É um engano pensar que, por se tratar de um humorista, Danilo Gentili estaria imune à lei penal
A Constituição de 1988 proibiu a censura e instituiu a liberdade de expressão como norma máxima no Brasil. Como consequência disso, prevê-se apenas responsabilização a posteriori das condutas.
A doutrina clássica que fundamenta a liberdade de expressão, reconhecendo um mercado de ideias que se autorregula e que propicia o máximo de liberdade ao maior número de pessoas, já previa a possibilidade — sempre posterior— de avaliar as informações e de regulá-las de acordo com o estado democrático das coisas.
“Todo homem pode pôr diante do público o que bem lhe aprazer, mas, se publicar o impróprio, malicioso ou ilegal, terá consequências”, escreveu Blackstone, inglês que contribuiu decisivamente para o reconhecimento da liberdade de expressão.
Entendendo que a honra objetiva (reputação) e a honra subjetiva (o sentido que se tem de si mesmo) são valores determinantes para a boa convivência social, o direito brasileiro protegeu-as mediante a criação das normas penais de difamação e injúria, respectivamente.
A honra é um bem jurídico protegido penalmente pelo Estado democrático brasileiro. E foi precisamente essa a racionalidade utilizada na sentença da juíza federal Maria Isabel do Prado que condenou o apresentador Danilo Gentili às penas definidas para crimes de injúria e difamação em face da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).
A juíza Maria Isabel fundamentou a condenação em atos provados no processo. Em posts de mídia social com amplo acesso no país, Gentili dirigiu-se à vítima em tom de deboche como “puta”, “falsa”, “cínica” e “nojenta” —o que indubitavelmente fere a honra de Maria do Rosário.
Além disso, um ano depois de ter recebido um ofício da Câmara dos Deputados, Gentili gravou vídeo em que, dirigindo-se à ofendida, abre as calças, esfrega em suas partes íntimas o documento e, na sequência, comunica que Maria do Rosário deveria sentir “aquele cheirinho” assim que a carta chegasse até ela. Tudo seguido pelas vinhetas “eu quero gozar” e “Danilo”. O vídeo foi visto por milhões de pessoas.
É evidente a adequação objetiva dessas condutas de Danilo Gentili aos tipos descritos nos artigos 140 e 141 do Código Penal.
A reputação e a dignidade da vítima foram violadas, e os valores inerentes a essa proteção penal foram flexibilizados.
Ao aplicar a pena ao réu, a sentença reafirma a proteção penal da honra, objetiva e subjetiva, de cada um dos brasileiros.
É um engano pensar que, por se tratar de um humorista, Danilo Gentili estaria imune à lei penal. O animus jocandi da conduta não exclui a possibilidade de ofensa à vítima e, portanto, de violação da norma penal.
Também as brincadeiras e o humor devem respeitar as regras do Estado democrático de Direito. Caso contrário, seria atribuir imunidade desigual aos que são mais engraçados.
A sentença falha tecnicamente, no entanto, ao impor o cumprimento da pena de 6 meses e 28 dias de detenção em regime semiaberto.
O Código Penal prevê a substituição da pena de prisão por penas restritivas de direito, as quais se mostram mais adequadas e mais proporcionais ao caso concreto.
O Brasil tem muito a avançar no respeito à liberdade. Ainda engatinhamos. E nesse caminho de aprendizado é imprescindível reconhecer que as ações livres, justamente por serem livres —por expressarem a autonomia do agente—, são passíveis de responsabilização.
A Constituição proíbe a censura e assegura um regime de liberdade e de responsabilidade. A Justiça cumpre o seu papel quando aplica essa racionalidade a todos, sem qualquer discriminação.
Marina Coelho Araújo é advogada, doutora em direito penal pela USP e professora do Insper
Da FSP