EUA terão controle de acesso em Alcântara
O acordo entre Brasil e Estados Unidos para o uso do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, cria “áreas restritas”, onde serão manipuladas as tecnologias americanas, definidas conjuntamente entre os dois países. O acesso a esses locais específicos será permitido pelo Brasil somente a pessoas autorizadas pelo governo americano. O documento, ao qual o Estado teve acesso, terá de ser aprovado pelo Congresso Nacional.
Além do espaço restrito, a parceria entre os dois países também prevê “áreas controladas”. Mas, nesse caso, o acesso de pessoas ao local poderá ser autorizado pelo Brasil e outros países que participem de atividades na base de Alcântara. O acordo estabelece, ainda, limitações no poder de investigação brasileira em casos de acidentes.
Em 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso propôs que somente os americanos teriam acesso e controle exclusivo às áreas que ocupassem em Alcântara. Esse ponto repercutiu mal e o acordo foi derrubado pelo Congresso. Para evitar repetir a polêmica de violação da soberania nacional, a parceria assinada neste ano pelos governos Bolsonaro e Trump definiu “áreas restritas” e determinou que apenas nesses locais o acesso será autorizado exclusivamente pelos americanos.
Professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo, Gunther Rudzit, defendeu a existência de áreas restritas. “É justificada a preocupação norte-americana. As empresas e agências investem bilhões em tecnologia e não querem ter essa tecnologia roubada”, afirmou. “No Brasil, não estamos acostumados que a espionagem seja uma realidade. Isso não é Hollywood”, disse.
Quando da tentativa de acordo no governo FHC, Rudzit, que é mestre em segurança nacional pela Georgetown University, assessorava o então ministro da Defesa, Geraldo Quintão. Ele avaliou que o atual governo negociou mais os termos do acordo do que na época. “Os partidos de esquerda vão querer criar polêmica para fustigar o governo Bolsonaro, mas o acordo é ponderado.”
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações afirmou que o fato de o Brasil não ter aprovado o acordo no passado fez com que o País perdesse US$ 3,9 bilhões em receitas de lançamentos de satélites em 20 anos.
A pasta preparou uma apresentação de 56 páginas para convencer deputados e senadores de que o acordo de salvaguardas tecnológicas é positivo para o País. Ao Estado, o ministério antecipou sua defesa sobre o ponto mais polêmico: “As chamadas áreas restritas, onde serão manipuladas as tecnologias americanas, serão designadas conjuntamente entre o Brasil e o EUA e são textualmente áreas dentro da jurisdição territorial nacional”.
O ministério ressaltou que “os órgãos brasileiros de polícia e de prestação de socorro emergencial terão acesso operacional às áreas restritas conforme necessidade e o Brasil pode aprovar ou restringir o acesso de pessoas credenciadas pelos EUA”.
Em caso de um acidente em que os destroços caiam dentro ou fora da área militar de Alcântara, por exemplo, os Estados Unidos exigiram que o governo brasileiro assegure a criação de uma zona restrita para o armazenamento dos equipamentos restantes que terá o acesso controlado pelos americanos.
O Brasil ainda é obrigado a devolver “tais componentes ou destroços” sem que sejam “estudados ou fotografados” de nenhuma forma, “exceto se acordado de outra maneira pelas partes, em particular se fizer necessário para resguardar os interesses de saúde e de segurança públicas e a preservação do meio ambiente”.
Os ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, vão na próxima semana ao Congresso participar de audiência pública em comissões. O acordo sobre a base de Alcântara deve estar no centro da discussão.
A oposição vai questionar a parceria. “Há uma limitação clara da atuação das autoridades brasileiras em todas as situações. Os dispositivos podem limitar o poder de investigação em casos de acidente. É uma afronta à soberania nacional”, afirmou o líder do PSOL, Ivan Valente (SP).
Do Estadão