Perfil dos ataques a escolas nos EUA: Com arma da família e alvo definido
Em 20 de abril de 1999, dois estudantes da Columbine High School, no Estado americano do Colorado, mataram 12 colegas e 1 professor antes de se suicidarem. O ataque cometido há 20 anos por Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17 anos, na ocasião, o pior em uma escola dos Estados Unidos, deixou também 21 pessoas feridas.
Desde então, 237 ataques com armas de fogo foram registrados em escolas americanas, segundo levantamento realizado pelo jornal The Washington Post, resultando em 143 mortos e 293 feridos.
O Estado analisou esses dados e concluiu que, em média, aconteceram 11 ataques a escolas por ano desde Columbine, com o mínimo de 4 casos em 2002 e o máximo de 25 ataques com arma de fogo em 2018, ano também com a maior quantidade de vítimas: 94.
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Do ponto de vista geográfico, apenas oito Estados não registraram nenhum caso envolvendo arma de fogo em suas escolas nestas duas décadas: Dakota do Norte, Delaware, Idaho, Iowa, Maine, Vermont, Virginia Ocidental e Wyoming.
Somados, no entanto, eles possuem apenas 6,5% do total de armas registradas nos EUA, segundo dados de 2018 do Escritório de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos dos EUA (ATF), o que equivale a 361.447 das 5.602.474 armas legais no país.
Além disso, com exceção de Wyoming, onde há uma média de 221 armas para cada 1.000 habitantes – a maior do país –, nos outros sete Estados a média de arma por 1.000 habitantes é de 18, exatamente o mesmo valor da média nacional.
Estado mais populoso dos EUA, a Califórnia tem o recorde em número absoluto de casos: 28, que resultaram em 9 mortos e 54 feridos. Segundo o jornal The New York Times, é um dos locais com leis mais duras no controle de armas em todo o país, “o que mesmo assim não evita ataques em massa”.
A regulamentação, porém, é apontada como causa da redução de 50% nas mortes por armas de fogo nos últimos 25 anos (considerando homicídios, suicídios e acidentes).
Os dados também mostram que, dos 90 casos em que se conhece a origem das armas do crime, em 49% deles ela foi obtida pelo atirador na própria família (de pais, avós, tios ou outros parentes próximos).
A segunda forma mais comum foi a compra do armamento, em 23% dos casos. Já em 13% dos ataques, os autores tinham acesso às armas em razão de sua profissão (policiais ou membros de forças de segurança, por exemplo).
Os 44 casos em que as armas foram obtidas na própria família dos atiradores foram os que tiveram mais vítimas (68 mortos e 96 feridos), com uma distância considerável para a segunda origem mais comum das armas: a compra em lojas e feiras especializadas, em shows de armamentos e de amigos (43 mortos e 57 feridos).
Já os 12 casos em que os atiradores tiveram acesso ao armamento por conta de suas profissões resultaram em 5 mortos e 9 feridos. Quando foi obtida através de um conhecido ou por roubo, com 6 casos cada, houve um total de 5 mortos e 7 feridos. Por fim, em apenas 1 caso a arma foi um presente para o atirador e, neste cenário, 2 pessoas foram feridas.
Não há dados sobre a origem das armas em 147 ataques.
O próximo dado analisado foi o gênero dos autores. Seguindo a tendência nacional nos ataques em massa com armas de fogo nos EUA, quase a totalidade dos massacres nas escolas foi cometido por homens. Foram 211 dos 221 com sexo identificado, ou 95% do total.
Segundo estudo do site Mother Jones, dos 111 piores ataques em massa nos EUA de 1982 a 2019 – incluindo casos em instituições de ensino –, 106 (95%) deles foram cometidos por homens. “Em muitos desses ataques, o desejo de matar parece ser impulsionado por uma sensação catastrófica de direito masculino”, escreveu a jornalista e escritora americana Jennifer Wright no site da revista feminina Harper’s Bazaar.
Em 2018, pouco depois do ataque na escola Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, que deixou 17 mortos, o NYT afirmou que “por mais conveniente que seja, não existe um perfil único para os autores de massacres em massa nos Estados Unidos”. “A única coisa que quase todos eles têm em comum é que são homens.” O diário listou que casos de doenças mentais, histórico de violência doméstica, sentimento de injustiça e o desejo de notoriedade seriam algumas das motivações comuns dos atiradores.
Voltando apenas para os ataques em escolas, há mais casos em que não se sabe o gênero do atirador (16, ou 6,8% do total), do que os que foram cometidos por mulheres, com 10 ocorrências (4,2%).
Dos 111 casos em que foi possível identificar a etnia dos atiradores, os brancos foram responsáveis por 61 deles (55% deles). Os negros foram o segundo grupo racial com a maior quantidade de autores de massacres: 40 (36%). Somados, os asiáticos e os nativos americanos cometeram 10 ataques (9%).
Em 126 casos, não há dados sobre a etnia dos atiradores.
O Washington Post também concluiu que, apesar de os alunos negros representarem 16,6% dos alunos das escolas dos EUA, eles são quase três vezes mais suscetíveis a serem expostos a ataques com arma de fogo do que os alunos brancos, que são 56,7% do total.
Os hispânicos, com 19,5% do total de alunos, foram expostos a esse tipo de violência em 23,2% dos casos.
A idade média dos atiradores nos ataques com armas de fogo nos EUA nas últimas duas décadas – levando em consideração os 194 casos em que este dado foi determinado – é de 16 anos.
Além disso, em 6 de cada 10 casos o autor tinha até 18 anos, o que sinaliza negligência dos adultos responsáveis por eles que permitiram que esses menores tivessem acesso às armas.
A baixa idade média também é explicada, em parte, por outro dado: a relação do autor com a instituição atacada. Em 125 ações o jovem era aluno da instituição atacada – há também 12 casos de ex-alunos que atacaram sua antiga escola.
Considerando os extremos da tabela há dois casos nos quais o atirador tinha apenas 6 anos no momento do ataque. O primeiro, registrado em uma escola no Estado do Michigan, em 2000, resultou na morte de uma menina que seria um desafeto do jovem. O segundo, em 2011 em uma instituição no Texas, resultou em 2 feridos.
Na outra ponta, o autor de um massacre mais velho tinha 72 anos. Esse caso aconteceu em 22 de março de 2019 no Estado do Alabama e deixou 1 ferido. Essa ação, no entanto, foi considerada acidental, ou seja, a arma não foi disparada intencionalmente, como também aconteceu em outros 28 registros compilados pelo Washington Post.
A classificação dos casos proposta pelo Post divide os ataques em três tipos principais: os com alvos determinados – quando o atirador disparou sua arma intencionalmente contra a possível vítima –, os com alvos indeterminados – oposto do anterior, ou seja, sem a intenção de matar pessoas específicas –, e os acidentais – quando a arma foi disparada sem o desejo manifesto de quem a manuseava.
Foram, respectivamente, 139, 45 e 28 casos de acordo com os critérios anteriores. Os demais incluem situações em que não foi possível determinar o tipo do ataque, as tentativas e os suicídios consumados e combinações de uma ou mais classificação.
Em 2016, o criminologista Frederic Lemieux escreveu artigo publicado pela revista Scientific American, no qual discute condições que levam aos ataques em massa. Para ele, “vingança ou busca por poder” estão entre as frequentes motivações, o que pode explicar o fato de tantos ataques terem alvos específicos. Ele complementa citando a grande ligação dos ataques com casos de bullying, doenças mentais e funcionários insatisfeitos.
O levantamento do Washington Post considera todos os ataques com arma de fogo em escola dos EUA – e não apenas os que tiveram mortos e feridos – registrados imediatamente antes, durante ou imediatamente após as aulas.
Casos após o horário das aulas, tiros acidentais que não causaram ferimentos a ninguém além da pessoa que manuseou a arma, e suicídios que ocorreram de forma privada ou não representavam ameaça a outras crianças foram excluídas. Ataques em faculdades e universidades, que afetam mais jovens e adultos do que crianças também não foram computados.
Foram analisados mais de 1.000 relatos, incluindo artigos, notícias, bancos de dados abertos, relatórios de autoridades, informações dos sites das escolas e ligações para os departamentos de polícia.
Do Estadão