Um retumbante fracasso a recente viagem do presidente Jair Bolsonaro à Terra Santa
A recente viagem do presidente Jair Bolsonaro à Terra Santa pode ser qualificada como um retumbante fracasso. A decisão do mandatário brasileiro de não cumprir a promessa de transferir já a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém frustrou tanto seu anfitrião, o premiê israelense Benjamin Netanyahu, quanto o presidente Donald Trump e, de quebra, muitos de seus eleitores evangélicos no Brasil.
Como se não bastasse, conseguiu irritar simultaneamente a oposição israelense e o mundo árabe com gestos explícitos de apoio a Netanyahu, dias antes de uma eleição apertada em Israel, com a abertura de um escritório comercial em Jerusalém e com sua recusa em visitar a Palestina. Ao tomar partido em um dos conflitos geopolíticos mais complexos e polêmicos do mundo, Bolsonaro colocou o Brasil em uma situação delicada, pondo em perigo as boas relações que o país vinha mantendo com os dois lados. Com isso, apequenou o Brasil no cenário internacional.
Piores, no entanto, são as razões estruturais que levaram a esse desastre diplomático e poderão conduzir a outros. Elas permitem enxergar hoje o que está por vir na política externa nos próximos anos.
Uma primeira razão está relacionada à impulsividade do presidente. O debate sobre a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, por exemplo, é resultado de uma promessa descuidada de Bolsonaro na campanha eleitoral, sem a devida avaliação de suas possíveis consequências. A proposta é estapafúrdia e, pior, desnecessária: as relações entre Israel e Brasil já eram boas, e Bolsonaro poderia facilmente fortalecê-las sem entrar no debate sobre a localização da embaixada brasileira. A abertura de um escritório comercial em Jerusalém é um compromisso frustrante para todos os lados e demonstra como os impulsos de Bolsonaro podem ter alto custo político. Não há resolução à vista. Mesmo seus defensores reconhecem que nem os generais poderão controlar o presidente. Assim como a efusiva retórica pró-Trump de Bolsonaro suscitou grandes expectativas e acabou gerando frustração em Washington, virão por aí mais propostas descabidas que despertarão interesse de início, mas que logo causarão desapontamento nos interlocutores, abalando inexoravelmente a confiança no presidente brasileiro.
Outra razão está ligada às divisões internas do governo Bolsonaro: antiglobalistas vs. generais vs. economistas neoliberais. Elas têm convertido a política externa brasileira em refém de promessas e retratações, paralisia e batalhas de poder travadas publicamente. Disputas entre facções são comuns em qualquer governo – na gestão Lula, por exemplo, o assessor Marco Aurélio Garcia, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, nem sempre concordavam -, mas a maioria dos debates costuma dar-se a portas fechadas, e todos os atores se alinham publicamente quando o presidente toma uma decisão. Isso não deverá ocorrer no caso de Bolsonaro, já que o presidente parece incapaz de liderar um debate estruturado e de impor um curso de ação ao qual todos os grupos possam aderir. Pode-se esperar um espetáculo similar ao caos anterior à viagem a Israel durante as próximas grandes decisões de política externa do governo Bolsonaro – em temas como China, Mercosul, Venezuela, cúpula dos BRICS, relações Brasil-UE, negociações sobre mudanças climáticas e assim por diante. Essa dinâmica tornou o Brasil de Bolsonaro imprevisível aos olhos do mundo. Quais são os princípios que norteiam a política externa do Brasil hoje? O que o presidente faria diante da necessidade de uma decisão urgente? Diplomatas estrangeiros se indagam.
Uma terceira razão reside no fato de Bolsonaro menosprezar a competência do Itamaraty. Um dos ministérios de relações exteriores mais preparados e sofisticados do mundo, o Itamaraty dispõe de um grupo de tecnocratas com o qual presidentes de outros países só poderiam sonhar. No entanto, como escreve Matias Spektor, enquanto chanceleres anteriores mobilizaram o corpo diplomático para auxiliar o presidente a projetar uma narrativa coesa e convincente no exterior, antecipar e resolver problemas e evitar erros, o foco principal do ministro Ernesto Araújo é combater supostas tendências globalistas e marxistas dentro do ministério. Como consequência, Bolsonaro escorrega em cascas de banana no circuito externo, algo que o Itamaraty poderia facilmente ajudar a evitar. Isso torna a política externa do Brasil mais vulnerável, menos profissional e atrapalha a relação com outros países.
Por fim, uma razão que não é estrutural, mas que tem peso na configuração da atual política externa brasileira: o próprio ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tornou-se fator adicional de instabilidade, levando o Brasil a ser ridicularizado no exterior. Fragmentos de textos mirabolantes, inspirados em teorias conspiratórias, de autoria do próprio Araújo, tornaram-se alvo de ironia e piada em grupos de Whatsapp de diplomatas estrangeiros e analistas de política externa mundo afora. Sua insistência na ideia de que o nazismo é um movimento de esquerda causou constrangimento no Brasil e vergonha alheia no exterior. Diplomatas estrangeiros em Brasília chegaram a confessar que seus países preferem confirmar a permanência de Araújo no cargo antes de agendar visitas oficiais de alto nível ao Brasil. Depois de trocar de ministro da Educação, Bolsonaro faria bem em cogitar a substituição de seu chanceler. O que não falta são candidatas e candidatos altamente qualificados.
No entanto, mesmo com um novo ministro das Relações Exteriores, a política externa de Bolsonaro continuaria a padecer dos problemas estruturais que inviabilizam uma política externa coerente. Ao completar cem dias de governo Bolsonaro, há pouco espaço para otimismo na relação do Brasil com o resto do mundo.
Do El País