“Quanto mais batem em Paulo, mais ele cresce”, diz viúva de Paulo Freire

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Aos 85 anos, Ana Maria Araújo Freire, viúva do educador Paulo Freire (1921-1997), diz que nenhum dos “Bolsonaros” leu a obra do marido para criticá-la. Segundo a pedagoga, que é mais conhecida pelo apelido Nita, os ataques, intensificados desde a campanha presidencial no ano passado, só irão fortalecer o legado de Freire: “Quanto mais batem em Paulo, mais ele cresce”.

Nita rebateu as declarações, inclusive do ministro da Educação, Abraham Weintraub , que relacionam a pedagogia de Freire com os baixos indicadores da educação brasileira . Ela afirma que a teoria do marido nunca foi de fato implantada em âmbito nacional. Ana Maria Freire também não poupou o ideólogo de direita Olavo de Carvalho, a quem chamou de “um homem absolutamente idiota”.

A viúva de Freire, vencedora do Prêmio Jabuti com a biografia “Paulo Freire: uma história de vida” (2007), rechaça a imagem de marxista e comunista atribuída ao educador por seus críticos. E diz que o marido “não suportaria” ver o que está se passando no Brasil, com “poucas iniciativas, e todas erradas” por parte do atual governo federal.

Uma nova biografia, do professor e doutor em Educação pela USP Sérgio Haddad, da Universidade de Caxias do Sul, será lançada ese ano.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Nita concedeu ao GLOBO:

 

Como a senhora avalia essa retomada de ataques a Paulo Freire nos últimos dias vindos principalmente de filhos do presidente Bolsonaro?

Até parece que esses Bolsonaros têm algum valor. Eles não sabem o que é a vida, não sabem nada. Eles entraram aí por um grande equívoco maluco da classe média brasileira, que votou em peso neles. Nenhum dos quatro sabe nada sobre Paulo, nunca leram Paulo. Eles têm ódio do Paulo, e o Paulo nunca odiou ninguém. Sempre foi um homem manso, ponderado. Ele criou uma teoria do conhecimento, que é muito mais do que uma técnica de alfabetização, por constatar que havia uma grande pressão da elite, ainda com as mesmas características da casa-grande, sobre a maioria da população. Naquela época, nos anos 60, não votava quem fosse analfabeto, então Paulo quis, convidado pelo (presidente) João Goulart, alfabetizar todo o povo brasileiro. Mas aí veio o golpe militar em 64 no lugar das reformas pensadas por João Goulart. O presidente diz que não foi golpe. Foi um golpe de Estado impetrado pelos militares e por uma pequena parte da sociedade civil: a grande elite, os grandes empresários, inclusive estrangeiros.

Os críticos de Paulo Freire o chamam de comunista e marxista. Ele era um militante?

Eu conheço Paulo desde que eu tinha cinco anos de idade. Paulo nunca foi nem nunca desejou ser comunista. Paulo leu Marx e absorveu muita coisa do que era importante, mas disse e escreveu, em um livro inclusive, que não era marxista, apesar de concordar com Marx em muitas coisas, assim como concordava com muitas coisas de outros autores. Mas nunca tomou um autor só para fazer suas coisas. A verdade é essa. Você sabe por que esses Bolsonaros têm tanta raiva do Paulo?

Por quê?

Porque eles vão lutar a vida inteira para ser um milésimo do que Paulo foi, do que Paulo é. Porque Paulo ainda converte para a leitura dele, e cada um depois que faça sua definição, milhares e milhares de pessoas no mundo inteiro. Agora aqui, no Brasil, nós temos realmente um grande defeito, que vem do espírito da colonização brasileira. Somos colonizados, somos menos, então o que é bom e o que é grande está fora. Paulo foi reconhecido como terceiro autor mais citado em trabalhos da área de humanas no mundo. Está na lista das cem obras mais procuradas nas instituições (universidades) de língua inglesa. Agora, se Bolsonaro vai chegar com labaredas de fogo no MEC, queimando os livros de Paulo Freire, diga a ele que não adianta. Sabe por quê? Quanto mais batem em Paulo, mais ele cresce.

O que a senhora achou da declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que atribuiu a pedagogia de Paulo Freire aos baixos indicadores da educação brasileira?

Ele não sabe de nada, ele não vê que nunca foi implantada a pedagogia do Paulo? Teria sido em 1964. Mas quebraram tudo, desmantelaram tudo, e Paulo ainda teve que ir para o exílio, onde ficou por 15 anos. Nem quando Paulo foi secretário municipal de Educação de São Paulo ( no governo Erundina) ele obrigou as professoras a seguirem a metodologia dele. Cada uma tinha que escolher a que sabia mais, a que acreditava ser verdadeira, porque assim você educa, sabendo aquilo que está ensinando, visando a formação de homens e mulheres que depois sejam transformadores da sociedade. Agora, se esses rapazes aí falam de Paulo, é porque ele vai bem. O Olavo de Carvalho já falou mal de Paulo muitas vezes, e eles repetem.

Alguns críticos passaram a enaltecer Olavo de Carvalho, sugerindo que ele fez mais pela educação do que Paulo Freire. O que a senhora acha dessa comparação?

Esse Olavo é um homem absolutamente idiota, absolutamente fora do eixo. Eles não pensam. Em que planeta essa gente está? Não é no planeta Terra. Dizem coisas absolutamente inverossímeis. Mas são críticas infantilizadas, maldosas, perversas. Eles querem sempre destruir o outro. Você quer coisa mais feia do que o Brasil está hoje?

Como assim?

Nunca no Brasil vi coisas tão pavorosas. É macabro. Nunca vi um governo dizer: ‘Vamos perseguir esse aqui’. Na ditadura, eles torturavam, matavam, mas depois até negavam. Mas hoje há um certo cinismo na maldade distribuída: ‘Ah, você falou que meu pai botou um pé direito antes do esquerdo’. Aí todos eles respondem com malcriações, impropérios, mentiras, injúrias. Isso não está certo. O que realmente o Brasil precisa não é isso que estão fazendo. Veja você: 83 balas contra um homem bom. Por que atiraram? (Porque) era um negro que estava num carro de luxo. Não teve essa história de que se equivocaram. E foram parabenizados pelos altos homens desse país. Mas, como dizem, não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe.

Se Paulo Freire estivesse vivo, como lidaria com esse momento e com os ataques?

Se Paulo estivesse vivo, eu não sei se suportaria o que está havendo. Não essa coisa contra ele, até porque ele não tinha vaidade para essas coisas, nem responderia. Agora Paulo ia ter uma tristeza que faria mal ao seu corpo. Ele era um homem franzino. Não aguentaria, com certeza, não suportaria ver essas poucas iniciativas, e todas erradas, contra a dignificação da gente, de todos os seres desse Brasil.