Flávio Bolsonaro, o filho 01, entende de pouco mas fala muito
Seria melhor para o país se o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) permanecesse recolhido ao silêncio forçado por seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, e sua proximidade com milicianos. O filho 01, porém, redescobriu-se legislador e tenta agora abater a reserva legal (RL), inimiga nº 1 dos ruralistas que levaram o pai à Presidência.
O mais enrolado dos rebentos do capitão reciclou com o colega de Senado Marcio Bittar (MDB-AC) antigo projeto do segundo que, se aprovado, exterminaria essa área de preservação em imóveis rurais. Uma proposta de ecocídio, enfim.
O Código Florestal estipula que a reserva, no domínio da Amazônia legal, será de 80% da propriedade (em áreas de floresta) ou de 35% (onde houver cerrado, a savana brasileira). No restante do território nacional, bastam 20%.
A RL está prevista em lei desde 1965, pelo menos. Mais de três décadas depois a proteção exigida passou de 50% para 80% nas áreas florestadas da Amazônia, após satélites denunciarem a explosão de desmatamento em 1995.
A reforma do código aprovada em 2012 por pressão de ruralistas no Congresso manteve os 80%, mas na prática anistiou proprietário que tivessem desmatado ilegalmente antes de 2008. Abria, ainda, algumas brechas para reduzir regional e localmente a área da reserva a 50% na Amazônia.
Foi, na época, uma grande vitória dos proprietários rurais, celebrada por lideranças como Kátia Abreu, então princesa do agronegócio, e Blairo Maggi, que alguns ainda chamavam de rei da soja. Eles juravam de pés juntos que o Brasil não precisava mais desmatar para expandir a produção agrícola, que vinha crescendo à base de aumentos de produtividade e de ocupação de terras da pecuária.
Com efeito, um estudo recente das universidades de Maryland e do Estado de Nova York com imagens de satélite concluiu que, de 2000 a 2014, quase 80% da expansão das áreas cultivadas se deu sobre áreas de pastagens, portanto já desmatadas. Só 20% das terras aráveis tinham resultado de conversão recente de florestas (embora sempre se pense em Amazônia, metade desse avanço se deu sobre o cerrado).
E olhe que o aumento de terras cultivadas com commodities como soja, milho, cana e algodão não foi pequena. Segundo o artigo publicado na revista da Academia Nacional de Ciências (PNAS), naquela década e meia estudada elas passaram de 260 mil km2 para 460 mil km2, ou seja, do equivalente a quase um Tocantins para mais de um estado de São Paulo.
Em outras palavras, não é a agricultura de alta produtividade o principal motor do desmatamento, mas atividades predatórias como grilagem de terras, exploração ilegal de madeira e pecuária extensiva —muitas vezes associadas entre si e berço de não poucos apoiadores de Bolsonaro no agronegócio.
O Brasil ainda tem muita pastagem degradada que poderia ser reformada ou convertida em campos arados. Só o Plano ABC (agricultura de baixo carbono) prevê recuperar 150 mil km2.
Pois o projeto de lei do filho 01 tem por objetivo justamente pôr fim a essa tendência positiva do setor mais moderno da agricultura, franqueando imensas áreas florestadas para pisoteio sob as patas dos bois. Tudo com a desculpa de respeito ao direito de propriedade, música nos ouvidos de quem só enxerga o lucro de hoje.
O agronegócio produtivo e exportador tem tudo a perder com esse retrocesso, que redundará em novos picos de desmatamento. Não só com danos à imagem de suas safras no exterior, mas com a perda dos serviços ecossistêmicos fornecidos pela vegetação natural, de insetos polinizadores à regularização de recursos hídricos e à mitigação da mudança climática.
Verdadeiros empresários agrícolas são perspicazes o bastante para identificar o que é e o que não é de seu interesse. Não se entende por que permitem, até hoje, que pecuaristas e parlamentares atrasados, ignorantes, incivilizados e gananciosos falem por toda a categoria.
Da FSP