creches. Tem entidade que tem dez creches. Então, a hora que ela recebe o recurso ela vai também ter um poder de compra maior porque ela vai receber o recurso de dez creches e negociar com o fornecedor essa compra”.
Da FSP