Não se trata de pena ou multa, mas de “punitivismo sem precedentes”
Durante a campanha presidencial, em entrevista à mídia tradicional, Fernando Haddad elogiou a operação lava jato e, sobre a condenação do Presidente Lula, disse tratar-se de “erro judiciário”, que seria corrigido nos Tribunais Superiores.
Ocorre que o STJ, ao qual compete unificar a jurisprudência dos tribunais de segundo grau (tribunais de justiça e tribunais regionais federais), manteve a condenação do Presidente Lula, reduzindo, porém, pena e multa. Ou seja, houve redução quantitativa do que foi sancionado ao ex Presidente, mas, qualitativamente, confirmadas as decisões das duas instâncias anteriores (TRF 5 e primeiro grau).
Há duas consequências na decisão do STJ:
(1) o argumento de Fernando Haddad apostava na correção, pelo sistema judiciário, de erros por ele cometidos. Confirmadas, pelo STJ, as duas decisões das instâncias anteriores, seria forçoso admitir-se que estão juridicamente certas as decisões que condenam o Presidente Lula?
(2) na medida em que a prisão do Presidente Lula busca, no próprio sistema judiciário, a correção do que julga ser “um erro”, as negações (improvimentos) dos recursos especial (STJ) e extraordinário (STF) reforçam a legitimidade do sistema jurídico, invalidando a tese de que sua prisão seria política.
Não subscrevo a condenação do Presidente Lula no caso do Triplex, mas o faço por não atribuir ao sistema de justiça o monopólio do saber jurídico e da ciência do direito.
Entendo que os governos do PT ajudaram a consolidar tanto o fetiche com o sistema de justiça, convalidando a aristocrática tese segundo a qual “decisão judicial não se discute, mas se cumpre”, como se o direito e o STF fossem o fundamento da democracia, quanto estabeleceram populismo judicial sem precedentes, conectando as decisões judiciais e as atuações do Ministério Público à aprovação popular, vinculando-as não às leis mas à opinião das maiorias, como se não se submetessem às manipulações de toda ordem. Com isso, se todos os poderes são majoritários, expressões das maiorias, a quem competiria a defesa das minorias e de seus direitos?
A incompreensão do jogo de poder, nas democracias constitucionais, pelos governos do PT, conduziram à revogação do que se convencionou chamar de poder contra majoritário, justamente o sistema de justiça, cujo propósito, hoje, é se substituir aos poderes que emanam da democracia, do voto.
Por fim, os equívocos jurídicos dos governos do PT são de tal ordem, que nunca é demais relembrar que, dos cinco ministros do STJ que condenaram o Presidente Lula, quatro foram indicados pelos seus governos. Isso significaria comprometimento deles com crimes eventualmente cometidos? Não! Significaria apenas comprometimento com a ordem constitucional garantista vigente no Brasil.
Além disso, embora o Presidente Lula deva fazer jus à progressão ao regime semiaberto, entre agosto e outubro do corrente, os próprios governos do PT vincularam liberdade à pagamento de dívida, isto é, sua liberdade dependerá do pagamento de multa de cerca de 3 milhões de reais.
Pergunto: pode um partido de esquerda submeter a liberdade de uma pessoa a posses de bens que lhe possibilitem pagar multas?
Quer dizer, quem não tem dinheiro para pagar essas multas deve permanecer preso? Essa política criminal é progressista?
Essa a herança do petismo jurídico, que atinge não apenas o Presidente Lula, mas ao modelo de democracia constitucional ora vigente no Brasil, que segue afligida pelas corporações e por um punitivismo sem precedentes.
Mudar esse paradigma exigirá do próximo governo progressista nova engenharia constitucional. No entanto, é preciso advertir que isso exigirá muito trabalho jurídico e muita habilidade política.
Luiz Moreira é Doutor em Direito e Mestre em Filosofia pela UFMG. Professor universitário. Diretor Acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem